Parte 1 - Parte 2 - Parte 3
III - CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
(BREUER)
Na “Comunicação Preliminar” que introduz este trabalho formulamos as conclusões a que fomos levados por nossas observações, e penso que posso mantê-las em essência. Mas a “Comunicação Preliminar” é tão curta e concisa que, em sua maior parte, só nos foi possível ventilar nossos conceitos. Portanto, agora que os casos clínicos apresentaram provas que confirmam nossas conclusões, talvez seja permissível enunciá-las mais amplamente. Por certo aqui não é uma questão, é evidente, de lidar com todo o campo da histeria. Mas talvez possamos dar um tratamento mais detido e mais claro (com acréscimo de algumas ressalvas, sem dúvida) dos pontos para os quais foram reunidas provas insuficientes ou que não receberam bastante destaque na “Comunicação Preliminar”.
No que se segue, far-se-á pouca menção ao cérebro e nenhuma absolutamente às moléculas. Os processos psíquicos serão abordados na linguagem da psicologia; e, a rigor, não poderia ser de outra forma. Se em vez de “idéia” escolhêssemos falar em “excitação do córtex”, a segunda expressão só teria algum sentido para nós na medida em que reconhecêssemos um velho amigo sob esse disfarce e tacitamente restaurássemos a “idéia”. Pois, enquanto as idéias são objetos permanentes de nossa experiência e nos são familiares em todas as suas gradações de significado, as “excitações corticais” pelo contrário, têm mais a natureza de um postulado: são objetos que temos a esperança de identificar no futuro. A substituição de um termo pelo outro não pareceria ser mais do que um disfarce desnecessário. Por conseguinte, talvez me seja perdoado recorrer quase exclusivamente a termos psicológicos.
Há outro aspecto para o qual devo pedir de antemão a indulgência do leitor. Quando uma ciência vem fazendo rápidos avanços, certos pensamentos inicialmente expressos por indivíduos isolados logo se transformam em domínio público. Dessa forma, ninguém que tente formular hoje seus conceitos sobre a histeria e sua base psíquica pode evitar repetir um grande número de idéias de outrem que se acham em transição do domínio pessoal para o público. É difícil ter sempre a certeza de quem os expressou pela primeira vez, e há sempre o perigo de se considerar como produto próprio o que já foi dito por terceiros. Espero, portanto, que me desculpem se forem encontradas poucas citações neste trabalho e se não for feita qualquer distinção rigorosa entre o que é de minha própria lavra e o que tem origens alhures. Reivindicamos originalidade para uma parte muito pequena do que será encontrado nas páginas que se seguem.
(1) SERÃO IDEOGÊNICOS TODOS OS FENÔMENOS HISTÉRICOS?
Em nossa “Comunicação Preliminar” examinamos o mecanismo psíquico dos “fenômenos histéricos”, e não da “histeria”, pois não quisemos defender o conceito de que esse mecanismo psíquico, ou a teoria psíquica dos sintomas histéricos em geral, têm validade ilimitada. Não somos de opinião de que todos os fenômenos da histeria ocorram da maneira descrita por nós naquele artigo, nem acreditamos que todos sejam ideogênicos, isto é, determinados por idéias. Nesse aspecto divergimos de Moebius, que em 1888 propôs definir como histéricos todos os fenômenos patológicos determinados por idéias. Essa afirmação foi posteriormente elucidada no sentido de que apenas parte dos fenômenos patológicos corresponde, em seu conteúdo, às idéias que os provocam - a saber, os fenômenos que são produzidos por alo-sugestão ou auto-sugestão, como, por exemplo, quando a idéia de não poder mover o braço provoca uma paralisia do mesmo, enquanto outra parte dos fenômenos, embora causados por idéias, não corresponde a elas em seu conteúdo - como, por exemplo, quando em uma de nossas pacientes uma paralisia do braço foi provocada pela visão de objetos semelhantes a cobras |ver em [1]-[2]|.
Ao dar essa definição, Moebius não está meramente propondo uma modificação na nomenclatura e sugerindo que, no futuro, só deveremos descrever como histéricos os fenômenos patológicos que forem ideogênicos (determinados por idéias); o que ele está supondo é que todos os sintomas histéricos são ideogênicos. “Visto que as idéias são com muita freqüência a causa dos fenômenos histéricos, creio que sempre o são.” Ele denomina isso de inferência por analogia. Prefiro denominá-lo de generalização, cuja justificativa deve primeiro ser submetida à prova.
Antes de qualquer discussão do assunto, devemos obviamente decidir o que entendemos por histeria. Considero que a histeria é um quadro clínico empiricamente descoberto e baseado na observação, da mesma maneira que a tuberculose pulmonar. Esses quadros clínicos empiricamente obtidos ganham mais precisão, profundidade e clareza com o progresso de nossos conhecimentos, mas não devem nem podem ser desmontados por eles. A pesquisa etiológica revela que os vários processos constitutivos da tísica pulmonar têm diversas causas: o tubérculo é devido ao bacillus Kochii, enquanto a degeneração do tecido, a formação de cavernas e a febre séptica se devem a outros micróbios. Apesar disso, a tuberculose permanece como uma unidade clínica e seria um erro desintegrá-la, atribuindo-lhe apenas as modificações “especificamente tuberculosas” do tecido, provocadas pelo bacilo de Koch, e desvinculando dela as outras modificações. Da mesma forma, a histeria deve continuar a ser uma unidade clínica, mesmo se ficar demonstrado que suas manifestações são determinadas por várias causas e que algumas delas são acarretadas por um mecanismo psíquico e outras, não.
Estou convencido de que é isto o que de fato ocorre; apenas parte dos fenômenos da histeria é ideogênica, e a definição formulada por Moebius rompe a unidade clínica da histeria, e, a rigor, também a unidade de um mesmo sintoma num mesmo paciente.
Estaríamos fazendo uma inferência inteiramente análoga à “inferência por analogia” de Moebius, se afirmássemos que, como as idéias e percepções com muita freqüência provocam ereções, devemos presumir que só elas é que o fazem e que os estímulos periféricos só poriam esse processo vasomotor em ação por vias indiretas através da psique. Sabemos que essa inferência seria falsa e, no entanto, ela está baseada em pelo menos tantos fatos quanto os que fundamentam a asserção de Moebius sobre a histeria. De conformidade com nossa experiência de um grande número de processos fisiológicos, tais como a secreção de saliva ou de lágrimas, as modificações no trabalho do coração, etc., é possível e plausível presumir que o mesmíssimo processo pode ser igualmente acionado por idéias e por estímulos periféricos e outros estímulos não-psíquicos. O contrário teria de ser provado e estamos muito longe disso. Com efeito parece certo que muitos fenômenos descritos como histéricos não são provocados apenas por idéias.
Consideremos um exemplo cotidiano. Uma mulher pode, sempre que surge um afeto, apresentar no pescoço, nos seios e no rosto um eritema, que aparece primeiro em manchas e depois se torna confluente. Isso é determinado por idéias e, portanto, de acordo com Moebius, é uma manifestação histérica. Mas esse mesmo eritema surge, embora numa área menos extensa, quando a pele fica irritada ou é tocada, etc. Isso não seria histérico. Assim, um fenômeno que é indubitavelmente uma unidade completa seria histérico numa ocasião e não-histérico em outra. É claro que se pode indagar se esse fenômeno - o eretismo vasomotor - deveria ser considerado como especificamente histérico ou se não seria mais apropriado encará-lo como simplesmente “nervoso”. Do ponto de vista de Moebius, porém, o esfacelamento da unidade seria uma conseqüência necessária, de qualquer maneira, e só o eritema determinado pelo afeto deveria ser denominado histérico.
Isso se aplica exatamente do mesmo modo às dores histéricas, que são de tão grande importância prática. Sem dúvida, elas muitas vezes são determinadas diretamente por idéias. São “alucinações de dor”. Se as examinarmos bem mais de perto, veremos que, ao que parece, o fato de uma idéia ser muito nítida não é suficiente para produzi-las, mas que deve haver uma condição anormal especial nos aparelhos relativos à condução e percepção da dor, do mesmo modo que no caso do eritema emocional deve estar presente uma excitabilidade anormal dos vasomotores. A expressão “alucinações de dor” sem dúvida proporciona a mais rica descrição da natureza dessas nevralgias, mas também nos obriga a transpor para elas os conceitos que formamos sobre as alucinações em geral. Não caberia aqui um exame pormenorizado desses conceitos. Endosso a opinião de que as “representações”, imagens mnêmicas puras e simples, sem qualquer excitação do aparelho perceptivo, jamais, nem mesmo no ápice de sua nitidez e intensidade, atingem o caráter de existência objetiva, que é a marca das alucinações.
Isso se aplica às alucinações sensoriais e mais ainda às alucinações de dor, pois não parece possível que uma pessoa sadia seja capaz de dotar a lembrança de uma dor física sequer com o mesmo grau de nitidez ou sequer com uma aproximação distante da sensação real que pode, afinal de contas, ser alcançada pelas imagens mnêmicas ópticas e acústicas. Mesmo no estado alucinatório normal das pessoas sadias, que ocorre durante o sono, nunca há, creio eu, sonhos de dor, a menos que uma sensação real de dor esteja presente. Essa excitação “retrogressiva”, que emana do órgão da memória e atua sobre o aparelho perceptivo por meio das reproduções, é, portanto, no curso normal das coisas, ainda mais difícil no caso da dor do que no das sensações visuais ou auditivas. Uma vez que as alucinações de dor surgem com tanta facilidade na histeria, devemos pressupor uma excitabilidade anormal do aparelho relacionado com as sensações de dor.
Essa excitabilidade surge não apenas sob o estímulo das idéias, mas também sob estímulos periféricos, da mesma forma que o eretismo dos vasomotores que examinamos acima.
É uma observação cotidiana constatar que, nas pessoas com nervos normais, as dores periféricas são provocadas por processos patológicos não dolorosos em si mesmos, localizados em outros órgãos. Assim, surgem as dores de cabeça decorrentes de alterações relativamente insignificantes no nariz ou nas cavidades vizinhas, e nevralgias dos nervos intercostais e braquiais provenientes de patologias do coração, etc. Quando a excitabilidade anormal, que fomos obrigados a postular como uma condição necessária para as alucinações de dor, acha-se presente num paciente, essa excitabilidade também fica à disposição, por assim dizer, das irradiações que acabo de mencionar. As irradiações que ocorrem também em pessoas não-neuróticas são mais intensificadas e formam-se irradiações de um tipo que, na verdade, só encontramos em pacientes neuróticos, mas que se baseiam no mesmo mecanismo que as outras. Dessa forma, a nevralgia ovariana depende, creio eu, das condições do aparelho genital. Sua causalidade psíquica teria que ser provada, e não se chega a essa comprovação pela demonstração de que essa particular espécie de dor, como qualquer outra, pode ser produzida sob hipnose como uma alucinação, ou de que suas causas podem ser psíquicas. Tal como o eritema ou qualquer das secreções normais, a nevralgia surge tanto de causas psíquicas como de causas puramente somáticas. Será que devemos descrever apenas a primeira espécie como histérica - os casos que sabemos terem uma origem psíquica? Se assim for, os casos comumente observados de nevralgia ovariana teriam de ser excluídos da síndrome histérica, e isso mal seria uma solução.
Quando um ligeiro traumatismo numa articulação é gradativamente seguido de uma artralgia grave, o processo sem dúvida envolve um elemento psíquico, isto é, uma concentração da atenção na parte traumatizada, o que intensifica a excitabilidade dos filetes nervosos em questão. Poder-se-ia dificilmente expressar isso, no entanto, afirmando que a hiperalgesia foi causada por representações.
O mesmo se aplica à diminuição patológica da sensação. Não está de modo algum provado e é improvável que a analgesia geral ou a analgesia de partes individuais do corpo, desacompanhada de anestesia, seja provocada por representações. E mesmo que as descobertas de Binet e Janet fossem confirmadas por completo, no sentido de que a hemianestesia é determinada por uma condição psíquica peculiar, por uma divisão da psique, o fenômeno seria psicogênico, mas não ideogênico, e portanto, de acordo com Moebius, não deve ser denominado histérico.
Se existe, portanto, um grande número de fenômenos histéricos característicos que não podemos supor que sejam ideogênicos, pareceria acertado limitar a aplicação da tese de Moebius. Não definiremos como histéricos os fenômenos patológicos que são causados por representações, mas apenas asseveraremos que um grande número de fenômenos histéricos, provavelmente mais do que suspeitamos hoje em dia, são ideogênicos. Mas a alteração patológica fundamental que se acha presente em cada caso e que permite às representações, bem como aos estímulos não-psicológicos, produzirem efeitos patológicos, reside numa excitabilidade anormal do sistema nervoso. Até que ponto essa excitabilidade é de origem psíquica é uma outra questão.
Contudo, mesmo que apenas alguns dos fenômenos da histeria sejam ideogênicos, na verdade são eles que podem ser considerados especificamente histéricos, e é a investigação deles, a descoberta de sua origem psíquica, que constitui o avanço recente mais importante na teoria desse distúrbio. Surge então uma outra pergunta: como se dão esses fenômenos? Qual é seu “mecanismo psíquico”?
Essa pergunta exige uma resposta bem diferente no caso de cada um dos dois grupos em que Moebius divide os sintomas ideogênicos | ver em [1]|. Os fenômenos patológicos que correspondem em seu conteúdo à representação instigadora são relativamente compreensíveis e claros. Quando a representação de uma voz ouvida não a faz apenas ecoar fracamente no “ouvido interior”, como acontece nas pessoas sadias, mas a leva a ser percebida de maneira alucinatória como uma sensação acústica objetiva real, isso pode ser equiparado a fenômenos familiares da vida normal - aos sonhos - e é bem inteligível com base na hipótese de excitabilidade anormal. Sabemos que a cada movimento voluntário é a idéia do resultado a ser alcançado que dá início à contração muscular pertinente, e não é muito difícil ver que a idéia de que essa contração é impossível impedirá o movimento (como acontece na paralisia por sugestão).
A situação é outra com os fenômenos que não têm nenhuma conexão lógica com a representação determinante. (Também aqui, a vida normal oferece paralelos como, por exemplo, o enrubescer de vergonha.) Como surgem eles? Por que uma representação num homem doente evoca um movimento ou uma alucinação específica inteiramente irracional que de modo algum corresponde a ela?
Em nossa “Comunicação Preliminar” sentimo-nos em condições de dizer algo sobre essa relação causal com base em nossas observações. Em nossa exposição do assunto, entretanto, introduzimos e empregamos, sem o justificar, o conceito de “excitações que fluem ou têm de ser ab-reagidas”. Esse conceito, que é de fundamental importância para nosso tema e para a teoria das neuroses em geral, parece exigir e merecer um exame mais detalhado. Antes de passar a efetuá-lo, devo pedir desculpas por levar o leitor de volta aos problemas básicos do sistema nervoso. Um sentimento de opressão está fadado a acompanhar qualquer descida desse tipo até as “Mães” [isto é, à exploração das profundezas|.
Mas qualquer tentativa de chegar às raízes de um fenômeno leva inevitavelmente, dessa forma, a problemas básicos dos quais não se pode escapar. Espero, portanto, que a obscuridade do exame que se segue possa ser encarada com indulgência.
(2) AS EXCITAÇÕES TÔNICAS INTRACEREBRAIS - OS AFETOS
(A)
Conhecemos duas condições extremas do sistema nervoso central: um estado lúcido de vigília e um sono desprovido de sonhos. Uma transição entre elas é proporcionada por uma série de condições com todos os graus de decrescente lucidez. O que nos interessa aqui não é a questão da finalidade do sono e sua base física (seus determinantes químicos ou vasomotores), mas a questão da distinção essencial entre as duas condições.
Não podemos dar nenhuma informação direta sobre o sono mais profundo e sem sonhos, pela mesma razão de que todas as observações e experiências são excluídas pelo estado de total inconsciência. Mas no que tange à condição fronteiriça do sono acompanhado de sonhos podem-se fazer as asserções que se seguem. Em primeiro lugar, quando, estando nessa condição, tencionamos fazer movimentos voluntários - de andar, falar, etc. - isso não faz com que as contrações correspondentes dos músculos sejam voluntariamente iniciadas, como na vida de vigília. Em segundo lugar, os estímulos sensoriais talvez sejam percebidos (pois muitas vezes forçam sua entrada nos sonhos), mas não são apercebidos, isto é, não se tornam percepções conscientes. Além disso, as representações que emergem não ativam, como na vida de vigília, todas as representações vinculadas a ela e que se encontram presentes na consciência potencial; um grande número destas últimas permanece não excitado. (Por exemplo, descobrimo-nos falando com uma pessoa morta sem nos lembrarmos de que está morta.) Outrossim, representações incompatíveis podem estar presentes ao mesmo tempo sem se inibirem mutuamente, como fazem na vida de vigília. Dessa forma, a associação é imperfeita e incompleta. Podemos presumir com segurança que, no sono mais profundo, essa ruptura das vinculações entre os elementos psíquicos é levada ainda mais além e se torna total.
Por outro lado, quando estamos inteiramente acordados, todo ato de vontade inicia o movimento correspondente; as impressões sensoriais transformam-se em percepções conscientes e as representações se associam com todo conteúdo presente na consciência potencial. Nesse estado o cérebro funciona como uma unidade, com conexões internas completas.
Talvez estejamos apenas descrevendo esses fatos com outras palavras, se dissermos que, no sono, as vias de conexão e condução do cérebro não são percorríveis pelas excitações dos elementos psíquicos (células corticais?), ao passo que na vida de vigília o são inteiramente.
A existência desses dois estados diferentes das vias de condução, ao que parece, só pode tornar-se inteligível se supormos que, na vida de vigília, essas vias se encontram num estado de excitação tônica (o que Exner |1894, 93| chama de “tetania intercelular”) e que essa excitação intracerebral tônica é o que determina sua capacidade condutora, sendo que sua diminuição e desaparecimento é que estabelecem o estado de sono.
Não devemos pensar na via cerebral de condução como semelhante a um fio telefônico que só é eletricamente excitado no momento em que tem de funcionar (isto é, no contexto presente, quando tem que transmitir um sinal). Devemos assemelhá-lo ao tipo de fio telefônico em que há sempre um fluxo constante de corrente galvânica e que deixa de ser excitável quando tal corrente cessa. Ou melhor, imaginemos um sistema elétrico amplamente ramificado para transmissão de luz e força; o que se espera desse sistema é que o simples estabelecimento de um contato seja capaz de pôr qualquer lâmpada ou máquina em funcionamento. Para possibilitar isso, de modo que tudo esteja pronto para funcionar, deve haver certa tensão presente em toda a rede de linhas de condução, devendo o gerador despender uma dada quantidade de energia para esse fim. Da mesma forma, há certa quantidade de excitação presente nas vias condutoras do cérebro quando este se encontra em repouso, mas desperto e preparado para trabalhar.
Esse conceito é apoiado pelo fato de que estar meramente desperto, sem realizar qualquer trabalho, dá lugar à fadiga e produz a necessidade de dormir. O estado de vigília em si provoca um consumo de energia.
Imaginemos um homem num estado de intensa expectativa, que não está, contudo, dirigida para qualquer campo sensorial específico. Temos então diante de nós um cérebro em repouso mas preparado para a ação. Podemos com razão supor que em tal cérebro todas as vias de condução se encontram no máximo de sua capacidade condutora - que se acham num estado de excitação tônica. É significativo que na linguagem comum nos refiramos a esse estado como sendo de tensão. A experiência nos ensina o quanto de desgaste esse estado representa e como pode ser fatigante, mesmo que nenhum trabalho motor ou psíquico seja nele realizado.
Esse é um estado excepcional que, precisamente por causa do grande consumo de energia em jogo, não pode ser tolerado por muito tempo. Mas mesmo o estado normal de estar bem desperto exige uma quantidade de excitação intracerebral que varia entre limites separados de forma não muito ampla. Cada grau decrescente de vigília, até a sonolência e o verdadeiro sono, faz-se acompanhar por graus correspondentes menores de excitação.
Quando o cérebro está realmente trabalhando, exige-se sem dúvida um consumo maior de energia do que quando está apenas preparado para executar trabalho. (Da mesma forma, o sistema elétrico descrito anteriormente à guisa de analogia deve fazer com que maior quantidade de energia elétrica flua para as linhas condutoras quando um grande número de lâmpadas ou motores está ligado ao circuito.) Quando o funcionamento é normal, não se libera maior quantidade de energia do que a empregada de imediato na atividade. O cérebro, contudo, comporta-se como um daqueles sistemas elétricos de capacidade restrita que são incapazes de produzir ao mesmo tempo uma quantidade superior de luz e de trabalho mecânico. Quando um deles está transmitindo força, dispõe-se apenas de uma pequena quantidade de energia para a iluminação, e vice-versa. Assim, constatamos que, se estivermos fazendo grandes esforços musculares, seremos incapazes de nos empenharmos num raciocínio contínuo, ou que, se concentrarmos nossa atenção num único campo sensorial, a eficiência dos outros órgãos cerebrais ficará reduzida - em outras palavras, verificamos que o cérebro trabalha com uma quantidade de energia variável, mas limitada.
A distribuição não-uniforme de energia é sem dúvida determinada pelo que Exner |1894, 165| denomina de “facilitação pela atenção” - por um aumento da capacidade condutora das vias em uso e um decréscimo da capacidade das outras, e assim, num cérebro em funcionamento, a “excitação tônica intracerebral” também é distribuída de maneira não uniforme.
Despertamos uma pessoa que está adormecida - ou seja, elevamos de repente a quantidade de sua excitação intracerebral tônica - fazendo que um vívido estímulo sensorial exerça influência sobre ela. Se as alterações na circulação sanguínea cerebral são aqui elos essenciais na corrente causal, e se os vasos sanguíneos são diretamente dilatados pelo estímulo, ou se a dilatação é conseqüência da excitação dos elementos cerebrais - tudo isso é incerto. O certo é que o estado de excitação, penetrando por uma das portas dos sentidos, espalha-se pelo cérebro a partir desse ponto, torna-se difuso e leva todas as vias de condução a um estado de facilitação mais elevado.
Ainda não está nada esclarecido, é natural, como ocorre o despertar espontâneo - se é sempre a mesma parte do cérebro que entra num estado de excitação de vigília, e se a excitação então se difunde a partir dali, ou se ora um, ora outro grupo de elementos atua como o agente que desperta. Não obstante, o despertar espontâneo que, como sabemos, pode ocorrer na total quietude e escuridão sem qualquer estímulo externo, prova que o desenvolvimento da energia se baseia no processo vital dos próprios elementos cerebrais. Um músculo pode permanecer não estimulado e quiescente por mais que tenha ficado em estado de repouso e mesmo que tenha acumulado um máximo de força elástica. O mesmo não se aplica aos elementos cerebrais. Sem dúvida, temos razão ao supor que durante o sono os elementos cerebrais recuperam sua condição anterior e acumulam energia potencial. Quando isso acontece até certo ponto - quando, por assim dizer, certo nível é atingido - o excedente é descarregado nas vias de condução, facilita-as e estabelece a excitação intracerebral do estado de vigília.
Podemos encontrar um exemplo instrutivo da mesma coisa na vida de vigília. Quando o cérebro em vigília ficou quiescente por um tempo considerável, sem transformar a força elástica em energia ativa através de seu funcionamento, surgem uma necessidade e um impulso para a atividade. Aquiescência motora prolongada gera necessidade de movimento (compare-se o correr sem objetivo, de um lado para outro, de um animal enjaulado), e quando essa necessidade não pode ser atendida instaura-se uma sensação aflitiva. A falta de estímulos sensoriais, a escuridão e o silêncio total tornam-se uma tortura; o repouso mental e a falta de percepções, idéias e atividade associativa produzem o tormento de tédio. Essas sensações de desprazer correspondem a uma “excitação”, a um aumento da excitação intracerebral normal.
Assim, os elementos cerebrais, depois de serem restaurados por completo, liberam certa quantidade de energia mesmo quando estão em repouso; e quando essa energia não é empregada funcionalmente, ela aumenta a excitação intracerebral normal. O resultado é uma sensação de desprazer. Tais sensações são sempre geradas quando uma das necessidades do organismo deixa de encontrar satisfação. Visto que essas sensações desaparecem quando a quantidade excedente de energia que foi liberada é empregada funcionalmente, podemos concluir que a eliminação dessa excitação excedente é uma necessidade do organismo. E aqui deparamos pela primeira vez com o fato de que existe no organismo uma “tendência a manter constante a excitação intracerebral”. (Freud.)
Tal excedente de excitação é uma sobrecarga e um incômodo, e o impulso de consumi-lo surge como conseqüência disso. Quando não pode ser utilizado na atividade sensorial ou ideacional, o excedente se descarrega numa ação motora sem finalidade, no andar de um lado para outro e assim por diante - o que encontraremos mais à frente como o método mais comum de descarregar as tensões excessivas.
Estamos familiarizados com as grandes variações individuais que se encontram a esse respeito: as grandes diferenças entre as pessoas vivazes e as inertes e letárgicas, entre as que “não conseguem ficar paradas” e as que têm o “dom inato de se espreguiçarem nos sofás”, e entre os espíritos mentalmente ágeis e os embotados, que conseguem tolerar a inação intelectual por um período ilimitado de tempo. Essas diferenças, que constituem o “temperamento natural” de um homem, por certo se baseiam em profundas diferenças em seu sistema nervoso - no grau em que os elementos cerebrais funcionalmente quiescentes liberam energia.
Já nos referimos à tendência, por parte do organismo, a manter constante a excitação cerebral tônica. Uma tendência dessa natureza, porém, só se torna inteligível quando conseguimos ver a que necessidade atende. Podemos compreender a tendência nos animais de sangue quente de manter uma temperatura média constante porque nossa experiência nos ensinou que essa temperatura é a ideal para o funcionamento de seus órgãos. E fazemos uma suposição similar quanto à constância do teor de água no sangue, e assim por diante. Creio podermos também presumir que existe um ponto ótimo para o nível da excitação tônica intracerebral. Nesse nível de excitação tônica o cérebro é acessível a todos os estímulos externos, os reflexos são facilitados, embora apenas na medida da atividade reflexa normal, e o acervo de representações é passível de ser despertado e aberto à associação, na relação mútua entre representações individuais que corresponde a um estado mental de lucidez. É nesse estado que o organismo se acha mais bem preparado para funcionar.
A situação já fica alterada pela elevação uniforme | ver em [1]| da excitação tônica que constitui a “expectativa”. Isso torna o organismo hiperestésico aos estímulos sensoriais, que rapidamente se tornam aflitivos, e aumenta também sua excitabilidade reflexa acima do que é útil (inclinação ao susto). Sem dúvida esse estado é útil para algumas situações e finalidades, mas quando aparece espontaneamente e não por quaisquer dessas razões, não melhora nossa eficiência, mas a prejudica. Na vida cotidiana, chamamos a isso estar “nervoso”. Na grande maioria das formas de aumento da excitação, contudo, a superexcitação não é uniforme, o que é sempre prejudicial à eficiência. Chamamos a isso “excitamento”. Que o organismo tenda a manter o ponto ótimo de excitação e a retornar a esse ponto ótimo depois de havê-lo ultrapassado não é de se surpreender, mas está inteiramente de acordo com outros mecanismos reguladores do organismo.
Permitir-me-ei mais uma vez recorrer à comparação com um sistema de iluminação elétrica. A tensão na rede de linhas de condução possui também o seu ponto ótimo. Se este for ultrapassado, seu funcionamento pode ser prejudicado com facilidade; por exemplo, os filamentos da luz elétrica podem ser prontamente queimados. Falarei mais adiante sobre o dano causado ao próprio sistema se o isolamento falhar ou se ocorrer um “curto-circuito”.
(B)
Nossa fala, resultado da experiência de muitas gerações, distingue com admirável sutileza as formas e graus de elevação da excitação que ainda são úteis à atividade mental |isto é, apesar de se elevarem acima do ponto ótimo (ver penúltimo parágrafo)|, por elevarem a energia livre de todas as funções cerebrais de maneira uniforme, das formas e graus que prejudicam essa atividade, por aumentarem parcialmente e inibirem parcialmente essas funções psíquicas de uma maneira que não é uniforme. Às primeiras se dá o nome de “incitação” e às últimas, de “excitamento”. Uma conversa interessante ou uma xícara de chá ou café têm um efeito “incitante” |estimulante|; uma altercação ou uma dose considerável de álcool têm um efeito “excitante”. Enquanto a incitação desperta apenas a ânsia de empregar funcionalmente o excesso de excitação, o excitamento procura descarregar-se de formas mais ou menos violentas, que são quase ou decididamente patológicas. O excitamento constitui a base psicofísica dos efeitos, que serão examinados mais adiante. Mas devo em primeiro lugar abordar sucintamente algumas causas fisiológicas e endógenas dos aumentos de excitação.
Entre essas, em primeiro lugar, estão as principais necessidades e pulsões fisiológicas do organismo: a necessidade de oxigênio, o anseio intenso de alimentos e a sede. Visto que o excitamento que eles disparam está vinculado a certas sensações e idéias intencionais, esse não é um exemplo tão puro do aumento de excitação como o examinado anteriormente | ver em [1]-[2]|, que surgia apenas da aquiescência dos elementos cerebrais. O primeiro sempre possui seu colorido especial. Mas é inconfundível na agitação angustiante que acompanha a dispnéia e na inquietação de um homem faminto.
O aumento da excitação que provém dessas fontes é determinado pela alteração química dos próprios elementos cerebrais, que estão carentes de oxigênio, de força elástica ou de água. Tal excitação flui por vias motoras pré-formadas que levam à satisfação da necessidade que a estimulou: a dispnéia leva à respiração forçada, e a fome e a sede, à busca e obtenção de alimento e água. O princípio da constância da excitação quase não entra em ação no que tange a essa espécie de excitamento, pois os interesses que são atendidos pelo aumento da excitação nesses casos são de muito maior importância para o organismo do que o restabelecimento das condições normais de funcionamento no cérebro. É verdade que vemos os animais de um jardim zoológico correndo excitadamente de um lado para outro antes da hora da alimentação, mas isso sem dúvida pode ser considerado como um resíduo da atividade motora pré-formada de procurar alimento, que agora se tornou inútil pelo fato de estarem eles em cativeiro, e não como um meio de livrar o sistema nervoso do excitamento.
Se a estrutura química do sistema nervoso tiver sido permanentemente alterada pela introdução sistemática de substâncias estranhas, então a falta dessas substâncias provocará estados de excitamento, tal como a falta de substâncias nutritivas normais nas pessoas sadias. Vemos isso no excitamento que se verifica na abstinência de narcóticos.
Uma transição entre esses aumentos endógenos da excitação e os afetos psíquicos no sentido mais estrito é proporcionada pela excitação sexual e pelo afeto sexual. A sexualidade na puberdade surge, na primeira dessas formas, como uma elevação vaga, indeterminada e despropositada da excitação. À medida que o desenvolvimento se processa, tal elevação endógena da excitação, determinada pelo funcionamento das glândulas sexuais, torna-se firmemente vinculada (no curso normal das coisas) à percepção ou idéia do outro sexo - e, a rigor, à idéia de um indivíduo em particular, quando ocorre o notável fenômeno do apaixonar-se. Essa idéia absorve toda a quantidade de excitação liberada pela pulsão sexual. Torna-se uma “idéia afetiva”; em outras palavras, quando está ativamente presente na consciência, ela estimula o acréscimo de excitação que de fato se originou de outra fonte, a saber, as glândulas sexuais.
A pulsão sexual é sem dúvida a fonte mais poderosa de acúmulos sistemáticos de excitação (e, por conseguinte, de neuroses). Esses aumentos distribuem-se de maneira muito desigual pelo sistema nervoso. Quando alcançam um grau considerável de intensidade, o encadeamento de idéias fica perturbado e o valor relativo das idéias se altera; e no orgasmo o pensamento é quase inteiramente extinto.
Também a percepção - a interpretação psíquica das impressões sensoriais - é prejudicada. Um animal normalmente tímido e cauteloso torna-se cego e surdo ao perigo. Por outro lado, pelo menos nos machos, há uma intensificação do instinto agressivo. Os animais pacíficos ficam perigosos, até a sua excitação ser descarregada nas atividades motoras do ato sexual.
(C)
Tal perturbação do equilíbrio dinâmico do sistema nervoso - uma distribuição não uniforme do aumento da excitação - é o que compõe a faceta psíquica dos afetos.
Não se fará aqui nenhuma tentativa de formular uma psicologia ou uma filosofia dos afetos. Examinarei apenas um único ponto, que é de importância para a patologia, e além disso apenas para os afetos ideogênicos - os que são provocados por percepções e representações. (Lange, 1885 |[1] e segs.|), ressaltou com razão que os afetos podem ser causados por substâncias tôxicas, ou, como a psiquiatria nos ensina, acima de tudo pelas alterações patológicas, quase da mesma forma que podem ser causadas pelas representações.
Pode-se considerar evidente por si mesmo que todas as perturbações do equilíbrio mental que denominamos de afetos agudos acompanham um aumento da excitação. (No caso dos afetos crônicos, tais como o pesar e a preocupação, isto é, a angústia prolongada, o quadro se complica por um estado de grave fadiga, que, embora mantenha a distribuição não uniforme da excitação, reduz sua intensidade.) Mas esse aumento da excitação não pode ser empregado na atividade psíquica. Todos os afetos intensos restringem a associação - o fluxo de representações. As pessoas ficam “insensatas” com a raiva ou com o pavor. Somente o grupo de representações que provocou o afeto persiste na consciência e o faz com extrema intensidade. Assim, a atividade associativa não consegue aplacar o excitamento.
Os afetos que são “ativos” ou “estênicos”, entretanto, de fato aplacam a excitação aumentada através da descarga motora. Os gritos e os saltos de alegria, o maior tônus muscular da cólera, as palavras raivosas e as ações retaliatórias - tudo isso permite que a excitação se escoe em movimentos. O sofrimento mental a descarrega na respiração difícil e em atividades secretoras: em soluços e lágrimas. É uma constatação cotidiana que tais reações reduzem e aliviam o excitamento. Como já tivemos ocasião de observar | ver em [1]|, a linguagem comum expressa isso em frases como “debulhar-se em lágrimas”, “desabar as mágoas”, etc. Aquilo que se está expelindo nada mais é do que o aumento da excitação cerebral.
Apenas algumas dessas reações, como os atos e as palavras raivosas, servem a uma finalidade no sentido de promoverem alguma modificação no estado real de coisas. O resto não serve a qualquer finalidade, ou melhor, seu único objetivo é aplainar o aumento da excitação e estabelecer o equilíbrio psíquico. Na medida em que o conseguem, servem à “tendência a manter constante a excitação |intra-|cerebral” | ver em [1]|.
Os afetos “astênicos” do medo e da angústia não promovem essa descarga reativa. O pavor paralisa por completo a capacidade de movimento, bem como a de associação, e o mesmo faz a angústia, quando a única reação útil - de fugir - é excluída pela causa do afeto de angústia ou pelas circunstâncias. A excitação do pavor só desaparece através de um nivelamento gradual.
A raiva dispõe de reações adequadas que correspondem a sua causa. Quando estas não são viáveis ou estão inibidas, são trocadas por substitutos. Até as palavras raivosas são substitutos dessa espécie. Mas outros atos, mesmo inteiramente destituídos de sentido, podem aparecer como substitutos. Quando Bismarck teve de reprimir seus sentimentos enraivecidos na presença do Rei, desabafou depois espatifando um valioso vaso no chão. Essa substituição deliberada de uma ação motora por outra corresponde exatamente à substituição dos reflexos naturais da dor por outras contrações musculares. Quando se extrai um dente; o reflexo pré-formado é o de empurrar o dentista e soltar um grito; se, em vez disso, contraímos os músculos dos braços e fazemos pressão nos braços da cadeira, estamos deslocando o quantum de excitação que foi gerado pela dor de um grupo de músculos para outro. |ver em [1].| No caso de uma violenta dor de dente espontânea, quando não há nenhum reflexo pré-formado afora o gemido, a excitação se escoa num despropositado andar de um lado para outro. Da mesma forma, transpomos a excitação da raiva da reação adequada para outra e nos sentimos aliviados, contanto que ela seja consumida por qualquer inervação motora vigorosa.
Quando, porém, o afeto não consegue encontrar nenhuma descarga de excitação de qualquer natureza dentro desses moldes, a situação é a mesma, tanto com a raiva quanto com o pavor e a angústia. A excitação intracerebral é poderosamente aumentada, mas não é empregada nem em atividade associativa, nem motora. Nas pessoas normais a perturbação é eliminada de modo gradativo. Mas em algumas, aparecem reações anormais. Forma-se uma “expressão anormal dos afetos”, como afirma Oppenheim |1890|.
(3) CONVERSÃO HISTÉRICA
Dificilmente hão de suspeitar que identifico a excitação nervosa com a eletricidade por eu recorrer mais uma vez à comparação com um sistema elétrico. Quando a tensão em tal sistema torna-se excessivamente alta, há um risco de que ocorra uma interrupção nos pontos fracos do isolamento. Os fenômenos elétricos aparecem então em pontos anormais, ou, quando dois fios estão muito próximos um do outro, dá-se um curto-circuito. Visto que uma alteração permanente produz-se nesses pontos, a perturbação assim provocada pode repetir-se constantemente se a tensão for aumentada de modo suficiente. Passou a haver uma “facilitação” anormal.
É perfeitamente possível afirmar que as condições que se aplicam ao sistema nervoso são, até certo ponto, semelhantes. Ele forma em toda a sua extensão um todo interligado, mas em muitos de seus pontos interpõem-se grandes resistências, embora não insuperáveis, que impedem a distribuição geral uniforme da excitação. Assim, nas pessoas normais em estado de vigília, a excitação no órgão de representação não passa para os órgãos da percepção: essas pessoas não têm alucinações. |ver em [1].| A bem da segurança e da eficiência do organismo, os plexos nervosos dos complexos de órgãos que são de importância vital - os aparelhos circulatório e digestivo - são separados por fortes resistências dos órgãos de representação. Sua independência está assegurada e eles não são diretamente afetados pelas representações. Mas as resistências que impedem a passagem da excitação intracerebral para os aparelhos circulatório e digestivo variam de intensidade de um indivíduo para outro. Todos os graus de excitabilidade afetiva situam-se, por um lado, entre o ideal (que raramente se encontra hoje em dia) de um homem absolutamente livre de problemas dos “nervos” - um homem cuja ação cardíaca permanece constante em todas as situações e só é afetada pelo trabalho específico que tem de realizar, um homem que tem bom apetite e boa digestão, qualquer que seja o perigo em que se ache - entre um homem desse tipo e, por outro lado, um homem “nervoso”, que tem palpitações e diarréia à menor provocação.
Como quer que seja, há resistências nas pessoas normais contra a passagem da excitação cerebral para os órgãos vegetativos. Essas resistências correspondem ao isolamento nas linhas condutoras elétricas. Nos pontos onde estão anormalmente fracas, elas são invadidas quando a tensão da excitação cerebral se eleva, e esta - a excitação afetiva - passa para os órgãos periféricos. Segue-se a isso uma “expressão do afeto anormal”.
Dos dois fatores que mencionamos como responsáveis por esse resultado, um já foi examinado por nós com pormenores. Esse primeiro fator é um alto grau de excitação intracerebral que deixou de ser aplacada, fosse por atividades ideacionais, fosse pela descarga motora, ou que é grande demais para ser enfrentado dessa maneira.
O segundo fator é uma fraqueza anormal das resistências em algumas vias específicas de condução. Isso pode ser determinado pela constituição inicial do indivíduo (predisposição inata), ou pode ser determinado por estados de excitação de longa duração, que afrouxam, por assim dizer, toda a estrutura do sistema nervoso do indivíduo e reduzem toda a sua resistência (predisposição puberal); ou pode ser determinado por influências debilitantes, como doença e subnutrição (predisposição devida aos estados de esgotamento). A resistência de certas vias específicas de condução pode estar reduzida por uma doença prévia do órgão em causa, que facilitou as vias que ascendem e descendem do cérebro. Um coração doente é mais suscetível à influência de um afeto do que um coração sadio. “Tenho uma espécie de caixa de ressonância no abdome”, disse-me uma mulher que sofria de parametrite; “quando acontece alguma coisa, ela recomeça minha antiga dor”. (Disposição através de doença local.)
As ações motoras em que a excitação dos afetos costuma ser descarregada são ordenadas e coordenadas, muito embora com freqüência sejam inúteis. Mas uma excitação excessivamente forte pode contornar ou irromper através dos centros coordenadores e se escoar em movimentos primitivos. Nos bebês, além do ato respiratório de gritar, os afetos só produzem e encontram expressão em contrações musculares descoordenadas desse tipo primitivo - em arquear o corpo e espernear. À medida que o desenvolvimento se processa, a musculatura passa cada vez mais para o controle da coordenação e da vontade. Mas o opistótono, que representa o máximo de esforço motor da musculatura somática total, bem como os movimentos clônicos do espernear e do debater-se, persistem pela vida afora como a forma de reação à excitação máxima do cérebro - à excitação puramente física dos ataques epilépticos e à descarga dos afetos máximos sob a forma de convulsões mais ou menos epileptóides (por exemplo, a parte puramente motora dos ataques histéricos).
É verdade que essas reações afetivas anormais são características da histeria. Mas também ocorrem independentemente dessa doença. O que indicam é um grau mais ou menos elevado de distúrbio nervoso, e não de histeria. Tais fenômenos não podem ser descritos como histéricos, quando aparecem como conseqüências de um afeto que, embora de grande intensidade, possui uma base objetiva, mas só quando surgem com aparente espontaneidade, como manifestações de uma moléstia. Estas últimas, como demonstraram muitas observações, inclusive as nossas, baseiam-se em lembranças que revivem o afeto original - ou melhor, que o reviveriam se essas reações de fato não ocorressem em seu lugar.
Pode-se admitir como certo que um fluxo de representações e lembranças corre pela consciência de qualquer pessoa razoavelmente inteligente enquanto sua mente está em repouso. Essas representações são tão pouco nítidas que não deixam nenhum traço na memória e é impossível dizer, posteriormente, como foi que as associações ocorreram. Quando, porém, surge uma representação que originalmente esteve vinculada a um afeto intenso, esse afeto é revivido com maior ou menor intensidade. A representação assim “colorida” pelo afeto emerge na consciência clara e nitidamente. A intensidade de afeto que pode ser liberada por uma lembrança é muito variável, conforme o grau em que tenha ficado exposta ao “desgaste” por diferentes influências e sobretudo o grau em que o afeto original tenha sido “ab-reagido”. Ressaltamos em nossa “Comunicação Preliminar” | ver em [1]| em que extensão variável o afeto de raiva diante de um insulto, por exemplo, é evocado por uma lembrança, conforme o insulto tenha sido revidado ou suportado em silêncio. Se o reflexo psíquico tiver sido plenamente realizado na ocasião original, a lembrança dele liberará uma quantidade muito menor de excitação. Em caso negativo, a lembrança ficará perpetuamente forçando nos lábios do indivíduo as palavras abusivas que foram originalmente reprimidas e que teriam sido o reflexo psíquico do estímulo original.
Nos casos em que o afeto original foi descarregado não através de um reflexo normal, mas por um reflexo “anormal”, este último é também liberado pela lembrança. A excitação decorrente da idéia afetiva é “convertida” (Freud) num fenômeno somático.
Caso esse reflexo anormal se torne inteiramente facilitado pela repetição freqüente, poderá, ao que parece, exaurir a força operativa das representações liberadoras de forma tão total que o próprio afeto não surgirá, ou surgirá com intensidade mínima. Em tal caso, a “conversão histérica” é completa. Além disso, a representação, que agora não produz mais quaisquer conseqüências psíquicas, pode ser desprezada pelo indivíduo, ou pode ser prontamente esquecida quando emergir, como qualquer outra representação desacompanhada de afeto.
Talvez seja mais fácil aceitar a possibilidade de uma excitação cerebral que deveria ter dado origem a uma representação ser substituída por uma excitação de alguma via periférica, se recordarmos o curso inverso dos acontecimentos que se verifica quando um reflexo pré-formado deixa de ocorrer. Escolherei um exemplo extremamente trivial - o reflexo do espirro. Quando um estímulo da membrana mucosa do nariz deixa, por qualquer motivo, de liberar esse reflexo pré-formado, surge uma sensação de excitação e de tensão, como todos sabemos. A excitação, que ficou impossibilitada de se escoar pelas vias motoras, agora, inibindo todas as outras atividades, dissemina-se pelo cérebro. Esse exemplo cotidiano nos fornece o modelo do que acontece quando um reflexo psíquico, mesmo o mais complicado, deixa de ocorrer. O excitamento que examinamos anteriormente | ver em [1]| como característica da pulsão de vingança é, em essência, o mesmo. E podemos seguir esse processo mesmo até as regiões mais elevadas da realização humana. Goethe não sentia haver elaborado uma experiência até tê-la descarregado numa atividade artística criadora. Esse era, no seu caso, o reflexo pré-formado concernente aos afetos, e enquanto não fosse levado a cabo, persistia no poeta o aumento aflitivo de excitação.
A excitação intracerebral e o processo excitatório nas vias periféricas são de magnitudes recíprocas: a primeira aumenta se e enquanto nenhum reflexo é liberado; diminui e desaparece depois de transformada em excitação nervosa periférica. Assim, parece compreensível que nenhum afeto observável seja gerado quando a representação que deveria tê-lo feito emergir libera imediatamente um reflexo anormal, no qual a excitação se escoa tão logo é gerada. A “conversão histérica” é então completa. A excitação intracerebral original pertinente ao afeto é transformada em processo excitatório nas vias periféricas. O que era originalmente uma representação afetiva deixa agora de provocar o afeto, suscitando apenas o reflexo anormal.
Acabamos de dar um passo além da “expressão anormal dos afetos”. Os fenômenos histéricos (reflexos anormais) não parecem ser ideogênicos mesmo para os pacientes inteligentes que são bons observadores, porque a representação que lhes deu origem não é mais colorida pelo afeto, nem destacada de outras representações e lembranças. Surgem como fenômenos puramente somáticos, aparentemente sem raízes psíquicas.
O que é que determina a descarga de afeto de tal forma que um específico reflexo anormal é produzido em vez de algum outro? Nossas observações respondem a essa pergunta, em muitos casos, revelando que novamente aqui a descarga segue o “princípio da menor resistência” e ocorre ao longo das vias cujas resistências já foram enfraquecidas por circunstâncias coincidentes. Isso abrange o caso que já mencionamos | ver em [1]| de um reflexo particular ser facilitado pela doença somática já existente. Se, por exemplo, alguém sofre com freqüência de dores cardíacas, estas também serão provocadas pelos afetos. Alternadamente, um reflexo pode ser facilitado pelo fato de a inervação muscular em causa ter sido deliberadamente pretendida no momento em que o afeto ocorreu originalmente.
Assim, Anna O. (em nosso primeiro caso clínico) | ver em [1]| tentou, em seu medo, estender o braço direito, que ficara dormente por causa da pressão contra o espadar da cadeira, a fim de afastar a cobra; e a partir dessa época a tetania no braço direito passou a ser provocada pela visão de qualquer objeto semelhante a cobras. Ou ainda | ver em [1]|, em sua emoção, ela forçou a vista para ler os ponteiros do relógio, e a partir de então um estrabismo convergente se transformou num dos reflexos daquele afeto. E assim por diante.
Isso se deve à ação da simultaneidade que de fato rege as nossas associações normais. Toda percepção sensorial traz de volta à consciência qualquer outra percepção sensorial que tenha originalmente ocorrido ao mesmo tempo. (Cf. o exemplo do livro-texto com a imagem visual de um carneiro e o som do seu balido, etc.) Se o afeto original se fez acompanhar de uma nítida impressão sensorial, esta última é evocada mais uma vez quando o afeto se repete; e já que é uma questão de descarga de uma excitação excessivamente grande, a impressão sensorial emerge não como uma lembrança, mas como uma alucinação. Quase todos os nossos casos clínicos proporcionam exemplos disso. É também o que aconteceu no caso de uma mulher que experimentou um afeto aflitivo numa época em que estava sofrendo de violenta dor de dente por causa de uma periostite, e que a partir daí passou a sofrer nevralgia infra-orbital sempre que o afeto se renovava ou sequer era relembrado | ver em [1]-[2]|.
O que temos aqui é a facilitação de reflexos anormais de acordo com as leis gerais da associação. Mas algumas vezes (embora, deva-se admitir, só em graus mais elevados de histeria) há verdadeiras seqüências de representações associadas entre o afeto e seu reflexo. Temos aí a determinação através do simbolismo. O que une o afeto ao seu reflexo é, muitas vezes, algum trocadilho ridículo ou associações pelo som, mas isso só acontece em estados semelhantes ao sonho, quando os poderes críticos se acham reduzidos, e está fora do grupo de fenômenos com que estamos lidando aqui.
Num grande número de casos o caminho seguido pela seqüência da determinação permanece ininteligível para nós, pois com freqüência temos uma compreensão muito incompleta do estado mental do paciente e um conhecimento imperfeito das representações que eram ativas por ocasião da origem do fenômeno histérico. Mas podemos presumir que o processo não é inteiramente dessemelhante do que podemos observar com clareza em casos mais favoráveis.
As experiências que liberaram o afeto original, cuja excitação foi então convertida num fenômeno somático, são por nós descritas como traumas psíquicos, e a manifestação patológica que surge desta forma, como sintomas histéricos de origem traumática. (A expressão “histeria traumática” já foi aplicada a fenômenos que, por serem conseqüência de danos físicos - traumas no sentido mais estrito do termo - fazem parte da classe das “neuroses traumáticas”.)
A gênese dos fenômenos que são determinados por traumas encontra analogia na conversão histérica da excitação psíquica, que se origina não de estímulos externos nem da inibição dos reflexos psíquicos normais, e sim da inibição do curso de associação. O exemplo e modelo mais simples disso é proporcionado pela excitação que surge quando não conseguimos recordar um nome ou não podemos solucionar um enigma, e assim por diante. Quando alguém nos diz o nome ou nos dá a resposta do enigma, a cadeia de associações termina e a excitação desaparece, exatamente como faz no final de uma cadeia de reflexos. A intensidade da excitação causada pelo bloqueio de uma linha de associações está na razão direta do interesse que temos nelas - isto é, do grau em que elas acionam nossa vontade. Visto, porém, que a procura de uma solução do problema, ou o que quer que seja, sempre envolve grande volume de trabalho, embora possa não ter nenhuma serventia, mesmo uma poderosa excitação encontra utilização e não pressiona a descarga, e conseqüentemente, jamais se torna patogênica.
Essa excitação, entretanto, se torna de fato patogênica quando o curso de associações é inibido graças às representações irreconciliáveis de igual importância - quando, por exemplo, novas representações entram em conflito com complexos representativos enraizados. Tais são os tormentos da dúvida religiosa a que muitas pessoas sucumbem e muitas outras sucumbiram no passado. Mesmo nesses casos, contudo, a excitação e o sofrimento psíquico acompanhante (a sensação de desprazer) só atingem um grau considerável quando entra em jogo algum interesse volitivo do sujeito - quando, por exemplo, alguém cheio de dúvidas se sente ameaçado em sua felicidade ou salvação. Tal fator está sempre presente, no entanto, quando o conflito se dá entre complexos firmemente enraizados de representações morais em que o indivíduo foi educado e a lembrança de ações ou simples pensamentos irreconciliáveis com essas representações; quando, em outras palavras, se sentem as dores da consciência. O interesse volitivo em gostar da própria personalidade e estar satisfeito com ela entra em ação nesse ponto e eleva ao mais alto grau a excitação atribuída à inibição das associações. É uma constatação cotidiana que um conflito entre representações irreconciliáveis possui um efeito patogênico. O que se acha em questão na maioria das vezes são representações e processos ligados à vida sexual: a masturbação num adolescente com susceptibilidades morais; ou, numa mulher casada de moral rigorosa, a conscientização de sentir-se atraída por um homem que não é o próprio marido. Com efeito, o primeiro aparecimento das sensações e representações sexuais, por si só, é muitas vezes suficiente para acarretar um intenso estado de excitação, por causa de seu conflito com a representação profundamente enraizada da pureza moral.
Um estado de excitação dessa natureza costuma ser seguido por conseqüências psíquicas, tais como a depressão patológica e os estados de angústia (Freud |1895b|). Às vezes, porém, algumas circunstâncias coincidentes acarretam um fenômeno somático anormal em que a excitação é descarregada. Assim, pode haver vômitos quando o sentimento de impureza produz uma sensação física de náusea; ou uma tussis nervosa, como em Anna O. (Caso Clínico nº 1 | ver em [1]|), quando a angústia moral provoca um espasmo da glote, e assim por diante.
Há uma reação normal apropriada à excitação provocada por representações muito nítidas e irreconciliáveis - a saber, comunicá-las pela fala. Um quadro divertidamente exagerado da ânsia de fazer isso é fornecido na história do barbeiro de Midas, que revelou em voz alta seu segredo aos caniços. Encontramos o mesmo anseio como um dos fatores básicos de uma grande instituição histórica - o confessionário católico romano. Dizer as coisas é um alívio; descarrega a tensão, mesmo quando a pessoa a quem elas são ditas não é um padre e mesmo quando não se procura qualquer absolvição. Quando se nega essa saída à excitação, ela às vezes se converte num fenômeno somático, tal como acontece com a excitação pertinente aos afetos traumáticos. Todo o grupo de fenômenos histéricos que assim se origina pode ser descrito, com Freud, como fenômenos histéricos de retenção.
O relato que fizemos até aqui do mecanismo pelo qual se originam os fenômenos histéricos está sujeito à crítica de ser esquemático em demasia e de simplificar os fatos. Para que uma pessoa saudável que não seja inicialmente neuropata possa desenvolver um sintoma histérico autêntico, com sua aparente independência da mente e com existência somática própria, deve haver sempre grande número de circunstâncias convergentes.
O caso seguinte servirá de exemplo da natureza complicada do processo. Um menino de doze anos de idade, que antes sofrera de pavor nocturnus e cujo pai era altamente neurótico, voltou certo dia da escola para casa sentindo-se mal. Queixava-se de dificuldade de engolir e de dor de cabeça. O médico da família presumiu que a causa fosse uma inflamação na garganta. Mas o estado não melhorou, mesmo após vários dias. O menino recusava os alimentos e vomitava quando estes lhe eram forçados. Movia-se de um lado para o outro apaticamente, sem energia ou prazer; queria ficar deitado o tempo todo e estava fisicamente muito abatido. Quando o examinei cinco semanas depois, ele me deu a impressão de ser uma criança acanhada e introvertida e me convenci de que seu estado tinha uma base psíquica. Ao ser inquirido detidamente, apresentou uma explicação trivial - uma reprimenda severa passada pelo pai - que claramente não fora a causa real de sua doença. Nada se pôde saber tampouco em sua escola. Prometi que extrairia a informação mais tarde, sob hipnose. Mas isso foi desnecessário. Reagindo a fortes apelos de sua mãe inteligente e enérgica, o menino debulhou-se em lágrimas e contou a seguinte história. Quando voltava da escola para casa, ele fora a um mictório e um homem lhe mostrara o pênis e pedira-lhe que ele o pusesse na boca. O garoto fugira apavorado e nada mais lhe tinha acontecido. Mas a partir daquele instante, adoeceu. Tão logo fez sua confissão, recuperou-se inteiramente. - Para produzir a anorexia, a dificuldade de engolir e os vômitos, vários fatores se fizeram necessários: a natureza neurótica inata do menino, seu intenso pavor, a irrupção da sexualidade em sua forma mais crua no seu temperamento infantil e, como fator especificamente determinante, a idéia de repulsa. A doença deveu sua persistência ao silêncio do menino, que impediu a excitação de encontrar sua saída normal.
Em todos os outros casos, como nesse, é preciso haver uma convergência de vários fatores para que um sintoma histérico possa ser gerado em qualquer um que até então tenha sido normal. Tais sintomas são invariavelmente “sobredeterminados”, para usar a expressão de Freud.
Pode-se presumir que uma sobre determinação dessa natureza também se ache presente quando o mesmo afeto é evocado por uma série de causas desencadeantes. O paciente e aqueles que o cercam atribuem o sintoma histérico apenas à última causa, embora essa causa, em geral, só tenha gerado algo que já fora quase realizado por outros traumas.
Uma moça de dezessete anos teve seu primeiro ataque histérico (seguido de vários outros) quando um gato pulou sobre seu ombro no escuro. O ataque parecia ser apenas o resultado do susto. Uma investigação mais detida revelou, contudo, que a moça, que era bonita e não muito vigiada, recentemente experimentara várias investidas mais ou menos brutais e ficara sexualmente excitada com elas. (Temos aqui o fator da predisposição.) Alguns dias antes, um jovem a atacara na mesma escada escura e ela fugira dele com dificuldade. Esse fora o verdadeiro trauma psíquico, que o gato nada mais fez do que tornar manifesto. Mas teme-se que em muitos outros casos dessa natureza o gato seja considerado a causa efficiens.
Para que a repetição de um afeto promova uma conversão dessa maneira, nem sempre é necessário que haja grande número de causas externas desencadeantes; a renovação do afeto na memória é também muitas vezes suficiente, se a lembrança for repetida com rapidez e freqüência, logo após o trauma e antes que seu afeto fique enfraquecido. Isso é o bastante caso o afeto tenha sido muito intenso. Tal é o caso da histeria traumática, no sentido mais estrito do termo. Durante os dias que se seguem a um acidente ferroviário, por exemplo, o sujeito volta a vivenciar suas experiências assustadoras, tanto dormindo como acordado, e sempre com o afeto renovado de pavor, até que afinal, depois desse período de “elaboração |élaboration| psíquica” (para usar a expressão de Charcot | ver em [1]| ou de “incubação”, ocorre a conversão num fenômeno somático (embora haja outro fator em causa, que teremos de examinar mais tarde).
Em geral, porém, uma representação afetiva é prontamente submetida a um “desgaste”, isto é, a todas as influências mencionadas em nossa “Comunicação Preliminar” (ver em. [1]), que a privam pouco a pouco de sua carga de afeto. Sua revivescência causa uma quantia sempre decrescente de excitação, e a lembrança perde assim a capacidade de contribuir para a produção de um fenômeno somático. A facilitação do reflexo anormal desaparece e o status quo ante é então restabelecido.
As influências do “desgaste”, entretanto, são todas efeitos da associação, do pensamento e de correções por referências a outras representações. Esse processo de correção torna-se impossível quando a representação afetiva retira-se do “contato associativo”. Quando isso acontece, a representação retém toda a sua carga afetiva. Visto que a cada renovação toda a soma de excitação do afeto original volta a ser liberada, a facilitação do reflexo anormal que se iniciou na época é finalmente estabelecida; ou então, se a facilitação já estava completa, ela é mantida e estabilizada. O fenômeno da conversão histérica assim se estabelece permanentemente.
Nossas observações mostram duas maneiras pelas quais as representações afetivas podem ser excluídas da associação.
A primeira é a “defesa”, a supressão deliberada de representações aflitivas que parecem ameaçar a felicidade ou a auto-estima do indivíduo. Em seu |primeiro| artigo sobre “As Neuropsicoses de Defesa” (1894a) e em seus casos clínicos no presente volume, Freud examinou esse processo, que indubitavelmente possui altíssima significação patológica. Não podemos, é verdade, compreender como uma representação pode ser deliberadamente recalcada da consciência. Mas estamos perfeitamente familiarizados com o processo positivo correspondente, o de concentrar a atenção numa representação, e somos da mesma maneira incapazes de dizer como efetuamos isso. Assim, as representações de que a consciência se desvia, que não são objeto de pensamento, são também retiradas do processo de desgaste e retêm sua carga afetiva sem diminuição.
Verificamos ainda que existe outra espécie de representação que permanece isenta do desgaste pelo pensamento. Isso pode acontecer, não porque não se queira lembrar a representação, mas porque não se consegue lembrá-la: porque ela emergiu originalmente e foi dotada de afeto em estados com relação aos quais existe uma amnésia na consciência de vigília - isto é, na hipnose ou estados semelhantes a ela. Estes últimos parecem ser da mais alta importância para a teoria da histeria e, por conseguinte, merecem um exame um pouco mais complexo.
(4) ESTADOS HIPNÓIDES
Quando, em nossa “Comunicação Preliminar” | ver em [1]|, apresentamos a tese de que a base e condição sine qua non da histeria é a existência de estados hipnóides, estávamos desprezando o fato de que Moebius já dissera exatamente a mesma coisa em 1890. “A condição necessária para a atuação (patogênica) das idéias é, por um lado, uma predisposição inata - isto é, uma disposição histérica - e, por outro, um peculiar estado mental. Podemos apenas formar uma idéia imprecisa desse estado mental. Deve assemelhar-se a um estado de hipnose; deve corresponder a alguma espécie de vazio da consciência em que uma idéia emergente não depara com qualquer resistência por parte de outra - no qual, por assim dizer, o campo está livre para a primeira idéia que vier. Sabemos que esse tipo de estado pode ser acarretado não somente pelo hipnotismo, como também pelo choque emocional (susto, cólera, etc.) e por fatores que esgotam as forças (privação do sono, fome, etc.)” |Moebius, 1894, 17|.
O problema para cuja solução Moebius fazia aqui uma abordagem preliminar é o da geração de manifestações somáticas pelas idéias. Ele recorda nesse ponto a facilidade com que isso pode ocorrer sob hipnose e considera análoga à atuação dos afetos. Nosso conceito sobre a atuação dos afetos, um tanto diferente, foi plenamente explicado atrás | ver em [1] e segs.|. Não preciso, portanto, penetrar ainda mais na dificuldade existente na suposição de Moebius de que, na raiva, há um “vazio da consciência” (o que reconhecidamente existe no pavor e na angústia prolongada), ou na dificuldade mais geral de traçar uma analogia entre o estado de excitação num afeto e o estado quiescente na hipnose. Recorreremos mais adiante | ver em [1]|, contudo, a essas observações de Moebius, que em minha opinião contêm uma verdade importante.
A nosso ver, a importância desses estados que se assemelham à hipnose - “os estados hipnóides” - reside além disso e principalmente na amnésia que os acompanha e em seu poder de provocarem a divisão da mente, que logo examinaremos e que é de fundamental significação para a “grande histeria”. Ainda atribuímos essa importância aos estados hipnóides. Mas devo acrescentar uma ressalva substancial à nossa tese. A conversão - a produção ideogênica de fenômenos somáticos - também pode ocorrer independentemente dos estados hipnóides. Freud encontrou na amnésia deliberada de defesa uma segunda fonte, independente dos estados hipnóides, para a formação de complexos representativos que são excluídos do contato associativo. Mas ao aceitar essa ressalva, ainda sou de opinião que os estados hipnóides são a causa e a condição necessária de muitas, na realidade da maioria, das histerias grandes e complexas.
Antes de mais nada, é claro, devem-se enumerar entre os estados hipnóides as auto-hipnoses verdadeiras, que só se distinguem das hipnoses artificiais pelo fato de se originarem de modo espontâneo. Encontramo-las em grande número de histerias plenamente desenvolvidas, ocorrendo com variada freqüência e duração, e muitas vezes alternando-se rapidamente com estados de vigília normais (cf. Casos Clínicos 1 e 2). Em virtude da natureza quase onírica de seu conteúdo, muitas vezes merecem o nome de “delirium histericum”. O que acontece durante os estados auto-hipnóticos está sujeito à amnésia mais ou menos total na vida de vigília (ao passo que é completamente recordado na hipnose artificial). Os produtos psíquicos desses estados e as associações que se formaram neles são impedidos pela amnésia de qualquer correção durante o pensamento de vigília; e como na auto-hipnose a crítica e o controle provocados por outras idéias se reduzem, e em geral desaparecem quase por completo, os mais loucos delírios podem emergir dela intactos por longos períodos. Assim, quase só nesses estados é que surge uma “relação simbólica (um tanto irracional e complicada) entre a causa precipitante e o fenômeno patológico” | ver em [1]-[2]|, que, na verdade, muitas vezes se baseia nas mais absurdas semelhanças fonéticas e associações verbais. A ausência de crítica nos estados auto-hipnóticos explica por que deles surgem auto-sugestões com tanta freqüência - como, por exemplo, quando uma paralisia fica como seqüela após um ataque histérico. Mas - e isso talvez apenas se deva ao acaso - quase nunca deparamos, em nossas análises, com um exemplo de um fenômeno histérico que se tenha originado assim. Sempre a vimos acontecer, não menos na auto-hipnose do que fora dela, como resultado do mesmo processo - a saber, a conversão de uma excitação afetiva.
Seja como for, essa “conversão histérica” verifica-se mais facilmente na auto-hipnose do que no estado de vigília, do mesmo modo que as representações sugeridas se realizam fisicamente, como alucinações e movimentos, com muito mais facilidade na hipnose artificial. Não obstante, o processo de conversão da excitação é em essência idêntico ao descrito acima. Uma vez que tenha ocorrido, o fenômeno somático se repete se o afeto e a auto-hipnose ocorrerem simultaneamente. E nesse caso, é como se o estado hipnótico fosse evocado pelo próprio afeto. Por conseguinte, desde que haja uma alternância nítida entre a hipnose e a vida de vigília plena, o sintoma histérico permanece restrito ao estado hipnótico e é nele fortalecido pela repetição; além disso, a representação que lhe deu lugar fica isenta de correção pelos pensamentos de vigília e pela sua crítica, precisamente porque nunca emerge na vida lúcida de vigília.
Assim, com Anna O. (Caso Clínico 1), a contratura do braço direito, que se associava em sua auto-hipnose com o afeto de angústia e com a representação da cobra, permaneceu durante quatro meses restrita aos momentos durante os quais ela se encontrava num estado hipnótico (ou, se considerarmos esse termo inapropriado para as absences de duração muito curta, um estado hipnóide), embora se repetisse com freqüência. A mesma coisa aconteceu com outras conversões que se verificaram em seu estado hipnóide; e dessa forma, o grande complexo de fenômenos histéricos organizou-se num estado de completa latência e veio a revelar-se quando seu estado hipnóide se tornou permanente. | ver em [1] |
Os fenômenos assim surgidos só emergem na consciência lúcida quando a divisão da mente, que examinarei depois, já foi concluída, e quando a alternância entre os estados de vigília e hipnose foi substituída por uma coexistência entre os complexos representativos normais e os hipnóides.
Será que existem estados hipnóides dessa natureza antes de o paciente adoecer? Como aparecem eles? Muito pouco posso dizer a respeito disso, pois afora o caso de Anna O., não dispomos de qualquer observação que possa lançar luz sobre esse ponto. Parece certo que, no caso dela, a auto-hipnose teve seu terreno preparado por devaneios habituais e foi plenamente estabelecida por um afeto de angústia prolongado, o qual, por si só, teria sido a base de um estado hipnóide. Não nos parece improvável que este processo seja válido de um modo bastante geral.
Uma grande variedade de estados conduz à “ausência da mente”, mas apenas alguns deles predispõem à auto-hipnose ou logo passam para ela. Sem dúvida, um investigador profundamente absorto num problema fica anestesiado até certo ponto, não formando qualquer percepção consciente de grandes grupos de suas sensações; e o mesmo se aplica a qualquer um que esteja usando ativamente sua imaginação criadora (cf. “o teatro particular” de Anna O. | ver em [1]|). Mas em tais estados, um intenso trabalho mental é executado e a excitação liberada pelo sistema nervoso é consumida nesse trabalho. Nos estados de distração e devaneio, por outro lado, a excitação intracerebral cai abaixo de seu nível lúcido de vigília. Esses estados bordejam a sonolência e se convertem em sono. Se, durante tal estado de absorção e enquanto o fluxo de representações é inibido, um grupo de representações de tonalidade afetiva estiver em ação, criará um alto nível de excitação intracerebral que não será consumida pelo trabalho mental e ficará à disposição do funcionamento anormal, como a conversão.
Assim, nem a “ausência da mente” durante o trabalho intenso, nem os estados crepusculares destituídos de emoção são patogênicos; por outro lado, os devaneios carregados de emoção e os estados de fadiga decorrentes de afetos prolongados são patogênicos. As ruminações de um homem cheio de preocupações, a angústia de uma pessoa que esteja velando à cabeceira de um doente que lhe é caro e os devaneios dos amantes são estados desta segunda natureza. A concentração no grupo afetivo de representações começa por produzir uma “ausência da mente”. O fluxo de representações torna-se gradualmente mais lento e, por fim, quase pára; mas a representação afetiva e seu afeto permanecem ativas e, por conseguinte, também a grande quantidade de excitação que não está sendo consumida funcionalmente. A semelhança entre essa situação e os determinantes da hipnose parece inconfundível. O indivíduo que vai ser hipnotizado não precisa realmente adormecer, isto é, sua excitação intracerebral não precisa mergulhar ao nível do sono; mas seu fluxo de representações deve ser inibido. Quando isso acontece, toda a massa de excitação fica à disposição da representação sugerida.
É dessa maneira que a auto-hipnose patogênica parece surgir em algumas pessoas - através da introdução de afeto num devaneio habitual. Essa talvez seja uma das razões por que, na anamnese da histeria, deparamos tão freqüentemente com os dois grandes fatores patogênicos de estar apaixonado e cuidar de doentes. No primeiro, os pensamentos saudosos do indivíduo sobre a pessoa amada ausente criam nele um estado de espírito “arrebatado”, fazem com que seu ambiente real se esmaeça e então levam seu pensamento a um estado de paralisação carregado de afeto; já no cuidar de doentes, a quietude pela qual o indivíduo se vê rodeado, sua concentração num objeto, sua atenção fixada na respiração do paciente - tudo isso garante precisamente as condições exigidas por muitas técnicas hipnóticas e enche o estado crepuscular assim produzido com o afeto de angústia. É possível que esses estados difiram apenas quantitativamente das auto-hipnoses verdadeiras e que se transformem nelas.
Uma vez que isso tenha acontecido, o estado semelhante à hipnose se repete muitas vezes ao surgirem as mesmas circunstâncias, e o indivíduo, em vez dos dois estados normais da mente, possui três: o estado de vigília, o de sono e o hipnóide. Verificamos que a mesma coisa acontece quando a hipnose artificial profunda é com freqüência provocada.
Não sei dizer se os estados hipnóticos espontâneos podem também ser gerados sem que haja a intervenção de um afeto dessa maneira, como resultado de uma predisposição inata, mas considero-o muito provável. Quando vemos a diferença de suscetibilidade à hipnose artificial tanto entre pessoas sadias como entre doentes, e vemos quão facilmente é provocada em algumas delas, parece razoável supor que em tais pessoas ela também possa aparecer de modo espontâneo. E talvez seja necessária uma predisposição para isso para que um devaneio possa transformar-se numa auto-hipnose. Estou, portanto, longe de atribuir a todos os pacientes histéricos o mecanismo gerador que nos foi ensinado por Anna O.
Refiro-me antes a estados hipnóides do que à hipnose em si porque é muito difícil estabelecer uma demarcação clara desses estados, que desempenham um papel tão importante na gênese da histeria. Não sabemos se os devaneios, descritos acima como estágios preliminares da auto-hipnose, não podem eles próprios ser capazes de produzir o mesmo efeito patológico que a auto-hipnose, e se os mesmos também não podem aplicar-se a um afeto prolongado de angústia. Por certo que isso se aplica ao medo. Visto que o medo inibe o fluxo de representações ao mesmo tempo em que uma representação afetiva (de perigo) está muito ativa, ele oferece um paralelo completo a um devaneio carregado de afeto; e uma vez que a lembrança da representação afetiva que sempre se renova, continua a estabelecer esse estado mental, passa a existir um “medo hipnóide” em que a conversão é promovida ou estabilizada. Temos aí o estágio de incubação da “histeria traumática” no sentido estrito da expressão.
Uma vez que há possibilidade de agrupar com a auto-hipnose estados mentais tão diferentes, embora compatíveis entre si nos aspectos mais importantes, parece desejável adotar a expressão “hipnóide”, que dá ênfase a essa semelhança interna. Ela resume o conceito, apresentado por Moebius no trecho citado anteriormente | ver em [1]-[2]|. Acima de tudo, porém, essa expressão aponta para a própria auto-hipnose, cuja importância na gênese dos fenômenos histéricos repousa no fato de que ela torna a conversão mais fácil e protege (pela amnésia) as representações convertidas de se desgastarem - proteção esta que acaba por levar a um aumento da divisão psíquica.
Quando um sintoma somático causado por uma representação é repetidamente desencadeado por ela, poderíamos esperar que os pacientes inteligentes e capazes de auto-observação ficassem conscientes da vinculação; eles saberiam por experiência que a manifestação somática aparecia ao mesmo tempo que a lembrança de um fato específico. O nexo causal subjacente, na verdade, é desconhecido deles; mas todos nós sempre sabemos qual é a representação que nos faz chorar, rir ou enrubescer, ainda que nãotenhamos a mais leve compreensão do mecanismo nervoso desses fenômenos ideogênicos. Algumas vezes os pacientes realmente observam a conexão e estão cônscios dela. Por exemplo, uma mulher pode dizer que seu ataque histérico branco (tremores e palpitação, talvez) provém de alguma grande perturbação emocional e se repete quando, e somente quando, algum fato faz com que ela se lembre disso. Mas este não é o caso com muitos ou, na verdade, com a maioria dos sintomas histéricos. Mesmo os pacientes inteligentes não estão cônscios de que seus sintomas surgem como resultado de uma representação e os consideram manifestações físicas independentes. Se fosse de outra forma, a teoria psíquica da histeria já teria alcançado uma idade respeitável.
Seria plausível acreditar que, embora os sintomas em questão fossem originalmente ideogênicos, a repetição deles os tornou, para usar o termo de Romberg |1840, 192|, “gravados” no corpo, e agora não mais se baseariam num processo psíquico, e sim em modificações no sistema nervoso ocorridas nesse meio tempo: ter-se-iam tornado sintomas independentes e genuinamente somáticos.
Esse conceito não é, em si mesmo, nem insustentável nem improvável. Mas creio que a nova luz que nossas observações lançaram sobre a teoria da histeria reside precisamente em ter ela demonstrado que essa visão é insuficiente para sustentar os fatos, pelo menos em muitos casos. Vimos que sintomas histéricos dos mais variados tipos, que datavam de muitos anos, “desapareciam imediata e permanentemente quando conseguíamos evocar com clareza a lembrança do fato que os havia provocado e despertar seu afeto concomitante, e quando a paciente havia descrito tal evento com os maiores detalhes possíveis e traduzira o afeto em palavras” | ver em [1]|. Os casos clínicos relatados nessas páginas fornecem algumas provas em apoio de tais asser-ções. “Podemos inverter a máxima ‘cessante causa cessat effectus‘ |’cessando a causa cessa o efeito’| e concluir dessas observações que o processo determinante” (isto é, a recordação dele) “continua a atuar durante anos - não indiretamente, através de uma cadeia de elos causais intermediários, mas como uma causa diretamente liberadora - do mesmo modo que um sofrimento psíquico que é recordado na consciência de vigília ainda provoca uma secreção lacrimal muito depois do acontecimento. Os histéricos sofrem principalmente de reminiscências” |p. [1]|. Mas se esse for o caso - se a lembrança do trauma psíquico tiver que ser considerada tão atuante quanto um agente contemporâneo, como um corpo estranho muito depois da sua entrada forçada, e se, não obstante, o paciente não tiver nenhuma consciência de tais lembranças ou do surgimento delas - então deveremos admitir que as representações inconscientes existem e são atuantes.
Além disso, quando chegamos a analisar os fenômenos histéricos, não encontramos apenas essas representações inconscientes em isolamento. Devemos reconhecer o fato de que na realidade, como foi demonstrado pelo valioso trabalho executado por pesquisadores franceses, grandes complexos de representações e processos psíquicos complicados e de importantes conseqüências permanecem inteiramente inconscientes num grande número de pacientes, e coexistem com a vida mental consciente: devemos reconhecer que há algo que se pode chamar de divisão da atividade psíquica, e que isso é de valor fundamental para nossa compreensão das histerias complicadas.
Talvez me seja permitido explorar bem mais amplamente essa região difícil e obscura. A necessidade de estabelecer o significado da terminologia aqui empregada talvez justifique, até certo ponto, a discussão teórica que se segue.
(5) REPRESENTAÇÕES INCONSCIENTES E REPRESENTAÇÕES INADMISSÍVEIS À CONSCIÊNCIA - DIVISÃO DA MENTE
Chamamos representações conscientes àquelas de que temos conhecimento. Existe nos seres humanos o fato estranho da consciência de si mesmo. Somos capazes de encarar e observar, como se fossem objetos, representações que surgem em nós e se sucedem umas às outras. Isso nem sempre acontece, uma vez que são raras as oportunidades de auto-observação. Mas a capacidade para isso está presente em cada um, pois todos podem dizer: “pensei nisto ou naquilo”. Descrevemos como conscientes as representações que observamos como ativas em nós, ou que assim observaríamos se prestássemos atenção a elas. Em qualquer momento específico do tempo há pouquíssimas delas; e se além dessas houver também outras representações presentes, teremos de chamá-las de representações inconscientes.
Não mais parece necessário argumentar em favor da existência de representações correntes que são inconscientes ou subconscientes. Elas se acham entre os fatos mais comuns na vida cotidiana. Caso me esqueça de fazer uma de minhas visitas médicas, terei sentimentos de viva inquietação. Sei por experiência o que significa essa sensação de que me esqueci de algo.Vasculho minhas lembranças em vão; não consigo descobrir a causa até que, subitamente, talvez algumas horas depois, ela entra em minha consciência. Mas estive inquieto o tempo todo. Por conseguinte, a representação da visita esteve todo o tempo atuante, isto é, presente, mas não em minha consciência. Ou então um homem atarefado se aborrece com alguma coisa em certa manhã. Fica inteiramente absorto em seu trabalho no escritório; enquanto o executa, seus pensamentos conscientes estão inteiramente ocupados e ele não pensa em seu aborrecimento. Mas suas decisões são influenciadas por ele e é bem possível que o sujeito diga “não” onde de outra forma diria “sim”. Portanto, apesar de tudo, essa lembrança é atuante, ou seja, está presente. Grande parte do que descrevemos como “estado de ânimo” provém de fontes dessa natureza, de representações que existem e estão atuantes abaixo do limiar da consciência. De fato, toda a conduta da nossa vida é constantemente influenciada por representações subconscientes. Podemos ver na vida cotidiana como, quando há degenerescência mental, como por exemplo nos estágios iniciais da paralisia geral, as inibições que normalmente restringem certas ações se tornam mais fracas e desaparecem. Mas o paciente que agora faz piadas indecentes na presença de mulheres não era, em seus dias de saúde, impedido de fazê-lo por lembranças e reflexões consciente; evitava-o “instintiva” e “automaticamente” - isto é, era refreado por representações que eram evocadas pelo impulso de comportar-se dessa forma, mas que permaneciam abaixo do limiar da consciência, embora, não obstante, inibissem o impulso. - Toda a atividade intuitiva é dirigida por representações que em grande medida são inconscientes, pois apenas as representações mais claras e mais intensas são percebidas pela consciência de si mesmo, enquanto a grande massa de representações correntes, porém mais fracas, permanece inconsciente.
As objeções que são levantadas contra a existência e a atuação das “representações inconscientes” parecem, na maior parte, ser um jogo de palavras. Sem dúvida, “representação” é uma palavra que pertence à terminologia do pensamento consciente, e “representação inconsciente” é portanto uma expressão autocontraditória. Mas o processo físico subjacente a uma representação é o mesmo no conteúdo e na forma (embora não em quantidade), quer a representação se eleve acima do limiar da consciência, quer permaneça abaixo dele. Bastaria construir uma expressão como “substrato representativo” para evitar a contradição e rebater a objeção.
Assim, não parece haver nenhuma dificuldade teórica em reconhecer também as representações inconscientes como causas dos fenômenos patológicos. Mas se entrarmos no assunto mais detidamente, encontraremos outras dificuldades. Em geral, quando a intensidade de uma representação inconsciente aumenta, ela penetra na consciência ipso facto. Só quando sua intensidade é leve é que ela permanece inconsciente. O que parece difícil de compreender é como uma representação pode ser suficientemente intensa para provocar um ato motor ativo, por exemplo, e ao mesmo tempo não ser intensa o bastante para tornar-se consciente.
Já mencionei |ver em. [1] | um conceito que talvez não deva ser descartado de imediato. De acordo com ele, a clareza de nossas representações, e conseqüentemente sua capacidade de serem observadas por nossa autoconsciência - isto é, de serem conscientes - é determinada, entre outras coisas, pelas sensações de prazer ou desprazer que desperta, por sua carga de afeto. Quando uma representação produz imediatamente nítidas conseqüências somáticas, isso implica que a excitação engendrada por ela escoou-se pelas vias implicadas nessas conseqüências, em vez de difundir-se no cérebro, e precisamente porque essa representação tem conseqüências físicas, porque suas somas de estímulos psíquicos são “convertidas” em estímulos somáticos, ela perde a clareza que de outra forma a teria destacado na corrente de representações. Em vez disso, perde-se entre as demais.
Suponhamos, por exemplo, que alguém tenha experimentado um afeto violento durante uma refeição e não o tenha “ab-reagido”. Ao tentar comer, mais tarde, ele é dominado por engasgos e vômitos e estes lhe parecem sintomas puramente somáticos. Seus vômitos histéricos continuam por tempo considerável. Desaparecem depois que o afeto é revivido, descrito e tornado alvo de reação por parte do paciente sob hipnose. Não há dúvida de que cada tentativa de comer evocava a lembrança em causa. Essa lembrança deu origem aos vômitos, mas não surgiu claramente na consciência, pois estava então destituída do afeto, enquanto os vômitos absorviam a atenção inteiramente.
É concebível que a razão que acaba de ser dada explique por que algumas idéias que liberam fenômenos histéricos não sejam reconhecidas como suas causas. Mas essa razão - o fato de as representações que perderam seu afeto, por terem sido convertidas, passarem despercebidas - não tem possibilidade de explicar por que, em outros casos, complexos representativos que são tudo, menos desprovidos de afeto, não entram na consciência. Numerosos exemplos disso são encontrados em nossos casos clínicos.
Em tais pacientes verificamos que a norma era a perturbação emocional - apreensão, irritabilidade raivosa, tristeza - preceder o aparecimento do sintoma somático ou segui-lo imediatamente, e aumentar até ser dissipada através de sua expressão em palavras, ou até que o afeto e a manifestação somática tornassem a desaparecer gradativamente. Quando ocorria o primeiro caso, a qualidade do afeto sempre se tornava perfeitamente compreensível, embora sua intensidade não pudesse deixar de parecer, aos olhos de uma pessoa normal (e do próprio paciente, depois de ter sido esclarecida), totalmente desproporcional. Essas eram, portanto, representações intensas o bastante não apenas para causar fortes fenômenos somáticos, como também para evocar o afeto apropriado e influenciar o curso da associação, dando destaque a representações afins - mas que, apesar de tudo isso, permaneciam elas próprias fora da consciência. Para trazê-las à consciência, a hipnose se fazia necessária (como nos Casos Clínicos 1 e 2), ou (como nos Casos 4 e 5) era preciso empreender uma busca trabalhosa com a ajuda esforçada do médico.
Representações tais como essas, que, embora presentes, são inconscientes, não por causa de seu grau relativamente pequeno de nitidez, mas apesar de sua grande intensidade, podem ser descritas como representações que são “inadmissíveis à consciência”.
A existência desse tipo de representações inadmissíveis à consciência é patológica. Nas pessoas normais, todas as representações que podem tornar-se presentes também penetram na consciência, desde que sejam suficientemente intensas. Em nossos pacientes encontramos um grande complexo de representações admissíveis à consciência coexistindo com um complexo menor de representações que não o são. Neles, portanto, o campo da atividade psíquica representativa não coincide com a consciência potencial. Esta última é mais restrita que a primeira. A atividade psíquica representativa dessas pessoas divide-se numa parte consciente e noutra inconsciente, e suas representações se dividem em algumas que são admissíveis e algumas que são inadmissíveis à consciência. Não podemos, portanto, falar numa divisão da consciência, embora possamos mencionar uma divisão da mente.
Inversamente, essas representações subconscientes não podem ser influenciadas ou corrigidas pelo pensamento consciente. Com muita freqüência elas se referem a experiências que, entrementes, perderam seu significado - o pavor de fatos que não ocorreram, o susto que se transformou em riso ou alegria após um salvamento. Tais desenvolvimentos subseqüentes privam a memória de todo o seu afeto no que tange à consciência, mas deixam inteiramente intacta a representação subconsciente que provoca fenômenos somáticos.
Talvez me seja permitido citar outro exemplo. Uma jovem mulher casada ficou, por algum tempo, muito preocupada com o futuro de sua irmã mais moça. Como resultado disso, sua menstruação, normalmente regular, passou a durar duas semanas. Ela ficou com o hipogástrico esquerdo sensível e por duas vezes se descobriu deitada no chão, rígida, voltando a si de um “desmaio”. Seguiu-se uma nevralgia ovariana do lado esquerdo, com sinais de peritonite aguda. A ausência de febre e uma contratura da perna esquerda (e das costas) indicaram que a moléstia era uma pseudo-peritonite; e quando alguns anos depois a paciente faleceu, e se procedeu à autópsia, tudo o que se encontrou foi uma “degeneração microcística” de ambos os ovários, sem quaisquer vestígios de uma antiga peritonite. Os sintomas agudos foram desaparecendo aos poucos e deixaram atrás de si uma nevralgia ovariana, uma contratura dos músculos das costas, de modo que seu tronco ficara rijo como uma tábua, e uma contratura da perna esquerda. Esta última foi eliminada sob hipnose por sugestão direta. A contratura das costas não foi afetada por isso. Entrementes, as dificuldades da irmã mais moça tinham sido inteiramente dissipadas e todos os seus temores baseados nelas desapareceram. Mas os fenômenos histéricos, que só poderiam ter-se originado delas, permaneceram inalterados. Era tentador presumir que aquilo com que nos defrontávamos eram modificações da inervação, que teriam assumido um status independente e não mais estariam vinculadas à representação que as havia causado. Mas depois de a paciente ter sido obrigada a narrar, sob hipnose, toda a história até a época em que adoecera de “peritonite” - o que fez muito a contragosto - ela logo sentou-se aprumada na cama, sem ajuda, e as contraturas das costas desapareceram para sempre. (A nevralgia ovariana, que sem dúvida era de origem muito antiga, permaneceu inalterada.) Assim, vemos que sua representação patogênica angustiada continuara a agir ativamente por meses a fio e fora totalmente inacessível a qualquer correção pelos acontecimentos reais.
Se formos obrigados a reconhecer a existência de complexos representativos que jamais penetram na consciência e não são influenciados pelo pensamento consciente, teremos admitido que, mesmo em casos tão simples de histeria como o que acabo de descrever, há uma divisão da mente em duas partes relativamente independentes. Não afirmo que tudo o que denominamos de histérico apresente tal divisão como sua base e condição necessária; mas de fato assevero que “a divisão da atividade psíquica que é tão marcante nos casos famosos sob a forma de ‘double conscience‘ encontra-se presente, em grau rudimentar, em toda grande histeria”, e que “a disposição e tendência a essa dissociação constitui o fenômeno básico dessa neurose”.
Mas antes de examinarmos este assunto, devo acrescentar um comentário quanto às representações inconscientes que produzem efeitos somáticos. Muitos fenômenos histéricos duram continuamente por muito tempo, como a contratura no caso antes descrito. Será que devemos e podemos supor que, por todo esse tempo, a representação causativa está perpetuamente em ação e se acha presente na atualidade? Penso que sim. É verdade que nas pessoas sadias vemos a atividade psíquica processar-se concomitantemente a uma rápida mudança de idéias. Mas encontramos portadores de melancolia grave imersos, por longos períodos, numa mesma representação aflitiva, que está perpetuamente ativa e presente. Na verdade, podemos muito bem acreditar que mesmo quando uma pessoa sadia tem uma grande preocupação em sua mente, esta se faz presente o tempo todo, uma vez que tal preocupação domina a expressão facial mesmo quando a consciência está repleta de outros pensamentos. Mas a parcela da atividade psíquica que é isolada nas pessoas histéricas, e na qual costumamos pensar como estando repleta de representações inconscientes, encerra, em geral, uma dose tão pequena destas e é tão inacessível ao intercâmbio com as impressões externas que é fácil acreditar que uma representação única possa estar permanentemente ativa na mente.
Se nos parece, como ocorre com Binet e Janet, que o que se acha no centro da histeria é uma expulsão de parte da atividade psíquica, temos o dever de ser tão claros quanto possível sobre este assunto. É fácil demais cairmos num hábito de pensamento que pressupunha que todo substantivo tem por detrás uma substância - um hábito que pouco a pouco passa a considerar a “consciência” como representando uma coisa real; e quando nos acostumamos a fazer uso das relações espaciais metaforicamente como no termo “subconsciente”, verificamos, à medida que o tempo passa, que na verdade formamos uma representação que perdeu sua natureza metafórica e que podemos com facilidade manipular como se fosse real. Nossa mitologia torna-se então completa.
Todo o nosso pensamento tende a se fazer acompanhar e ajudar por representações espaciais, e nos expressamos através de metáforas espaciais. Assim, quando falamos de representações que se encontram na região da consciência lúcida e de representações inconscientes que jamais penetram na plena luz da consciência de si mesmo, quase inevitavelmente formamos quadros de uma árvore com o tronco à luz do dia e as raízes na escuridão, ou de um edifício com seus escuros porões subterrâneos. Se, contudo, tivermos sempre em mente que todas essas relações espaciais são metafóricas, e não nos deixarmos iludir pela suposição de que essas relações se acham literalmente presentes no cérebro, poderemos, não obstante, falar numa consciência e num subconsciente. Mas só nessa condição.
Estaremos livres do perigo de nos deixarmos enganar por nossas próprias figuras de linguagem se sempre nos lembrarmos de que, afinal de contas, é no mesmo cérebro, e muito provavelmente no mesmo córtex cerebral, que as representações conscientes e inconscientes têm sua origem. Como isso é possível não sabemos dizer. Por outro lado, sabemos tão pouco sobre a atividade psíquica do córtex cerebral que mais uma complicação enigmática quase não chega a aumentar nossa ignorância sem limites. Devemos aceitar como um fato que, nos pacientes histéricos, parte de sua atividade psíquica é inacessível à percepção pela autoconsciência do indivíduo desperto e que a mente deles é assim dividida.
Um exemplo universalmente conhecido de uma divisão de atividade psíquica como essa pode ser visto nos ataques histéricos, em algumas de suas formas e fases. No início deles, o pensamento consciente muitas vezes se extingue, mas depois gradualmente desperta. Muitos pacientes inteligentes admitem que seu eu consciente estava bem lúcido durante o ataque e contemplava com curiosidade e surpresa todas as coisas loucas que eles faziam e diziam. Esses pacientes têm, além disso, a crença (errônea) de que, com um pouco de boa vontade, poderiam ter inibido o ataque, e mostram-se inclinados a culpar-se por isso. “Não precisavam ter-se comportado assim.” (Suas autocensuras por se sentirem culpados de simulação também se baseiam, em grande medida, nesse sentimento.) Mas quando sobrevém outro ataque, o eu consciente é tão incapaz de controlá-lo como nos anteriores. - Temos aqui uma situação na qual o pensamento e a representação do eu consciente e desperto encontram-se lado a lado com representações que normalmente residem nas trevas do inconsciente, mas que agora adquiriram controle sobre o aparelho muscular e sobre a fala e, na realidade, até mesmo sobre grande parte da própria atividade representativa: a divisão da mente é manifesta.
Talvez se possa observar que as descobertas de Binet e Janet merecem ser descritas como uma divisão não só da atividade psíquica, mas da consciência. Como sabemos, esses observadores conseguiram entrar em contato com o “subconsciente” de seus pacientes, com a parcela da atividade psíquica da qual o eu consciente e desperto nada sabe, e puderam, em alguns de seus casos, demonstrar a presença de todas as funções psíquicas, inclusive a autoconsciência, nessa parte da mente, uma vez que ela tem acesso à lembrança de fatos psíquicos anteriores. Essa metade da mente é, portanto, bastante completa e consciente em si mesma. Em nossos casos, a parte dividida da mente é “lançada nas trevas”, como os Titãs aprisionados na cratera do Etna, que podem abalar a terra, mais jamais emergirem à luz do dia. Nos casos de Janet, a divisão do domínio da mente foi total. Não obstante, existe ainda uma desigualdade de status. Mas também esta desaparece quando as duas metades da consciência se alternam, como fazem nos célebres casos de double conscience, e quando não diferem em sua capacidade funcional.
Mas voltemos às representações que indicamos em nossos pacientes como as causas de seus fenômenos histéricos. Está longe de ser possível para nós descrever todas elas com sendo “inconscientes” e “inadmissíveis à consciência”. Elas formam uma escala quase ininterrupta, passando por todas as gradações da indefinição e obscuridade, entre as representações perfeitamente conscientes que liberam um reflexo inusitado e aquelas que jamais entram na consciência na vida de vigília, a não ser na hipnose. Apesar disso, consideramos estabelecido que uma divisão da atividade psíquica ocorre nos graus mais graves da histeria e que só ela parece tornar possível uma teoria psíquica da doença.
Que, então, pode ser asseverado ou suspeitado com probabilidade sobre as causas e a origem desse fenômeno?
Janet, a quem a teoria da histeria tanto deve e com quem estamos em concordância na maioria dos aspectos, externou uma opinião sobre esse ponto que não podemos aceitar.
O conceito de Janet é o seguinte. Considera ele que a “divisão de uma personalidade” repousa numa insuficiência psicológica inata (“insuffisance psychologique”). Toda atividade mental normal pressupõe certa capacidade de “síntese”, a capacidade de unir várias representações num complexo. A combinação das várias percepções sensoriais num quadro do ambiente já é uma atividade sintética dessa natureza. Verifica-se que essa função mental está muito abaixo do normal nos pacientes histéricos. Quando a atenção de uma pessoa normal é dirigida tão plenamente quanto possível para algum ponto, por exemplo, para uma percepção por um único sentido, é verdade que ela perde temporariamente a capacidade de aperceber impressões provenientes dos outros sentidos - ou seja, de absorvê-las em seu pensamento consciente. Mas nos indivíduos histéricos isso acontece sem qualquer concentração especial da atenção. Logo que percebem qualquer coisa, eles se tornam inacessíveis a outras percepções sensoriais. De fato, sequer estão em condições de receber em conjunto diversas impressões decorrentes de um único sentido. Podem, por exemplo, aperceber-se apenas de sensações táteis em um lado do corpo; as que são oriundas do outro lado alcançam o centro e são utilizadas para a coordenação do movimento, mas não são apercebidas. Uma pessoa assim é hemianestésica. Nas pessoas normais, uma representação atrai para a consciência um grande número de outras, por associação; estas podem relacionar-se com a primeira, por exemplo, de maneira confirmatória ou inibitória, e apenas as representações mais nítidas têm tamanho poder que suas associações permanecem abaixo do limiar da consciência. Nas pessoas histéricas isso sempre acontece. Cada representação apodera-se de toda a sua limitada atividade mental, e isso explica sua afetividade excessiva. Essa característica da mente delas é descrita por Janet como a “restrição do campo da consciência”, nos pacientes histéricos, por analogia com a “restrição do campo da visão”. Em sua maior parte, as impressões sensoriais que não são apercebidas e as representações que são despertadas, mas não entram na consciência, cessam sem produzir outras conseqüências. Contudo, elas às vezes se acumulam e formam complexos - camadas mentais retiradas da consciência; formam uma subconsciência.
A histeria, que se baseia essencialmente nessa divisão da mente, é uma“maladie par faiblesse” |“doença causada pela fraqueza”|, e eis por que se desenvolve mais depressa quando uma mente fraca por natureza é submetida a influências que a enfraquecem ainda mais, ou se defronta com exigências fortes em relação às quais sua debilidade se destaca ainda mais.
As opiniões de Janet, resumidas dessa forma, dão de antemão sua resposta à importante questão sobre a predisposição para a histeria - sobre a natureza do typus hystericus (tomando a expressão no sentido pelo qual nos referimos a um typus phthisicus, pelo que compreendemos o tórax estreito e longo, o coração pequeno, etc.). Janet considera que a predisposição à histeria é uma forma particular de debilidade mental congênita. Em resposta, gostaríamos de formular em breves linhas nosso conceito, como se segue. Não é uma questão de a divisão da consciência ocorrer porque os pacientes têm a mente fraca; eles parecem ter a mente fraca porque sua atividade mental está dividida e apenas parte de sua capacidade se acha à disposição do seu pensamento consciente. Não podemos considerar a fraqueza mental como o typus hystericus, como a essência da predisposição à histeria.
Um exemplo esclarece o que se pretende dizer com a primeira dessas duas frases. Pudemos observar muitas vezes a seguinte evolução dos acontecimentos com uma de nossas pacientes (Sra. Caecilie M.). Quando ela se sentia relativamente bem, surgia um sintoma histérico - uma alucinação torturante e obsessiva, uma nevralgia ou coisa semelhante - que, durante algum tempo, aumentava de intensidade. Simultaneamente, a capacidade mental da paciente decrescia de forma contínua e, após alguns dias, qualquer observador não-iniciado seria levado a dizer que a mente dela era fraca. Em seguida, ela era aliviada da representação inconsciente (a lembrança de um trauma psíquico, muitas vezes pertencente ao passado remoto), quer pelo médico, sob hipnose, quer pelo fato de ela descrever de súbito o evento, num estado de agitação e com o acompanhamento de ativa emoção. Depois que isso acontecia, ela não só ficava tranqüila, alegre e livre do sintoma torturante, como era sempre espantoso observar a amplitude e a lucidez de seu intelecto, bem como a agudeza de sua compreensão e julgamento. O xadrez, que ela jogava muito bem, era uma de suas ocupações favoritas, e ela gostava de jogar duas partidas de cada vez, o que se poderia dificilmente considerar indicativo de falta de síntese mental. Era impossível fugir à impressão de que, durante uma evolução de acontecimentos como o que acabamos de descrever, a representação inconsciente atraía para si própria uma parcela sempre crescente da atividade psíquica da paciente e que, quanto mais isso acontecia, menor se tornava o papel desempenhado pelo pensamento consciente, até ficar reduzido à imbecilidade total; mas que, para empregarmos a expressão vienense notavelmente adequada, quando ela estava “beisammen” |literalmente, “reunida”, significando “eu seu juízo perfeito”|, possuía poderes mentais bem marcantes.
Como um estado comparável nas pessoas normais poderíamos mencionar não a concentração da atenção, mas a preocupação. Quando alguém está “preocupado” com alguma nítida representação, como um aborrecimento, sua capacidade mental fica similarmente reduzida.
Todo observador é basicamente influenciado por seus objetos de observação, e estamos inclinados a crer que os conceitos de Janet formaram-se principalmente na evolução de um estudo detalhado dos pacientes histéricos oligofrênicos que costumam ser encontrados nos hospitais e instituições, por não terem conseguido levar sua própria vida em virtude de sua doença e da fraqueza mental por ela provocada. Nossas próprias observações, levadas a efeito em pacientes histéricos instruídos, forçaram-nos a adotar uma visão essencialmente diferente de suas mentes. Em nossa opinião, “entre os histéricos podem-se encontrar pessoas da mais lúcida inteligência, da maior força de vontade, do melhor caráter e da mais elevada capacidade crítica” | ver em [1]|. Nenhuma parcela de uma dotação mental sólida e autêntica é excluída pela histeria, embora as realizações efetivas com freqüência se tornem impossíveis por causa da doença. Afinal, a padroeira da histeria, Santa Teresa, era uma mulher de gênio com grande capacidade prática.
Mas por outro lado, nenhum grau de sandice, incompetência e fraqueza de vontade constitui proteção contra a histeria. Mesmo que desprezemos o que é meramente um resultado da doença, devemos reconhecer o tipo de histérico oligofrênico como um tipo comum. Mesmo assim, entretanto, o que encontramos aí não é a estupidez embotada e fleumática, mas um grau excessivo de mobilidade mental que leva à ineficiência. Examinarei posteriormente a questão da predisposição inata. Aqui, proponho apenas demonstrar que a opinião de Janet de que a fraqueza mental está de algum modo na raiz da histeria e de que a divisão da mente é insustentável.
Em total oposição aos conceitos de Janet, creio que, num grande número de casos, o que está subjacente à dissociação é um excesso de eficiência, a coexistência habitual de duas seqüências de representações heterogêneas. Tem-se ressaltado com freqüência que, muitas vezes, não estamos apenas “mecanicamente” ativos enquanto nosso pensamento consciente se acha ocupado com cadeias de representações que nada têm em comum com nossa atividade, mas que somos também capazes do que é, sem dúvida, um funcionamento psíquico, enquanto nossos pensamentos estão “ocupados em outro lugar” como, por exemplo, quando lemos em voz alta corretamente e com entonação adequada, mas depois não temos a menor idéia do que estivemos lendo.
Há sem dúvida inúmeras atividades, desde as mecânicas, como tricotar ou tocar escalas, até algumas que exigem no mínimo um pequeno grau de funcionamento mental, que são todas realizadas por muitas pessoas com apenas parte da mente concentrada nelas. Isso se aplica especialmente às pessoas dotadas de disposição muito ativa, para as quais uma ocupação monótona, simples e desinteressante constitui uma tortura, e que na realidade começam deliberadamente a se divertir pensando em algo diferente (cf. o “teatro particular” de Anna O. | ver em [1]|. Outra situação semelhante, ocorre quando um grupo interessante de representações, oriundo por exemplo de livros ou peças, impõe-se à atenção do sujeito e se intromete em seus pensamentos. Essa intromissão é ainda mais vigorosa quando o grupo estranho de representações tem uma intensa tonalidade afetiva (por exemplo, a aflição ou a saudade da pessoa amada). Temos então o estado de preocupação a que aludi acima, o qual, não obstante, não impede muitas pessoas de executarem ações bastante complicadas. As situações sociais muitas vezes exigem uma duplicação dessa espécie, mesmo quando os pensamentos em jogo são de natureza dominadora - como, por exemplo, quando uma mulher que lutando com uma extrema preocupação ou uma excitação inflamada desempenha seus deveres sociais e as funções de afável anfitriã. Todos nós conseguimos apenas realizações desse tipo no decurso de nosso trabalho, e a auto-observação parece sempre demonstrar que o grupo de representações afetivas não é meramente despertado de quando em vez pela associação, mas está presente todo o tempo na mente e penetra na consciência, a menos que esta esteja tomada por alguma impressão externa ou ato de vontade.
Mesmo nas pessoas que têm o costume de não permitirem que sua mente seja perpassada por devaneios paralelos a sua atividade habitual, certas situações dão margem, durante consideráveis períodos de tempo, a essa existência simultânea de impressões e reações mutáveis da vida externa, por um lado, e de um grupo de representações coloridas de afeto, por outro. Post equitem sedet atra cura |“atrás do cavaleiro senta-se a negra preocupação”|. Entre essas situações, as mais marcantes são a de cuidar de alguém que nos é caro e a de estar apaixonado. A experiência mostra que o cuidar de doentese os afetos sexuais também desempenham o papel principal na maioria dos casos de pacientes histéricos analisados mais detidamente.
Suspeito que a duplicação do funcionamento psíquico, quer seja habitual, quer provocada por situações emocionais da vida, atue como uma predisposição apreciável para uma divisão patológica autêntica da mente. Essa duplicação passa para o segundo estado quando o conteúdo dos dois grupos de representações coexistentes deixa de ser da mesma espécie, quando um deles encerra representações que são inadmissíveis à consciência - ou seja, que foram repelidas ou surgiram de estados hipnóides. Quando isto ocorre, é impossível para as duas correntes temporariamente divididas voltarem a se reunir, como acontece com freqüência nas pessoas sadias, e uma região da atividade psíquica inconsciente é dividida de forma permanente. Essa cisão histérica da mente está para o “duplo eu” assim como o estado hipnóide está para um devaneio normal. Neste segundo contraste, o que determina a qualidade patológica é a amnésia, e no primeiro, o que a determina é a inadmissibilidade das representações à consciência.
Nosso primeiro caso clínico, o de Anna O., a que sou obrigado a estar sempre recorrendo, proporciona uma compreensão nítida do que acontece. Essa moça tinha o hábito, enquanto gozava de perfeita saúde, de permitir que seqüências de representações imaginativas lhe passassem pela mente durante suas ocupações corriqueiras. Enquanto se encontrava numa situação que favorecia a auto-hipnose, o afeto de angústia penetrou em seu devaneio e criou um estado hipnóide em relação ao qual ela teve amnésia. Isso se repetiu em diversas ocasiões e seu conteúdo representativo foi-se tornando cada vez mais rico, mas continuou a se alternar com estados de pensamento de vigília inteiramente normais. Após quatro meses, o estado hipnóide assumiu pleno controle da paciente. Os ataques isolados esbarraram uns nos outros e assim surgiu um état de mal, uma histeria aguda do tipo mais grave. Este durou vários meses sob diversas formas (o período de sonambulismo); foi então interrompido à força | ver em [1]| e, a partir daí, voltou a se alternar com o comportamento psíquico normal. Mesmo durante seu comportamento normal, porém, havia uma persistência de fenômenos somáticos e psíquicos (contraturas, hemianestesia e alterações da fala) a respeito dos quais, neste caso, sabemos com certeza que se baseavam em representações pertinentes ao estado hipnóide. Isso prova que, mesmo durante seu comportamento normal, o complexo representativo pertencente ao estado hipnóide, a “subconsciência”, estava atuante, e que a divisão em sua mente persistia.
Não disponho de um segundo exemplo a oferecer de um curso evolutivo semelhante. Penso, contudo, que o caso lança alguma luz também sobre o desenvolvimento das neuroses traumáticas. Durante os primeiros dias após o fato traumático, o estado de pavor hipnóide repete-se a cada vez que o fato é relembrado. Enquanto esse estado se repete com freqüência cada vez maior, sua intensidade vai diminuindo tanto que ele não mais se alterna com o pensamento de vigília, mas apenas coexiste com ele. Torna-se então contínuo, e os sintomas somáticos, que antes só se faziam presentes durante o ataque de pavor, adquirem existência permanente. Todavia, posso apenas suspeitar de que seja isso o que acontece, já que nunca analisei um caso dessa natureza.
As observações e as análises de Freud revelam que a divisão da mente também pode ser causada pela “defesa”, pelo desvio deliberado da consciência das representações aflitivas: mas só em algumas pessoas, às quais, portanto, devemos atribuir uma idiossincrasia mental. Nas pessoas normais, tais representações ou são suprimidas com êxito, e nesse caso desaparecem por completo, ou não o são, e nesse caso continuam a surgir na consciência. Não sei dizer qual é a natureza dessa idiossincrasia. Arrisco-me apenas a sugerir que o auxílio do estado hipnóide é necessário para que a defesa resulte não meramente na transformação de representações convertidas isoladas em representações inconscientes, mas numa autêntica divisão da mente. A auto-hipnose, por assim dizer, terá criado o espaço ou região da atividade psíquica inconsciente para o qual são dirigidas as representações rechaçadas. Seja como for, porém, a realidade da significância patogênica da “defesa” é um fato que devemos reconhecer.
Não penso, entretanto, que a gênese da divisão da mente sequer seja abarcada pelos processos incompletamente compreendidos que vimos discutindo. Assim, em suas fases iniciais, as histerias de grau severo costumam exibir por algum tempo uma síndrome que pode ser descrita como de histeria aguda. (Na anamnese dos casos masculinos de histeria em geral nos defrontamos com uma representação dessa forma de doença como “encefalite”; nos casos femininos, a nevralgia ovariana leva a um diagnóstico de “peritonite”.) Nesse estágio agudo da histeria, os traços psicóticos são muito distintos, tais como estados de excitação maníacos e coléricos, fenômenos histéricos que se transformam rapidamente, alucinações e assim por diante. Em tais estados, a divisão da mente talvez ocorra de maneira diferente da que tentamos descrever acima. Talvez todo esse estágio deva ser encarado como um longo estado hipnóide cujos resíduos fornecem o núcleo do complexo representativo inconsciente, enquanto o pensamento de vigília é amnésico quanto a ele. Visto que na maioria das vezes ignoramos as causas que levam a uma histeria aguda dessa natureza (não me arrisco a considerar o curso dos acontecimentos observados em Anna O. como tendo aplicação geral), parece haver outra espécie de divisão psíquica que, em contraste com as examinadas acima, poderia ser denominada de irracional. E sem dúvida ainda existem outras formas desse processo, que ainda se acham ocultas de nossa jovem ciência psicológica, pois é certo que demos apenas os primeiros passos nesse setor do conhecimento e nossos conceitos atuais serão substancialmente alterados por outras observações.
Perguntemo-nos agora qual o resultado que o conhecimento da divisão da mente alcançado nos últimos anos trouxe para a compreensão da histeria. Parece ter sido grande em quantidade e importância.
Tais descobertas possibilitaram, em primeiro lugar, que o que parece serem sintomas puramente somáticos fosse relacionado com representações, as quais, contudo, não podem ser descobertas na consciência dos pacientes. (É desnecessário abordar isso novamente.) Em segundo lugar, ensinaram-nos a compreender os ataques histéricos, pelo menos em parte, como sendo produtos de um complexo representativo inconsciente. (Cf. Charcot.) Mas, além disso, explicaram também algumas das características psíquicas da histeria, e este ponto talvez mereça um exame mais pormenorizado.
É verdade que as “representações inconscientes” jamais, ou só raramente e com dificuldade, penetram no pensamento de vigília; mas elas o influenciam. Fazem-no, em primeiro lugar, através de suas conseqüências - quando, por exemplo, um paciente é atormentado por uma alucinação que é totalmente ininteligível e absurda, mas cujo significado e motivação tornam-se claros sob hipnose. Além disso, influenciam a associação, tornando certas representações mais nítidas do que teriam sido caso não fossem assim reforçadas a partir do inconsciente. Dessa maneira, alguns grupos específicos de representações impõem-se constantemente ao paciente com certo grau de compulsão e ele é obrigado a pensar neles. (O caso é semelhante aos dos pacientes semi-anestésicos de Janet. Quando sua mão anestésica é repetidamente tocada, eles não sentem nada, mas quando lhes mandam indicar um número qualquer a seu gosto, eles sempre escolhem o que corresponde ao número de vezes que foram tocados.) Por outro lado, as representações inconscientes regem o tônus emocional do paciente, seu estado de espírito. Quando, no curso do desenrolar de suas lembranças, Anna O. abordava umfato que em sua origem estivera ligado a um afeto nítido o sentimento correspondente surgia com vários dias de antecedência e antes que a lembrança aparecesse claramente, mesmo em sua consciência hipnótica.
Isso torna inteligíveis os “estados de ânimo” dos pacientes - suas alterações inexplicáveis e desarrazoadas de humor, que parecem ao pensamento de vigília ocorrer sem motivo. Com efeito, a impressionabilidade dos pacientes histéricos é determinada, em grande parte, simplesmente por sua excitabilidade inata; mas os afetos nítidos em que eles são lançados por causas relativamente triviais ficam mais inteligíveis ao considerarmos que a “parte dividida da mente” reage como uma caixa de ressonância à nota de um diapasão. Qualquer acontecimento que provoque lembranças inconscientes libera toda a força afetiva dessas representações que não sofreram desgaste, e o afeto evocado fica então inteiramente desproporcional a qualquer um que surgisse apenas na mente consciente.
Referi-me antes (ver em [1]) a uma paciente cujo funcionamento psíquico estava sempre na razão inversa da nitidez de suas representações inconscientes. A diminuição de seu pensamento consciente baseava-se, em parte, mas apenas em parte, numa espécie peculiar de abstração. Após cada uma de suas “absences” momentâneas - e estas sempre ocorriam - ela não sabia em que havia pensado no curso dela. Oscilava entre suas “conditions primes” e “secondes”, entre os complexos representativos conscientes e inconscientes. Mas não era apenas por isso que seu funcionamento psíquico se via reduzido, nem por causa do afeto que a dominava a partir do inconsciente. Enquanto se encontrava nesse estado, seu pensamento de vigília ficava sem energia, seu julgamento era infantil e ela parecia, como já tive ocasião de dizer, positivamente imbecil. Creio que isso se devia ao fato de que o pensamento de vigília dispõe de menos energia quando uma grande quantidade de excitação psíquica é apropriada pelo inconsciente.
Quando este estado de coisas não é apenas temporário, quando a parte dividida da mente está num constante estado de excitação, como ocorria com os pacientes hemianestésicos de Janet - nos quais, além disso, todas as sensações em nada menos da metade do corpo só eram percebidas pela mente inconsciente - quando este é o caso, resta tão pouco funcionamento cerebral para o pensamento de vigília que a debilidade mental que Janet descreve e considera inata fica plenamente explicada. São pouquíssimas as pessoas de quem se pode dizer, como do Bertrand de Born, de Uhland, que nunca precisam de mais da metade de sua mente.1 Tal redução da energia psíquica realmente transforma a maioria das pessoas em débeis mentais.
Essa debilidade mental, causada por uma divisão da psique, também parece ser a base de uma notável característica de alguns pacientes histéricos - sua sugestionabilidade. (Digo “alguns” por ser certo que entre os pacientes histéricos também se encontram pessoas do julgamento mais sensato e mais crítico.)
Por sugestionabilidade entendemos, em primeiro lugar, apenas uma incapacidade de criticar as representações e complexos de representações (julgamentos) que emergem na própria consciência do sujeito, ou são nela introduzidos de fora através da palavra falada ou da leitura. Qualquer crítica dessas representações recém-chegadas na consciência baseia-se no fato de elas despertarem outras representações por associação, e entre estas algumas que são irreconciliáveis com as novas. A resistência a estas últimas fica assim na dependência do acervo de representações antagônicas na consciência potencial, e a intensidade da resistência corresponde à proporção entre a nitidez das novas representações e a das despertadas na memória. Mesmo nos intelectos normais essa proporção é muito variada. O que descrevemos como um temperamento intelectual depende dela em larga medida. Um homem “sangüíneo” sempre se delicia com novas pessoas e coisas, e isso sem dúvida ocorre porque a intensidade de suas imagens mnêmicas é menor em comparação com a das novas impressões num homem mais tranqüilo e “fleumático”. Nos estados patológicos a preponderância de novas representações e a falta de resistência a elas aumentam em proporção à escassez das imagens mnêmicas despertadas - isto é, proporcionalmente à pobreza e à debilidade de seus poderes associativos. Isso já é o que acontece no sono e nos sonhos, na hipnose e sempre que há uma redução da energia mental, desde que esta não reduza também a nitidez das novas representações.
A parte inconsciente expelida pela mente na histeria é sobretudo sugestionável, em virtude da pobreza e incompletude de seu conteúdo representativo. Mas em alguns pacientes histéricos também a sugestionabilidade da mente consciente parece basear-se nisso. Eles são excitáveis por causa de sua predisposição inata; neles, as representações novas são muito nítidas. Em contraste com isso, sua atividade intelectual propriamente dita, sua função associativa, é reduzida, porque apenas parte de sua energia psíquica se acha à disposição de seu pensamento de vigília, em virtude da cisão de um “inconsciente”. Como resultado disso, seu poder de resistência tanto às auto-sugestões como às alo-sugestões se vê reduzido e por vezes abolido. A sugestionabilidade de sua vontade também parece dever-se apenas a isso. Por outro lado, a sugestionabilidade alucinatória, que transforma prontamente qualquer representação de uma percepção sensorial numa percepção real, exige, como todas as alucinações, um grau anormal de excitabilidade do órgão perceptivo e não pode ser atribuída apenas a uma divisão da mente.
(6) PREDISPOSIÇÃO INATA - DESENVOLVIMENTO DA HISTERIA
Em quase todas as etapas destas considerações fui obrigado a reconhecer que a maioria dos fenômenos que nos vimos esforçando por compreender pode basear-se, entre outras coisas, numa idiossincrasia inata. Isso desafia qualquer explicação que procure ir além de uma simples enunciação dos fatos. Mas a capacidade de adquirir a histeria também se acha indubitavelmente ligada a uma idiossincrasia da pessoa em questão, e a tentativa de defini-la com maior exatidão talvez não seja inteiramente infrutífera.
Expliquei acima por que não posso aceitar a opinião de Janet de que a predisposição para a histeria se baseia numa fraqueza psíquica inata. O clínico que, na qualidade de médico da família, observa os membros de famílias histéricas em todas as idades, por certo ficará inclinado a achar que essa predisposição reside antes num excesso do que numa falta. Os adolescentes que depois se tornarão histéricos são, em sua maioria, bem vivazes, dotados e repletos de interesses intelectuais antes de adoecerem. Muitas vezes, sua força de vontade é notável. Incluem-se entre eles moças que levantam da cama à noite, em segredo, para fazer algum estudo que seus pais lhes proíbem temendo que se esforcem demais. A capacidade de formar opiniões sólidas por certo não é maior neles do que nas outras pessoas; mas é raro encontrar neles simples inércia intelectual e estupidez. A produtividade exuberante de suas mentes levou um de meus amigos a afirmar que os histéricos são a flor da humanidade - tão estéreis, sem dúvida, mas tão belos quanto as flores.
Sua vivacidade e inquietude, sua ânsia de sensações e atividade mental, sua intolerância à monotonia e ao tédio podem ser assim formuladas: eles se situam entre aquelas pessoas cujo sistema nervoso, enquanto em repouso, libera um excesso de excitação que exige ser utilizado (ver em [1]). Durante o desenvolvimento na puberdade e em conseqüência dele, esse excesso original é complementado pelo poderoso aumento da excitação que decorre do despertar da sexualidade, das glândulas sexuais. A partir daí há uma quantidade excedente de energia nervosa livre disponível para a produção de fenômenos patológicos.
Mas, para que esses fenômenos surjam sob a forma de sintomas histéricos, evidentemente precisa haver também uma outra idiossincrasia específica no indivíduo em questão, pois, afinal, a grande maioria das pessoas ativas e excitáveis não se torna histérica. Um pouco mais atrás | ver em [1]|, só pude definir essa idiossincrasia com uma expressão vaga e não esclarecedora: “excitabilidade anormal do sistema nervoso”. Mas talvez seja possível ir mais além e dizer que essa anormalidade reside no fato de que em tais pessoas a excitação do órgão central pode fluir para os aparelhos nervosos sensoriais que normalmente só são acessíveis aos estímulos periféricos, bem como para os aparelhos nervosos dos órgãos vegetativos, que são isolados do sistema nervoso central por poderosas resistências. É possível que essa idéia de haver um excedente de excitação constantemente presente, com acesso aos aparelhos sensorial, vasomotor e visceral, já explique certos fenômenos patológicos.
Nas pessoas desse tipo, tão logo sua atenção se concentra forçosamente em alguma parte do corpo, aquilo a que Exner |1894, 165 e segs.| chama de “facilitação pela atenção” na via sensorial de condução em questão excede a quantidade normal. A excitação livre e flutuante é, por assim dizer, desviada para essa via, produzindo-se uma hiperalgesia local. Como resultado, qualquer dor, como quer que seja causada, alcança intensidade máxima, e qualquer mal-estar é “horrível” e “insuportável”. Além disso, enquanto nas pessoas normais uma quantidade de excitação, depois de catexizar uma via sensitiva, sempre a abandona, isto não ocorre nestes casos. Aquela quantidade, ademais, não só permanece ali como é constantemente aumentada pelo influxo de novas excitações. Um leve dano a uma articulação leva assim à artralgia, e as sensações dolorosas devidas ao intumescimento ovariano conduzem à nevralgia ovariana crônica; e visto que os aparelhos nervosos da circulação são mais acessíveis à influência cerebral do que nas pessoas normais, deparamos com palpitações nervosas do coração, tendência a desmaios, propensão ao enrubescimento e empalidecimento excessivos, e assim por diante.
Todavia, não é apenas quando às influências centrais que os aparelhos nervosos periféricos são mais facilmente excitáveis. Eles também reagem de maneira excessiva e imprópria a estímulos funcionais adequados. Surgem palpitações tanto a partir de esforços moderados quanto da excitação emocional, e os nervos vasomotores fazem com que as artérias se contraiam (“dedos mortos”) independentemente de qualquer influência psíquica. E, da mesma forma que um ligeiro dano deixa uma artralgia atrás de si, um curto acesso de bronquite é seguido de asma nervosa, e a indigestão, de freqüentes dores cardíacas. Por conseguinte, devemos admitir que a acessibilidade a somas de excitação de origem central nada mais é do que um caso especial de uma excitabilidade anormal genérica, muito embora ela seja a mais importante do ponto de vista de nosso tópico atual.
Parece-me, portanto, que a antiga “teoria reflexa” desses sintomas, que talvez fossem mais bem definidos simplesmente como “nervosos”, mas que fazem parte do quadro clínico empírico da histeria, não deve ser inteiramente rejeitada. Os vômitos, que naturalmente acompanham a dilatação do útero na gravidez, podem muito bem, quando existe uma excitabilidade anormal, ser desencadeados de maneira reflexa por estímulos uterinos banais, ou talvez até mesmo pelas alterações periódicas do tamanho dos ovários. Estamos familiarizados com tantos efeitos remotos decorrentes de alterações orgânicas, tantos casos estranhos de “dor transferida”, que não podemos rejeitar a possibilidade de que um imenso grupo de sintomas nervosos por vezes determinados psiquicamente possam, em outros casos, ser efeitos distantes da ação reflexa. De fato, arrisco-me a formular a heresia bastante conservadora de que até mesmo a debilidade motora numa perna pode, algumas vezes, ser determinada por uma afecção genital, não psiquicamente, mas por ação reflexa direta. Penso que faremos bem em não insistir demais na exclusividade de nossas novas descobertas ou procurar aplicá-las a todos os casos.
Outras formas de excitabilidade sensorial anormal ainda escapam inteiramente à nossa compreensão: a analgesia geral, por exemplo, as áreas anestésicas, a restrição real do campo da visão, e assim por diante. É possível, e talvez provável, que outras observações venham comprovar a origem psíquica de um ou outro desses estigmas e assim expliquem o sintoma; só que isso ainda não aconteceu (pois não me arrisco a generalizar os resultados apresentados por nosso primeiro relato de caso), e não acho justificável presumir que essa seja a origem deles enquanto ela não tiver sido satisfatoriamente investigada.
Por outro lado, a idiossincrasia do sistema nervoso e da mente que vimos examinando parece explicar uma ou duas propriedades muito familiares de diversos pacientes histéricos. O excedente de excitação liberado pelo sistema nervoso dessas pessoas quando em estado de repouso determina sua incapacidade de tolerarem uma vida monótona e o tédio - a ânsia de sensações que os impele, após início de sua doença, a interromper a monotonia de sua vida sem validade por toda sorte de “incidentes”, dos quais os mais destacados são, a julgar pela natureza das coisas, fenômenos patológicos. Muitas vezes, essas pessoas são ajudadas nisso pela auto-sugestão. São impelidas a cada vez mais penetrar nesse caminho por sua necessidade de ficarem doentes - um traço notável que é tão patognomônico para a histeria quanto é o medo de adoecer para a hipocondria. Conheço uma mulher histérica que infligia a si mesma danos freqüentemente muito graves, apenas para seu próprio consumo e sem que aqueles que a cercavam, ou seu médico, tomassem conhecimento disso. Que mais não fosse, ela costumava fazer toda sorte de brincadeiras enquanto estava sozinha em seu quarto, simplesmente para provar a si mesma que não era normal. E o fazia, por ter, de fato, uma nítida sensação de não estar bem e de não poder desempenhar seus deveres de maneira satisfatória, tentando justificar-se a seus próprios olhos através de ações como essas. Outra paciente, uma mulher muito doente que sofria de uma conscienciosidade patológica e era cheia de dúvidas a respeito de si mesma, vivenciava todos os fenômenos histéricos como algo culposo, pois, segundo dizia, não precisava tê-los se realmente não os quisesse ter. Quando uma paresia em suas pernas foi erroneamente diagnosticada como uma doença da espinha, ela vivenciou isso como um imenso alívio e, quando lhe disseram que era “apenas nervosa” e que passaria, isso foi o bastante para acarretar graves dores de consciência. A necessidade de adoecer decorre do desejo da paciente de convencer a si mesma e às outras pessoas da realidade de sua doença. Quando essa necessidade se associa ainda à aflição causada pela monotonia de um quarto de enfermo, a inclinação a produzir cada vez mais sintomas novos desenvolve-se ao máximo.
Quando, no entanto, isso se transforma em fingimento e verdadeira simulação (e penso que agora pecamos tanto por excesso ao negar a simulação quanto pecávamos ao aceitá-la), isso se baseia, não na predisposição histérica, mas, como disse Moebius tão apropriadamente, em ser ela complicada por outras formas de degenerescência - por uma inferioridade moral inata. Da mesma forma, o “histérico rancoroso” surge quando alguém que é inatamente excitável, mas deficiente de emoção, cai também vítima do embrutecimento egoísta do caráter que é tão facilmente produzido pela má saúde crônica. Aliás, o “histérico rancoroso” mal chega a ser mais comum do que o paciente rancoroso nos estágios mais avançados da tabes.
O excedente da excitação também dá margem a fenômenos patológicos na esfera motora. As crianças com essa característica desenvolvem com muita facilidade movimentos semelhantes a tiques. Estes podem começar, num primeiro caso, por alguma sensação nos olhos ou no rosto, ou por alguma peça desconfortável do vestuário, mas se tornam permanentes a menos que sejam prontamente contidos. As vias reflexas são muito fáceis e rapidamente marcadas a fundo.
Também não se pode afastar a possibilidade de haver ataques convulsivos puramente motores, independentes de qualquer fator psíquico, e nos quais tudo o que acontece é que a massa de excitação acumulada por soma é descarregada, do mesmo modo que a massa de estímulos causada por modificações anatômicas é descarregada num ataque epiléptico. Nesse caso, teríamos a convulsão histérica não-ideogênica.
É tão freqüente vermos adolescentes anteriormente sadios, embora excitáveis, adoecerem de histeria durante a puberdade, que devemos perguntar a nós mesmos se esse processo não poderia criar uma predisposição para a histeria quando ela não está inatamente presente. E de qualquer modo, devemos atribuir a ela mais do que uma simples elevação da quantidade de excitação. O amadurecimento sexual incide sobre todo o sistema nervoso, aumentando a excitabilidade e reduzindo as resistências por toda parte. Isso nos é ensinado pela observação de adolescentes que não são histéricos, e temos assim justificativas para crer que o amadurecimento sexual também estabelece a predisposição histérica, na medida em que consiste precisamente nessa característica do sistema nervoso. Ao afirmarmos isso, já estamos reconhecendo a sexualidade como um dos principais componentes da histeria. Veremos que o papel que desempenha nela é ainda muito maior e que contribui das mais diversas maneiras para a constituição da doença.
Se os estigmas brotam diretamente desse campo de cultura inato da histeria e não são de origem ideogênica, é também impossível dar à ideogênese uma posição tão central na histeria quanto às vezes se dá hoje em dia. O que poderia ser mais autenticamente histérico do que os estigmas? Eles são os achados patognomônicos que estabelecem o diagnóstico, e no entanto, precisamente, eles não parecem ser ideogênicos. Mas se a base da histeria é uma idiossincrasia de todo o sistema nervoso, o complexo de sintomas ideogênicos psiquicamente determinados ergue-se sobre ela tal como um prédio sobre seus alicerces. E é um prédio de vários andares. Do mesmo modo que só é possível compreender a estrutura de tal prédio se distinguirmos os planos dos diferentes pisos, é necessário, penso eu, para entendermos a histeria, prestar atenção às várias espécies de complicação na causação dos sintomas. Se as desprezarmos e tentarmos levar adiante uma explicação da histeria empregando um nexo causal único, sempre encontraremos um resíduo muito grande de fenômenos que permanecem inexplicados. É como se tentássemos inserir os diferentes cômodos de uma casa de muitos pavimentos na planta de um único andar.
Tal como os estigmas, diversos outros sintomas nervosos - certas dores e fenômenos vasomotores, e talvez os ataques convulsivos puramente motores - são, como vimos, não causados por idéias, mas resultados diretos da anormalidade fundamental do sistema nervoso.
Os mais próximos deles são os fenômenos ideogênicos que consistem simplesmente em conversões da excitação afetiva (ver em [1]). Surgem como conseqüências de afetos em pessoas com uma predisposição histérica e, a princípio, são apenas uma “expressão anormal das emoções” (Oppenheim |1890|). Esta se transforma, pela repetição, num sintoma histérico autêntico e, na aparência, puramente somático, enquanto a idéia que deu lugar a ele se torna imperceptível (ver em [1]) ou é rechaçada e, portanto, repelida da consciência. As mais numerosas e importantes das representações que são rechaçadas e convertidas possuem um contexto sexual. Elas se acham na base de grande parte dos casos de histeria da puberdade. As moças que se aproximam da maturidade - e é principalmente delas que se trata - comportam-se de maneiras muito diferentes em relação às representações e sentimentos sexuais que se avolumam nelas. Certas moças defrontam-se com eles com total desembaraço, havendo entre elas algumas que ignoram e fecham os olhos a todo o assunto. Outras aceitam-nos como os meninos, sendo esta sem dúvida a norma entre as moças das classes camponesa e trabalhadora. Outras ainda, com uma curiosidade mais ou menos obstinada, correm atrás de qualquer coisa sexual que possam encontrar em conversas ou livros. E, finalmente, há naturezas de organização requintada que, embora seja grande sua excitabilidade sexual, possuem uma pureza moral igualmente grande e sentem que qualquer coisa sexual é algo incompatível com seus padrões éticos, algo de conspurcante e degradante. Elas recalcam a sexualidade afastando-a da consciência, e as representações afetivas de conteúdo sexual que provocaram os fenômenos somáticos são rechaçadas e assim se tornam inconscientes.
A tendência a rechaçar o que é sexual é ainda mais intensificada pelo fato de que, nas moças solteiras, a excitação sensual tem uma mescla de angústia, de medo do que está por vir, do que é desconhecido e apenas suspeitado, ao passo que, nos rapazes normais e saudáveis, ela é uma pulsão agressiva sem mesclas. A moça sente em Eros o terrível poder que rege e decide seu destino, e se assusta com isso. Tanto maior, portanto, é sua inclinação para desviar os olhos e recalcar para fora da consciência a coisa que a assusta.
O casamento acarreta novos traumas sexuais. É surpreendente que a noite de núpcias não tenha efeitos patogênicos com maior freqüência, visto que, infelizmente, o que ela implica é, muitas vezes, não uma sedução erótica, mas uma violação. A rigor, porém, não é raro encontrar em jovens casadas histerias que podem ser relacionadas a isso e que desaparecem quando, no correr do tempo, o prazer sexual emerge e apaga o trauma. Os traumas sexuais também ocorrem no curso ulterior de muitos casamentos. Os relatos de caso de cuja publicação fomos obrigados a nos abster incluem um grande número deles - exigências caprichosas feitas pelo marido, práticas antinaturais, etc. Não penso estar exagerando ao afirmar que a grande maioria das neuroses graves nas mulheres tem sua origem no leito conjugal.
Certos fatores sexuais nocivos, que consistem essencialmente em satisfação insuficiente (coitus interruptus, ejaculatio praecox, etc.) resultam, de acordo com a descoberta de Freud (1895b), não na histeria, mas numa neurose de angústia. Sou da opinião, entretanto, de que mesmo nesses casos a excitação do afeto sexual muitas vezes se converte em fenômenos histéricos somáticos.
É evidente por si só, e suficientemente comprovado por nossas observações, que os afetos não sexuais do susto, da angústia e da raiva levam ao desenvolvimento de fenômenos histéricos. Mas talvez valha a pena insistir repetidamente em que o fator sexual é de longe o mais importante e o que mais produz resultados patológicos. As observações pouco sofisticadas de nossos antecessores, cujo resíduo é preservado no termo “histeria” |originado da palavra grega designativa de “útero”|, aproximaram-se mais da verdade do que a concepção mais recente, que situa a sexualidade quase em último lugar, a fim de poupar os pacientes de recriminações morais. As necessidades sexuais dos pacientes histéricos são, sem dúvida, tão variáveis em grau de indivíduo para indivíduo quanto nas pessoas sadias, e não são mais fortes do que nelas; mas os primeiros adoecem por causa delas e, na maioria das vezes, precisamente pela luta que travam contra elas, em virtude de sua defesa contra a sexualidade.
Juntamente com a histeria sexual, devemos recordar nesta altura a histeria devida ao susto - a histeria traumática propriamente dita -, que constitui uma das formas de histeria mais conhecidas e reconhecidas.
No que se pode denominar de camada idêntica à dos fenômenos que resultam da conversão da excitação afetiva, encontram-se aqueles que devem sua origem à sugestão (na maioria das vezes, à auto-sugestão) em indivíduos inatamente sugestionáveis. O grau elevado de sugestionabilidade - isto é, a preponderância irrestrita das representações que foram despertadas recentemente - não se encontra entre os traços essenciais da histeria. Contudo, pode estar presente como uma complicação em pessoas com predisposição histérica, nas quais essa mesma idiossincrasia do sistema nervoso possibilita a realização somática de representações supervalentes. Além disso, na maioria dos casos, são apenas representações afetivas que se realizam em fenômenos somáticos por sugestão e, conseqüentemente, o processo pode muitas vezes ser considerado uma conversão do afeto concomitante de medo ou de angústia.
Esses processos - a conversão do afeto e a sugestão - permanecem idênticos mesmo nas formas complicadas de histeria que devemos agora considerar. Eles simplesmente encontram condições mais favoráveis em tais casos: é sempre através de um desses dois processos que surgem os fenômenos histéricos psiquicamente determinados.
O terceiro componente da predisposição histérica, que aparece em alguns casos além dos que já foram analisados, é o estado hipnóide, a tendência à auto-hipnose (ver em [1]). Esse estado favorece e facilita em grau máximo tanto a conversão como a sugestão, e dessa forma erige, por assim dizer, no topo das pequenas histerias, o pavimento mais alto da grande histeria. A tendência à auto-hipnose é um estado que, no começo, é apenas temporário e se alterna com o estado normal. Podemos atribuir-lhe o mesmo aumento de influência mental sobre o corpo que observamos na hipnose artificial. Essa influência é muito mais intensa e profunda aqui, na medida em que atua sobre um sistema nervoso que mesmo fora da hipnose é anormalmente excitável. Não sabemos dizer até que ponto e em que casos a tendência à auto-hipnose constitui uma propriedade inata do organismo.Externei antes (ver em [1]-[2]) a opinião de que ela se desenvolve a partir de devaneios carregados de afeto. Mas não há nenhuma dúvida de que a predisposição inata também desempenha um papel nisso. Se esse ponto de vista for correto, mais uma vez ficará claro aqui o quanto é enorme a influência atribuível à sexualidade no desenvolvimento da histeria, pois, salvo pelo cuidar de doentes, nenhum fator psíquico é tão bem destinado a produzir devaneios carregados de afeto quanto os anseios de uma pessoa apaixonada. E acima de tudo isso, o próprio orgasmo sexual, com sua riqueza de afeto e sua restrição da consciência, é intimamente afim dos estados hipnóides.
O elemento hipnóide manifesta-se mais claramente nos ataques histéricos e nos estados que podem ser classificados de histeria aguda e que, segundo parece, desempenham um papel tão relevante no desenvolvimento da histeria (ver em [1]). Estes são, obviamente, estados psicóticos que persis-tem por muito tempo, muitas vezes durante vários meses, e que com freqüência é necessário classificar de confusão alucinatória. Mesmo quando a perturbação não vai tão longe assim, surge nela uma grande variedade de fenômenos histéricos, alguns dos quais, na realidade, persistem depois de ela terminar. O conteúdo psíquico desses estados consiste, em parte, precisamente nas representações que foram rechaçadas na vida de vigília e recalcadas, sendo eliminadas da consciência. (Cf. os “delírios histéricos dos santos e das freiras, das mulheres que guardam a castidade e das crianças bem-educadas” | ver em [1]|.)
Visto que esses estados são, com muita freqüência, nada menos do que psicoses, apesar de derivados imediata e exclusivamente da histeria, não posso concordar com a opinião de Moebius de que, “com exceção dos delírios ligados aos ataques, é impossível falar numa insanidade histérica real” (1895, 18). Em muitos casos, esses estados constituem uma insanidade dessa natureza; e psicoses como estas também se repetem no curso ulterior de uma histeria. É verdade que, em essência, elas nada mais são do que a fase psicótica de um ataque, mas, considerando-se que duram meses, seria difícil denominá-las de ataques.
Como surge uma dessas histerias agudas? No caso mais conhecido (Caso 1), surgiu de uma acumulação de ataques hipnóides; em outro caso (quando já estava presente uma histeria complicada), surgiu associada a uma suspensão da morfina. O processo, em sua maior parte, é inteiramente obscuro e aguarda elucidação a partir de observações adicionais.
Assim sendo, podemos aplicar às histerias aqui analisadas o pronunciamento de Moebius (ibid., 16): “A modificação essencial que ocorre na histeria é que o estado mental do paciente histérico torna-se temporária ou permanentemente semelhante ao de um indivíduo hipnotizado.”
No estado normal, a persistência dos sintomas que surgem durante o estado hipnóide corresponde inteiramente a nossas experiências com a sugestão pós-hipnótica. Mas isso já implica que complexos de representações inadmissíveis à consciência coexistem com as seqüências de representações que seguem um curso consciente, que ocorreu uma divisão da mente (ver em [1]). Parece certo que isso pode acontecer até mesmo sem um estado hipnóide, a partir da profusão de pensamentos que foram rechaçados e recalcados da consciência, mas não suprimidos. De um modo ou de outro, passa a existir uma região da vida mental - ora precária de representações e rudimentar, ora mais ou menos em igualdade de condições com o pensamento de vigília - cujo conhecimento devemos, acima de tudo, a Binet e Janet. A divisão da mente é a consumação da histeria. Mostrei anteriormente (na Seção 5) de que modo ele explica as principais características desse distúrbio. Uma parte da mente do paciente fica em estado hipnóide permanentemente, mas com um grau variável de nitidez em suas representações, estando sempre preparada, todas as vezes que há um lapso no pensamento de vigília, para assumir o controle da pessoa inteira (por exemplo, num ataque ou num delírio). Isso ocorre tão logo um afeto poderoso interrompe o curso normal das representações, nos estados crepusculares e nos estados de exaustão. A partir desse estado hipnóide persistente, representações não motivadas e estranhas à associação normal forçam sua entrada na consciência, introduzem-se alucinações no sistema perceptivo e inervam-se atos motores independentemente da vontade consciente. Essa mente hipnóide é suscetível, no mais alto grau, à conversão de afetos e à sugestão, e assim aparecem com facilidade novos fenômenos histéricos, que, sem a divisão da mente, só surgiriam com grande dificuldade e sob a pressão de afetos repetidos. A parte expelida da mente é o demônio pelo qual a observação ingênua dos supersticiosos dos tempos primitivos acreditava que esses pacientes se achavam possuídos. É verdade que um espírito estranho à consciência de vigília do paciente exerce domínio sobre ele, porém o espírito não é de fato um estranho, mas parte dele mesmo.
A tentativa aqui empreendida de fazer uma interpretação sintética da histeria partindo do que dela sabemos hoje está sujeita à recriminação de ecletismo, se é que tal recriminação é justificável. Houve inúmeras formulações da histeria, desde a antiga “teoria reflexa” até a “dissociação da personalidade”, que tiveram de encontrar um lugar nela. Mas dificilmente poderia ser de outra forma, já que numerosos observadores excelentes e espíritos agudos se interessaram pela histeria. É improvável que qualquer de suas formulações estivesse destituída de uma parcela de verdade. Uma futura exposição do verdadeiro estado de coisas por certo as abrangerá a todas e simplesmente combinará todas as visões unilaterais do assunto numa realidade coletiva. O ecletismo, portanto, não me parece nada de que se deva envergonhar.
Mas quão longe ainda estamos hoje da possibilidade de qualquer compreensão completa da histeria! Com que traços incertos seus contornos foram esboçados nestas páginas, com que hipóteses toscas as imensas lacunas foram escondidas, e não preenchidas! Apenas uma consideração é até certo ponto consoladora: a de que essa falha se prende, e deve prender-se, a todas as exposições fisiológicas de processos psíquicos complexos. Devemos sempre dizer delas o que Teseu, no Sonho de uma Noite de Verão, diz da tragédia: “As melhores dentre estas não passam de sombras.” E mesmo a mais fraca não será destituída de valor se, honesta e modestamente, tentar apegar-se aos contornos das sombras que os objetos reais desconhecidos lançam sobre a parede, pois assim, apesar de tudo, sempre se justificará a esperança de que possa haver algum grau de correspondência e semelhança entre os processos reais e a idéia que fazemos deles.
IV - A PSICOTERAPIA DA HISTERIA
(FREUD)
Em nossa “Comunicação Preliminar” relatamos como, no curso de nossa pesquisa sobre a etiologia dos sintomas histéricos, deparamo-nos também com um método terapêutico que nos pareceu de importância prática. Pois “verificamos, a princípio para nossa grande surpresa, que cada sintoma histérico individual desaparecia, de forma imediata e permanente, quando conseguíamos trazer à luz com clareza a lembrança do fato que o havia provocado e despertar o afeto que o acompanhava, e quando o paciente havia descrito esse acontecimento com o maior número de detalhes possível e traduzido o afeto em palavras.” (ver em [1].)
Esforçamo-nos ainda por explicar o modo como funciona nosso método psicoterapêutico: “Ele põe termo à força atuante da representação que não fora ab-reagida no primeiro momento, ao permitir que seu fato estrangulado encontre uma saída através da fala; e submete essa representação à correção associativa ao introduzi-la na consciência normal (sob hipnose leve), ou eliminá-la por sugestão do médico, como se faz no sonambulismo acompanhado de amnésia.” (ver em [1].)
Tentarei agora fazer um relato coerente de até onde este método nos leva, dos aspectos em que ele consegue mais do que outros métodos, da técnica pela qual funciona e das dificuldades com que se defronta. Grande parte da substância disso já se acha no relato dos casos que constam da parte anterior deste livro, e não conseguirei evitar repetir-me no relato que se segue.
(1)
De minha parte, também posso afirmar que ainda me mantenho fiel ao que está contido na “Comunicação Preliminar”. Não obstante, devo confessar que, durante os anos decorridos desde então - nos quais estive incessantemente voltado para os problemas ali abordados -, novos pontos de vista se impuseram a minha mente. Estes levaram ao que é, ao menos em parte, um agrupamento e uma interpretação diferentes do material fatual por mim conhecido naquela época. Seria injusto tentar atribuir uma responsabilidade grande demais por essa transformação a meu estimado amigo Dr. Josef Breuer. Por este motivo, as considerações que se seguem são formuladas principalmente em meu próprio nome.
Quando tentei aplicar a um número relativamente grande de pacientes o método de Breuer, de tratamento de sintomas histéricos pela investigação e ab-reação destes sob hipnose, defrontei-me com duas dificuldades e, ao lidar com elas, fui levado a fazer uma alteração tanto na minha técnica quanto na minha visão dos fatos. (1) Verifiquei que nem todas as pessoas que exibiam sintomas histéricos indiscutíveis e que, muito provavelmente, eram regidas pelo mesmo mecanismo psíquico podiam ser hipnotizadas. (2) Vi-me forçado a tomar uma posição quanto à questão do que, afinal, caracteriza essencialmente a histeria e do que a distingue de outras neuroses.
Deixarei para depois meu relato de como superei a primeira dessas duas dificuldades e o que dela aprendi e começarei por descrever a atitude que adotei em minha prática diária em relação ao segundo problema. É muito difícil obter uma visão clara de um caso de neurose antes de tê-lo submetido a uma análise minuciosa - uma análise que, na verdade, só pode ser efetuada pelo uso do método de Breuer; mas a decisão sobre o diagnóstico e a forma de terapia a ser adotada tem de ser tomada antes de se chegar a qualquer conhecimento assim minucioso do caso. O único caminho aberto a mim, portanto, era selecionar para tratamento catártico os casos que pudessem ser provisoriamente diagnosticados como histeria, que exibissem um ou mais dos estigmas ou sintomas característicos da histeria. Ocorreu então algumas vezes que, apesar do diagnóstico de histeria, os resultados terapêuticos se revelaram muito escassos e nem mesmo a análise trazia à luz nada de significativo. Em outras ocasiões ainda, tentei aplicar o método de tratamento de Breuer a casos de neurose que ninguém poderia confundir com histeria, e assim verifiquei que eles podiam ser influenciados e, na verdade, esclarecidos. Tive essa experiência, por exemplo, com as idéias obsessivas - idéias obsessivas autênticas, do tipo de Westphal - em casos sem um único traço que lembrasse a histeria. Conseqüentemente, o mecanismo psíquico revelado pela “Comunicação Preliminar” não poderia ser patogmônico da histeria, nem tampouco consegui decidir-me, apenas para preservar aquele mecanismo como critério, a englobar todas essas neuroses na histeria. Acabei encontrando uma saída para todas essas dúvidas através do plano de tratar todas as outras neuroses em questão da mesma forma que a histeria. Determinei-me a investigar sua etiologia e a natureza de seu mecanismo psíquico em cada caso e a deixar na dependência do resultado dessa investigação a decisão quanto a se o diagnóstico de histeria se justificava.
Assim, partindo do método de Breuer, vi-me envolvido em considerações sobre a etiologia e o mecanismo das neuroses em geral. Tive sorte o bastante para chegar a alguns resultados úteis num prazo relativamente curto. Em primeiro lugar, fui obrigado a reconhecer que, na medida em que se possa falar em causas determinantes que levam à aquisição de neuroses, sua etiologia deve ser buscada em fatores sexuais. Seguiu-se a descoberta de que diferentes fatores sexuais, no sentido mais geral, produzem diferentes quadros de distúrbios neuróticos. Tornou-se então possível, na medida em que essa relação era confirmada, correr o risco de utilizar a etiologia com o objetivo de caracterizar as neuroses e de fazer uma distinção nítida entre os quadros clínicos das várias neuroses. Quando as características etiológicas coincidiam sistematicamente com as clínicas, isso era naturalmente justificável.
Dessa maneira, verifiquei que a neurastenia apresentava um quadro clínico monótono no qual, como demonstram minhas análises, nenhum papel era desempenhado por um “mecanismo psíquico”. Havia uma nítida distinção entre a neurastenia e a “neurose obsessiva”, a neurose das idéias obsessivas propriamente ditas. Nesta última pude reconhecer um complexo mecanismo psíquico, uma etiologia semelhante à da histeria e uma ampla possibilidade de reduzi-la pela psicoterapia. Por outro lado, pareceu-me absolutamente necessário destacar da neurastenia um complexo de sintomas neuróticos que dependem de uma etiologia inteiramente diferente e, na verdade, no fundo, contrária. Os sintomas que formam esse complexo estão unidos por uma característica que já foi reconhecida por Hecker (1893), pois são sintomas ou equivalentes e rudimentos de manifestações de angústia; e por essa razão dei a tal complexo, a ser destacado da neurastenia, o nome de neurose de angústia. Sustentei (Freud, 1895b) que ele decorre de um acúmulo de tensão física, que é, em si mesma, também de origem sexual. Essa neurose também não possui nenhum mecanismo psíquico, mas invariavelmente influencia a vida mental, de modo que a “expectativa ansiosa”, as fobias, e hiperestesia às dores, etc. encontram-se entre suas manifestações regulares. Essa neurose de angústia, no sentido que dou à expressão, sem dúvida coincide em parte com as neuroses que, sob o nome de “hipocondria”, encontra lugar em muitas descrições ao lado da histeria e da neurastenia. Mas não posso considerar correta a delimitação da hipocondria em nenhum dos trabalhos em questão, e a aplicabilidade de seu nome me parece ser prejudicada pela ligação fixa do termo com o sintoma de “medo de doença”.
Depois de ter fixado assim os quadros simples de neurastenia, neurose de angústia e idéias obsessivas, passei a considerar os casos de neurose comumente incluídos no diagnóstico de histeria. Refleti que não era certo rotular de histérica uma neurose, em sua totalidade, só porque alguns sintomas histéricos ocupavam um lugar de destaque em seu complexo de sintomas. Era-me fácil compreender essa prática, visto que, afinal de contas, a histeria é a mais antiga, a mais conhecida e a mais marcante das neuroses em consideração; mas isso era um abuso, pois lançava por conta da histeria muitos traços de perversão e degenerescência. Sempre que um sintoma histérico, como uma anestesia ou um ataque característico, era observado num caso complicado de degeneração psíquica, todo esse estado era descrito como de “histeria”, de modo que não surpreende que as piores e mais contraditórias coisas fossem reunidas sob esse rótulo. Mas, assim como era certo que esse diagnóstico estava errado, era igualmente certo que também deveríamos separar as várias neuroses; e já que estávamos familiarizados com a neurastenia, a neurose de angústia, etc., em sua forma pura, não havia mais necessidade de desprezá-las no quadro conjunto.
O ponto de vista que se segue, portanto, parecia ser o mais provável. As neuroses que comumente ocorrem devem ser classificadas, em sua maior parte, de “mistas”. A neurastenia e as neuroses de angústia são facilmente encontradas também em formas puras, especialmente em pessoas jovens. As formas puras de histeria e neurose obsessiva são raras; em geral, essas duas neuroses combinam-se com a neurose de angústia. A razão por que as neuroses mistas ocorrem com tanta freqüência é que seus fatores etiológicos se acham muitas vezes entremeados, às vezes apenas por acaso, outras vezes como resultado de relações causais entre os processos de que derivam os fatores etiológicos das neuroses. Não há nenhuma dificuldade em descobrir isso e demonstrá-lo com detalhes. Quanto à histeria, porém, sucede que esse distúrbio dificilmente poderia ser segregado, para fins de estudo, do eixo de ligação das neuroses sexuais; que, em geral, ele representa apenas um lado isolado, apenas um aspecto de um caso complicado de neuroses; e que é somente em casos marginais que ele pode ser encontrado e tratado isoladamente. Talvez possamos dizer em algumas ocasiões: a potiori fit denominatio |isto é, recebeu seu nome pela sua característica mais importante|.
Examinarei agora os casos clínicos aqui relatados a fim de verificar se eles depõem em favor da minha opinião de que a histeria não é uma entidade clínica independente.
A paciente de Breuer, Anna O., parece contradizer minha opinião e ser um exemplo de distúrbio histérico puro. Esse caso, porém, que foi tão útil para nosso conhecimento da histeria, não foi de modo algum considerado por seu observador do ponto de vista de uma neurose sexual, sendo agora inteiramente inútil para esse propósito. Quando comecei a analisar a segunda paciente, a Sra. Emmy von N., a expectativa de que a base da histeria fosse uma neurose sexual estava muito longe de minha mente. Eu acabara de sair da escola de Charcot e encarava a ligação da histeria com o tema da sexualidade como uma espécie de insulto - exatamente como fazem as próprias pacientes. Quando examino minhas notas sobre esse caso hoje em dia, parece-me não haver nenhuma dúvida de que ele deve ser visto como um caso grave de neurose de angústia acompanhada de expectativa ansiosa e fobias - uma neurose de angústia que se originara da abstinência sexual e se combinara com a histeria. O caso 3, de Miss Lucy R., talvez possa ser definido de maneira mais conveniente como um caso marginal de histeria pura. Foi uma histeria breve que seguiu um curso episódico e tinha uma inconfundível etiologia sexual do tipo que corresponderia a uma neurose de angústia. A paciente era uma moça plenamente madura, que precisava ser amada e cujos afetos tinham sido despertados, muito apressadamente, por um mal-entendido. A neurose de angústia, contudo, não se tornou visível ou me escapou. O caso 4, de Katharina, nada mais era do que um modelo do que classifiquei de “angústia virginal”. Era uma combinação de neurose de angústia e histeria. A primeira criava os sintomas, enquanto a segunda os repetia e se valia deles para atuar. A propósito, era um caso típico de um grande número de neuroses de pessoas jovens que são classificadas de “histeria”. O caso 5, da Srta. Elisabeth von R., também não foi investigado como neurose sexual. Pude apenas expressar, sem confirmá-la, a suspeita de que uma neurastenia espinhal talvez tivesse constituído sua base | ver em [1]|.
Devo acrescentar, todavia, que nesse meio tempo as histerias puras se tornaram ainda mais raras em minha experiência. Se pude reunir esses quatro casos como de histeria e se, ao relatá-los, pude desprezar os pontos de vista que eram de importância quanto às neuroses sexuais, a razão foi que essas histórias remontam a um tempo algo distante e que, naquela época, eu ainda não submetia tais casos a uma investigação deliberada e minuciosa de sua base sexual neurótica. E se, em vez desses quatro, não relatei doze casos cuja análise proporciona uma confirmação do mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos proposto por nós, essa relutância foi exigida pelo próprio fato de que a análise revelou esses casos como sendo, simultaneamente, neuroses sexuais, embora por certo nenhum diagnosticador lhes recusasse o nome de histeria. Mas a elucidação dessas neuroses sexuais ultrapassaria os limites da presente publicação conjunta.
Eu não gostaria que se pensasse, erroneamente, que não desejo admitir que a histeria é uma afecção neurótica independente, que a considero meramente uma manifestação psíquica da neurose de angústia e que lhe atribuo apenas os sintomas “ideogênicos”, transferindo os sintomas somáticos (por exemplo, pontos histerogênicos e anestesias) para a neurose de angústia. Nada disso. Em minha opinião, é possível lidar com a histeria, liberada de qualquer mistura, como algo independente, e fazê-lo em todos os aspectos, salvo na terapêutica, pois nesta estamos voltados para uma finalidade prática - livrarmo-nos do estado patológico como um todo. E se em geral a histeria aparece como componente de uma neurose mista, essa situação se assemelha àquela em que há uma infecção mista e em que a preservação da vida cria um problema que não coincide com o de combater a ação de um agente patogênico específico.
É muito importante para mim distinguir o papel desempenhado pela histeria, no quadro das neuroses mistas, do papel desempenhado pela neurastenia, pela neurose de angústia e assim por diante, pois, uma vez feita essa distinção, poderei expressar de maneira concisa o valor terapêutico do método catártico. E isso porque me inclino a arriscar a afirmação de que esse método é, em termos teóricos, perfeitamente capaz de eliminar qualquer sintoma histérico, ao passo que, como será fácil compreender, ele é inteiramente impotente contra os fenômenos da neurastenia e só raramente e por vias indiretas, é capaz de influenciar os efeitos psíquicos da neurose de angústia. Sua eficácia terapêutica em qualquer caso específico dependerá, por conseguinte de os componentes histéricos do quadro clínico assumirem ou não uma posição de importância prática em comparação com os outros componentes neuróticos.
Existe ainda outro obstáculo à eficácia do método catártico, que já indicamos na “Comunicação Preliminar” | ver em [1]|. Ele não consegue afetar as causas subjacentes da histeria: assim, não consegue impedir que novos sintomas tomem o lugar daqueles que foram eliminados. Grosso modo, portanto, cabe-me reivindicar um lugar de destaque para nosso método terapêutico quando empregado dentro do contexto de uma terapia das neuroses, mas eu gostaria de advertir contra a apreciação de seu valor ou sua aplicação fora desse contexto. Entretanto, uma vez que não posso, nestas páginas, oferecer uma “terapia das neuroses” do tipo de que os clínicos precisam, o que acabo de dizer equivale a adiar minha visão do assunto para uma possível publicação ulterior. Penso, no entanto, poder acrescentar as seguintes observações à guisa de ampliação e elucidação.
(1) Não sustento ter de fato eliminado todos os sintomas histéricos que me dispus a influenciar pelo método catártico. Mas sou da opinião de que os obstáculos residiram nas circunstâncias pessoais das pacientes e não se deveram a qualquer questão de teoria. Sinto-me justificado a desconsiderar esses casos malsucedidos ao formar um juízo sobre o assunto, da mesma forma que um cirurgião despreza os casos de morte ocorridos sob anestesia, devido a hemorragia pós-operatória, sepsia acidental, etc., ao tomar uma decisão sobre uma nova técnica. Quando vier a abordar as dificuldades e os defeitos do processo, mais adiante, voltarei a uma consideração das falhas oriundas dessa fonte. | ver em [1].|
(2) O método catártico não deve ser considerado sem valor pelo fato de ser sintomático, e não causal, pois a rigor a terapia causal é, via de regra, uma terapia profilática; ela faz com que cessem quaisquer efeitos adicionais do agente nocivo, mas não elimina, necessariamente, os resultados que esse agente já causou. Em geral, uma segunda fase de tratamento é necessária para realizar esta segunda tarefa, e nos casos de histeria o método catártico é de valor inestimável para esse fim.
(3) Depois que um período de produção histérica, um paroxismo histérico agudo, é superado e tudo o que resta são sintomas histéricos sob a forma de fenômenos residuais, o método catártico é suficiente para todas as indicações e promove êxitos completos e permanentes. Tal quadro terapêutico favorável não raro é encontrado precisamente na esfera da vida sexual, graças às amplas oscilações da intensidade das necessidades sexuais e às complicações das condições necessárias para provocar um trauma sexual. Aqui o método catártico faz tudo o que se pode esperar dele, pois um médico não pode atribuir-se a tarefa de alterar uma constituição como a histérica. Deve contentar-se em eliminar os problemas a que tal constituição está inclinada e que podem decorrer dela em conjunto com as circunstâncias externas. Deve sentir-se satisfeito se o paciente recuperar sua capacidade de trabalho. Além disso, não precisa ficar desanimado quanto ao futuro, ao considerar a possibilidade de uma recaída. Ele está ciente do aspecto principal da etiologia das neuroses - que sua gênese é, em geral, sobredeterminada, que vários fatores precisam reunir-se para produzir esse resultado; e poderá ter esperança de que essa convergência não se repita de uma só vez, mesmo que alguns fatores etiológicos individuais permaneçam atuantes.
Talvez se possa objetar que, em casos de histeria como esse, em que a doença já completou seu curso, os sintomas residuais, de qualquer modo, desaparecem espontaneamente. Pode-se replicar, porém, que uma cura espontânea desse tipo muitas vezes não é rápida nem completa o bastante, e que pode ser ajudada num grau extraordinário por nossa intervenção terapêutica. Podemos deixar em aberto, por enquanto, a questão de se por meio da terapia catártica curamos apenas o que é passível de cura espontânea ou, algumas vezes, também o que não se teria dissipado espontaneamente.
(4) Quando nos defrontamos com uma histeria aguda, um caso que esteja atravessando o período da produção mais ativa de sintomas histéricos, no qual o ego seja constantemente subjugado pelos produtos da doença (isto é, durante uma psicose histérica), até mesmo o método catártico fará poucas alterações no aparecimento e na evolução do distúrbio. Nessas circunstâncias, vemo-nos, no que diz respeito à neurose, na mesma posição de um médico que se defronta com uma doença infecciosa aguda. Os fatores etiológicos realizaram suficientemente seu trabalho numa época que já passou e que está fora do alcance de qualquer influência; e agora, passado o período de incubação, eles se tornaram manifestos. A doença não pode ser interrompida de súbito. Temos de esperar que siga seu curso e, enquanto isso, tornar a situação do paciente tão favorável quanto possível. Quando, durante um período agudo como esse, eliminamos os produtos da doença, os sintomas histéricos recém-gerados, devemos também estar preparados para descobrir que aqueles que foram eliminados serão prontamente substituídos por outros. Não será poupado ao médico o sentimento deprimente de estar às voltas com uma tarefa de Sísifo. O imenso dispêndio de trabalho e a insatisfação da família do paciente, para quem a extensão inevitável de uma neurose aguda não tende a ser tão familiar quanto é o caso análogo de uma moléstia infecciosa aguda - em geral, estas e outras dificuldades provavelmente tornarão impossível, de qualquer modo, uma aplicação sistemática do método catártico. Não obstante, continua sendo um assunto para séria reflexão a questão de se é ou não verdade que, mesmo numa histeria aguda, a elucidação regular dos produtos da doença exerce uma influência curativa, ao apoiar o ego normal do paciente, que se acha ocupado no trabalho de defesa, e ao impedi-lo de ser subjugado e cair numa psicose, e talvez até num estado permanente de confusão.
O que o método catártico é capaz de realizar, mesmo na histeria aguda, e como pode até mesmo restringir a nova produção de sintomas patológicos, de uma forma que tem importância prática, é revelado de maneira bem clara pelo caso clínico de Anna O., em que Breuer aprendeu originalmente a empregar tal processo psicoterapêutico.
(5) Quando se trata de histerias que seguem um curso crônico, acompanhadas de uma produção moderada, mas constante, de sintomas histéricos, encontramos a mais forte razão para lamentar nossa falta de uma terapia que tenha eficácia causal, mas temos também os maiores motivos para apreciar o valor do processo catártico como terapia sintomática. Em tais casos temos que lidar com o dano produzido por uma etiologia que persiste de maneira crônica. Tudo depende de reforçar a capacidade de resistir do sistema nervoso do paciente, e devemos lembrar que a existência de um sintoma histérico significa uma diminuição da resistência do sistema nervoso e representa um fator que predispõe à histeria. Como se pode ver pelo mecanismo da histeria monossintomática, a maneira mais fácil de se formar um novo sintoma histérico é em relação e em analogia com outro que já esteja presente. O ponto no qual um sintoma já irrompeu uma vez (ver em [1]) constitui um ponto fraco onde ele irromperá novamente da vez seguinte. Um grupo psíquico que já tenha sido expelido uma vez desempenha o papel de cristal “provocador” a partir do qual se inicia, com a maior facilidade, uma cristalização que de outra forma não teria ocorrido | ver em [1]|. Eliminar os sintomas já presentes e desfazer as alterações psíquicas subjacentes a eles é devolver aos pacientes toda a sua capacidade de resistência, de modo que possam suportar com êxito os efeitos do agente prejudicial. Muito se pode fazer por esses pacientes através de uma supervisão prolongada e de uma “limpeza de chaminé” ocasional (ver em [1]).
(6) Resta-me citar a aparente contradição entre admitir que nem todos os sintomas histéricos são psicogênicos e afirmar que todos eles podem ser eliminados por um processo psicoterapêutico. A solução está no fato de que alguns desses sintomas não-psicogênicos (os estigmas, por exemplo), são, é verdade, sinais de doença, mas não podem ser classificados de moléstias e conseqüentemente não tem importância prática que eles persistam após o tratamento bem-sucedido da doença. Quanto a outros sintomas desses, parece que, de alguma forma indireta, eles são eliminados juntamente com os sintomas psicogênicos, do mesmo modo que, afinal, de alguma forma indireta dependem de uma causação psíquica.
Devo agora considerar as dificuldades e desvantagens de nosso processo terapêutico, na medida em que elas não se tornem óbvias para todos a partir dos casos clínicos relatados antes ou das observações sobre a técnica do método que se seguem mais adiante. Irei sobretudo enumerar e indicar essas dificuldades, e não entrar em pormenores sobre elas.
O processo é laborioso e exige muito tempo do médico. Pressupõe grande interesse pelos acontecimentos psicológicos, mas também um interesse pessoal pelos pacientes. Não consigo me imaginar sondando o mecanismo psíquico de uma histeria de alguém que me causasse a impressão de ser vulgar e repelente e que, num conhecimento mais íntimo, não fosse capaz de despertar solidariedade humana, ao passo que consigo manter o tratamento de um paciente tabético ou reumático, independentemente de uma aprovação pessoal desse tipo. As exigências feitas ao paciente não são menores. O processo não é de modo algum aplicável abaixo de certo nível de inteligência, sendo extremamente dificultado por qualquer vestígio de debilidade mental. A concordância e a atenção integrais dos pacientes são necessárias, mas, acima de tudo, é preciso contar com sua confiança, visto que a análise invariavelmente leva à revelação dos eventos psíquicos mais íntimos e secretos. Grande número dos pacientes que se adequariam a essa forma de tratamento abandonam o médico tão logo começam a suspeitar da direção para a qual a investigação está conduzindo. Para tais pacientes, o médico continua a ser um estranho. Com outros, que resolvem colocar-se em suas mãos e depositar sua confiança nele - um passo que em outras situações dessa natureza só é dado voluntariamente, e nunca a pedido do médico -, com esses pacientes, repito, é quase inevitável que sua relação pessoal com ele assuma indevidamente, pelo menos por algum tempo, o primeiro plano.Na verdade, parece que tal influência por parte do médico é uma condição sine qua non para a solução do problema. Não penso que faça qualquer diferença essencial, nesse sentido, se a hipnose poderá ser utilizada ou se terá que ser contornada e substituída por outra coisa. Mas a razão exige que ressaltemos o fato de que esses obstáculos, embora inseparáveis de nosso método, não podem ser atribuídos unicamente a ele. Pelo contrário, está bastante claro que eles se baseiam nas condições predeterminantes das neuroses a serem curadas e que têm de estar ligados a qualquer atividade médica que envolva uma intensa preocupação com o paciente e conduza a uma modificação psíquica nele. Não pude atribuir nenhum efeito deletério ou qualquer perigo ao emprego da hipnose, embora a tenha usado abundantemente em alguns de meus casos. Nas situações em que causei algum dano, as razões foram outras e mais profundas. Ao examinar meus esforços terapêuticos desses últimos anos, desde que as comunicações feitas por meu estimado mestre e amigo Josef Breuer me mostraram a utilidade do método catártico, creio que, apesar de tudo, fiz muito mais, e com maior freqüência, o bem do que o mal, e consegui algumas coisas que nenhum outro processo terapêutico poderia ter alcançado. De modo geral, como disse a “Comunicação Preliminar”, ele trouxe “consideráveis vantagens terapêuticas” | ver em [1]|.
Há uma outra vantagem no uso desse processo que devo ressaltar. Não conheço melhor forma de começar a compreender um caso grave de neurose complicada, com maior ou menor mistura de histeria, do que submetendo-o a uma análise pelo método de Breuer. A primeira coisa que acontece é o desaparecimento de qualquer coisa que exiba um mecanismo histérico. Entrementes, aprendi, no curso das análises, a interpretar os fenômenos residuais e a traçar-lhes a etiologia, e assim assegurei uma base firme para decidir qual das armas do arsenal terapêutico contra as neuroses é indicada no caso em questão. Ao refletir sobre a diferença que costumo encontrar entre meu julgamento sobre um caso de neurose antes e depois de uma análise, sinto-me quase inclinado a considerar a análise essencial à compreensão de uma doença neurótica. Além disso, adotei o hábito de combinar a psicoterapia catártica com uma cura de repouso, que pode, se necessário, estender-se a um tratamento completo de dieta alimentar nos moldes de Weir Mitchell. Isso me dá a vantagem de poder, por um lado, evitar a introdução muito perturbadora de novas impressões psíquicas durante a psicoterapia, e, por outro, eliminar o tédio de uma cura de repouso, na qual os pacientes não raro caemno hábito de entregar-se a devaneios prejudiciais. Poder-se-ia esperar que o trabalho psíquico, freqüentemente muito intenso, imposto aos pacientes durante um tratamento catártico, bem como as excitações resultantes da reprodução de experiências traumáticas, fossem de encontro às intenções do método da cura de repouso de Weir Mitchell e prejudicassem os êxitos que estamos acostumados a vê-lo trazer. Mas é o oposto que de fato se verifica. Uma combinação dos métodos de Breuer e de Weir Mitchell produz todas as melhoras físicas que esperamos deste último, além de ter uma influência psíquica de grande amplitude, que jamais resulta de uma cura de repouso sem psicoterapia.
(2)
Voltarei agora a minha observação anterior | ver em [1]| de que, em minhas tentativas de aplicar mais amplamente o método de Breuer, deparei com a dificuldade de que muitos pacientes não eram hipnotizáveis, embora seu diagnóstico fosse de histeria e parecesse provável que o mecanismo psíquico por nós descrito atuasse neles. Eu precisava da hipnose para ampliar-lhes a memória, a fim de descobrir as lembranças patogênicas que não estavam presentes em seu estado comum de consciência. Assim, eu era obrigado a desistir da idéia de tratar tais pacientes, ou a me esforçar por promover essa ampliação de alguma outra forma.
Eu era tão incapaz quanto qualquer outra pessoa de explicar por que uma pessoa pode ser hipnotizada e outra não, e assim não podia adotar um método causal para enfrentar essa dificuldade. Notei, contudo, que em alguns pacientes o obstáculo era ainda mais arraigado: eles recusavam até mesmo qualquer tentativa de hipnose. Ocorreu-me então, um dia, a idéia de que os dois casos poderiam ser idênticos e de que ambos poderiam significar uma indisposição: que as pessoas não hipnotizáveis eram as que faziam uma objeção psíquica à hipnose, quer sua objeção se expressasse como má vontade ou não. Não está claro para mim se posso manter este ponto de vista.
O problema, porém, estava em como contornar a hipnose e, ainda assim, obter as lembranças patogênicas. Consegui fazer isso da maneira que relato a seguir.
Quando, em nossa primeira entrevista, eu perguntava a meus pacientes se se recordavam do que tinha originariamente ocasionado o sintoma em questão, em alguns casos eles diziam não saber nada a esse respeito,enquanto, em outros, traziam à baila algo que descreviam como uma lembrança obscura e não conseguiam prosseguir. Quando, seguindo o exemplo de Bernheim ao provocar em seus pacientes impressões provenientes do estado sonambúlico que tinham aparentemente sido esquecidas (ver em [1] e seg.), eu me tornava insistente - quando lhes assegurava que eles efetivamente sabiam, que aquilo lhes viria à mente - então, nos primeiros casos, algo de fato lhes ocorria, e nos outros a lembrança avançava mais um pouco. Depois disso, eu ficava ainda mais insistente: dizia aos pacientes que se deitassem e fechassem deliberadamente os olhos a fim de se “concentrarem” - o que tinha pelo menos alguma semelhança com a hipnose. Verifiquei então que, sem nenhuma hipnose, surgiam novas lembranças que recuavam ainda mais no passado e que provavelmente se relacionavam com nosso tema. Experiências como essas fizeram-me pensar que seria de fato possível trazer à luz, por mera insistência, os grupos patogênicos de representações que, afinal de contas, por certo estavam presentes. E visto que essa insistência exigia esforços de minha parte, e assim sugeria a idéia de que eu tinha de superar uma resistência, a situação conduziu-me de imediato à teoria de que, por meio de meu trabalho psíquico, eu tinha de superar uma força psíquica nos pacientes que se opunha a que as representações patogênicas se tornassem conscientes (fossem lembradas). Uma nova compreensão pareceu abrir-se ante meus olhos quando me ocorreu que esta sem dúvida deveria ser a mesma força psíquica que desempenhara um papel na geração do sintoma histérico e que, na época, impedira que a representação patogênica se tornasse consciente. Que espécie de força poder-se-ia supor que estivesse em ação ali, e que motivo poderia tê-la posto em ação? Pude formar com facilidade uma opinião sobre isso, pois já dispunha de algumas análises concluídas em que viera a conhecer exemplos de representações que eram patogênicas e que tinham sido esquecidas e expulsas da consciência. A partir desses exemplos, reconheci uma característica universal de tais representações: eram todas de natureza aflitiva, capazes de despertar afetos de vergonha, de autocensura e de dor psíquica, além do sentimento de estar sendo prejudicado; eram todas de uma espécie que a pessoa preferiria não ter experimentado, que preferiria esquecer. De tudo isso emergiu, como que de forma automática, a idéia de defesa. Com efeito, em geral os psicólogos têm admitido que a aceitação de uma nova representação (aceitação no sentido de crer ou de reconhecer como real) depende da natureza e tendência das representações já reunidas no ego, e inventaram nomes técnicos especiais para esse processo de censura a que a nova representação deve submeter-se. O ego do paciente teria sido abordado por uma representação que se mostrara incompatível, o que provocara, por parte do ego, uma força de repulsão cuja finalidade seria defender-se da representação incompatível. Essa defesa seria de fato bem-sucedida. A representação em questão fora forçada para fora da consciência e da memória. Seu traço psíquico foi aparentemente perdido de vista. Não obstante, esse traço deveria estar ali. Quando eu me esforçava por dirigir a atenção do paciente para ele, apercebia-me, sob a forma de resistência, da mesma força que se mostrara sob a forma de repulsão quando o sintoma fora gerado. Ora, se eu pudesse fazer com que parecesse provável que a representação se tornara patogênica precisamente em conseqüência de sua expulsão e de seu recalcamento, a cadeia pareceria completa. Em várias discussões sobre nossos casos clínicos e num breve artigo sobre “As Neuropsicoses de Defesa” (1894a), tentei esboçar as hipóteses psicológicas com cuja ajuda essa ligação causal - o fato da conversão - pode ser demonstrada.
Assim, uma força psíquica, uma aversão por parte do ego, teria originariamente impelido a representação patogênica para fora da associação e agora se oporia a seu retorno à memória. O “não saber” do paciente histérico seria, de fato, um “não querer saber” - um não querer que poderia, em maior ou menor medida, ser consciente. A tarefa do terapeuta, portanto, está em superar, através de seu trabalho psíquico, essa resistência à associação. Ele o faz, em primeiro lugar, “insistindo”, usando a compulsão psíquica para dirigir a atenção dos pacientes para os traços representativos que está buscando. Seus esforços, contudo, não se esgotam aí, mas, como demonstrarei, assumem outras formas no decorrer da análise e recorrem a outras forças psíquicas para assistir-lhes.
Devo repisar um pouco mais a questão da insistência. As simples afirmações do tipo “é claro que você sabe”, “diga-me assim mesmo” ou “você logo se lembrará” não nos levam muito longe. Mesmo com pacientes num estado de “concentração”, o fio da meada se quebra após algumas frases. Não se deve esquecer, entretanto, que se trata sempre aqui de uma comparação quantitativa, de uma luta entre forças motivacionais de diferentes graus de vigor ou intensidade. A insistência por parte de um médico estranho, não familiarizado com o que está acontecendo, não é poderosa o bastante para lidar com a resistência à associação nos casos graves de histeria. Devemos pensar em meios mais vigorosos.
Nessas circunstâncias, valho-me em primeiro lugar de um pequeno artifício técnico. Informo ao paciente que, um momento depois, farei pressão sobre sua testa, e lhe asseguro que, enquanto a pressão durar, ele verá diante de si uma recordação sob a forma de um quadro, ou a terá em seus pensamentos sob a forma de uma idéia que lhe ocorra; e lhe peço encarecidamente que me comunique esse quadro ou idéia, quaisquer que sejam. Não deve guardá-los para si se acaso achar que não é o que se quer, ou não são a coisa certa, nem por ser-lhe desagradável demais contá-lo. Não deve haver nenhuma crítica, nenhuma reticência, quer por motivos emocionais, quer porque os julgue sem importância. Só assim podemos encontrar aquilo que estamos procurando, mas assim o encontraremos infalivelmente. Depois de dizer isso, pressiono por alguns segundos a testa do paciente deitado diante de mim; em seguida, relaxo a pressão e pergunto calmamente, como se não houvesse nenhuma hipótese de decepção: “que você viu?”, ou “que lhe ocorreu?”
Esse método muito me ensinou e também nunca deixou de alcançar sua finalidade. Hoje, não posso mais passar sem ele. Naturalmente, estou ciente de que a pressão na testa poderia ser substituída por qualquer outro sinal, ou por algum outro exercício de influência física sobre o paciente, mas, já que o paciente está deitado diante de mim, pressionar sua testa ou tomar-lhe a cabeça entre minhas mãos parece ser o modo mais conveniente de empregar a sugestão para a finalidade que tenho em vista. Ser-me-ia possível dizer, para explicar a eficácia desse artifício, que ele corresponde a uma “hipnose momentaneamente intensificada”, mas o mecanismo da hipnose me é tão enigmático que eu preferiria não utilizá-lo como explicação. Sou, antes, de opinião que a vantagem do processo reside no fato de que, por meio dele, desvio a atenção do paciente de sua busca e reflexão conscientes - de tudo, em suma, em que ele possa empregar sua vontade - do mesmo modo que isso é feito quando se olha fixamente para uma bola de cristal, e assim por diante. A conclusão que tiro do fato de que o que estou procurando sempre aparece sob a pressão de minha mão é a seguinte: a representação patogênica aparentemente esquecida está sempre “à mão” e pode ser alcançada por associações facilmente acessíveis. É uma simples questão de retirar algum obstáculo do caminho. Este obstáculo parece, mais uma vez, ser a vontade do sujeito, e diferentes pessoas podem aprender, com diferentes graus de facilidade, a se liberar de seu pensamento intencional e a adotar uma atitude de observação inteiramente objetiva dos processos psíquicos que nelas se verificam.
O que emerge sob a pressão de minha mão nem sempre é uma lembrança “esquecida”; apenas nos casos mais raros é que as lembranças patogênicas reais acham-se tão facilmente à mão na superfície. É muito mais freqüente o surgimento de uma representação que é um elo intermediário na cadeia de associações entre a representação da qual partimos e a representação patogênica que procuramos; ou pode ser uma representação que constitui o ponto de partida de uma nova série de pensamentos e lembranças, ao fim da qual a representação patogênica será encontrada. É verdade que, quando isso acontece, minha pressão não revela a representação patogênica - que, de qualquer modo, seria incompreensível, arrancada de seu contexto e sem que se fosse levado até ela - mas aponta o caminho para ela e indica o sentido em que se devem fazer maiores pesquisas. A representação provocada em primeiro lugar pela pressão nesses casos pode ser uma lembrança familiar que nunca foi recalcada. Quando em nosso caminho para a representação patogênica o fio se interrompe mais uma vez, é necessária apenas uma repetição do processo, da pressão, para nos dar novas orientações e um novo ponto de partida.
Ainda em outras ocasiões a pressão da mão provoca uma lembrança que é em si mesma familiar ao paciente, mas cujo surgimento o surpreende por ele ter-se esquecido de sua relação com a representação de que partimos. Essa relação é então confirmada no desenvolvimento subseqüente da análise. Todas essas conseqüências da pressão dão-nos uma impressão ilusória de haver uma inteligência superior fora da consciência do paciente, que mantém um grande volume de material psíquico organizado para fins específicos e fixou uma ordem planejada para seu retorno à consciência. Suspeito, porém, de que essa segunda inteligência inconsciente nada mais seja do que uma aparência.
Em toda análise mais ou menos complicada, o trabalho é efetuado pelo uso repetido, na verdade contínuo, desse método de pressão sobre a testa. Algumas vezes, partindo de onde a retrospectiva de vigília do paciente se interrompe, esse procedimento aponta o outro caminho a seguir através das lembranças das quais o paciente permaneceu consciente; por vezes, chama a atenção para ligações que foram esquecidas; noutras, evoca e organiza lembranças que foram retiradas das associações por muitos anos, mas que ainda podem ser reconhecidas como lembranças; e às vezes, por fim, como auge de sua realização em termos do pensamento reprodutivo, ele faz com que emerjam pensamentos que o paciente jamais reconhece como seus, dos quais nunca se recorda, embora admita que o contexto os exige inexoravelmente e se convença de que são precisamente essas idéias que levam à conclusão da análise e à eliminação de seus sintomas.
Tentarei enumerar alguns exemplos dos excelentes resultados obtidos com esse procedimento técnico.
Tratei de uma moça que sofria de intolerável tussis nervosa que se arrastava por seis anos. Sua tosse obviamente se alimentava de qualquer catarro comum, mas, não obstante, devia ter fortes motivações psíquicas. Todos os outros tipos de terapia há muito se haviam mostrado impotentes contra ela. Portanto, tentei eliminar o sintoma por meio da análise psíquica. Tudo o que a jovem sabia era que sua tosse nervosa começara quando, na idade de quatorze anos, ela estava morando com uma tia. Ela sustentava não saber de quaisquer agitações mentais naquela época, e não acreditava que houvesse nenhum motivo para sua queixa. Sob a pressão de minha mão, ela se lembrou, em primeiro lugar, de um grande cachorro. Em seguida, reconheceu o quadro em sua memória: era um cão de sua tia que ficara afeiçoado à paciente, acompanhava-a por toda parte, e assim por diante. E então lhe ocorreu, sem maior instigação, que esse cão havia morrido, que as crianças o enterraram com solenidade e que a tosse havia começado na volta do enterro. Perguntei-lhe por que, mas tive mais uma vez que recorrer à ajuda da pressão. Veio-lhe então o seguinte pensamento: “Agora estou inteiramente só no mundo. Ninguém aqui me ama. Esse animal era meu único amigo, e agora eu o perdi.” Prosseguiu com sua história: “A tosse desapareceu quando deixei a casa de minha tia, mas voltou dezoito meses depois.” “Por quê?” “Não sei.” Usei novamente a pressão. Ela se lembrou da notícia da morte do tio, quando a tosse começara de novo, e também se lembrou de ter tido uma cadeia de pensamentos semelhante. O tio parece ter sido o único membro da família que mostrara qualquer afeição por ela, que a havia amado. Ali estava, portanto, a representação patogênica. Ninguém a amava, preferiam qualquer outro a ela, ela não merecia ser amada, e assim por diante. Mas havia alguma coisa vinculada à representação de “amor” que ela mostrava forte resistência em me contar. A análise foi interrompida antes que isso fosse esclarecido.
Há algum tempo pediram-me que aliviasse uma senhora idosa de seus ataques de angústia, embora, a julgar por seus traços de caráter, ela dificilmente se prestasse a um tratamento dessa espécie. Desde a menopausa ela ficara excessivamente devota, e em cada visita costumava receber-me armada de um pequeno crucifixo de marfim oculto em sua mão, como se eu fosse o Demônio. Seus ataques de angústia, que eram de natureza histérica, remontavam aos primeiros anos da juventude e, de acordo com a paciente, haviam-se originado do uso de um preparado de iodo destinado a reduzir um discreto crescimento de sua tireóide. Naturalmente, rejeitei essa origem e tentei encontrar outra que se harmonizasse melhor com meus pontos de vista sobre a etiologia das neuroses. Pedi-lhe primeiro que me desse alguma impressão de sua juventude que tivesse uma relação causal com seus ataques de angústia e, sob a pressão de minha mão, surgiu a lembrança de ela ter lido o que é chamado de livro “edificante”, no qual se fazia uma menção, em tom suficientemente respeitoso, aos processos sexuais. O trecho em questão causara na moça uma impressão inteiramente oposta à intenção do autor: ela irrompera em lágrimas e arremessara o livro para longe. Isso foi antes de seu primeiro ataque de angústia. Uma segunda pressão sobre a testa da paciente evocou outra reminiscência - a lembrança de um tutor de seus irmãos que havia manifestado grande admiração por ela, e por quem ela própria nutrira sentimentos um tanto calorosos. Essa lembrança culminou com a reconstituição de uma noite na casa de seus pais, quando todos se haviam sentado em torno da mesa com o rapaz e se haviam divertido imensamente numa animada conversa. Na madrugada seguinte a essa noite, ela foi despertada por seu primeiro ataque de angústia, que, pode-se afirmar com segurança, teve mais a ver com o repúdio de um impulso sensual do que com quaisquer doses concomitantes de iodo. - Que perspectiva teria eu tido, com qualquer outro método, de revelar tal ligação, contra suas próprias opiniões e asserções, nessa paciente recalcitrante que tinha tantos preconceitos contra mim e contra qualquer forma de terapia comum?
Outro exemplo diz respeito a uma mulher jovem e bem-casada. Ainda nos primeiros anos de sua adolescência, ela costumava por algum tempo ser encontrada todas as manhãs num estado de estupor, com os membros rígidos, a boca aberta e a língua para fora; e agora, mais uma vez, estava sofrendo, ao despertar, de acessos que eram semelhantes, embora não tão graves. Como a hipnose profunda se revelou inobtenível, comecei a investigar enquanto ela estava num estado de concentração. À primeira pressão, assegurei-lhe que ela veria algo que estava diretamente relacionado com as causas de seu estado na infância. Ela era tranqüila e cooperativa. Viu mais uma vez a casa em que passara os primeiros anos de sua juventude, seu próprio quarto, a posição de sua cama, a avó, que morava com eles naquela época, e uma de suas governantas, de quem gostava muito. Algumas pequenas cenas, todas sem importância, ocorridas nesses aposentos e em meio a essas pessoas, sucederam-se umas às outras; terminaram com a partida da governanta, que fora embora para se casar. Não pude depreender absolutamente nada dessas reminiscências; não consegui estabelecer nenhuma relação entre elas e a etiologia dos ataques. Várias circunstâncias mostravam, contudo, que elas pertenciam ao mesmo período em que os ataques haviam surgido. Mas antes que eu pudesse prosseguir na análise, tive oportunidade de conversar com um colega que, anos antes, fora o médico da família dos pais de minha paciente. Ele me deu a seguinte informação: na época em que tratara da menina por causa de seus primeiros ataques, ela se aproximava da maturidade e já era muito desenvolvida fisicamente, e ele ficara surpreso com a excessiva afetuosidade que havia na relação entre ela e a governanta que estava na casa na ocasião. Ficara desconfiado e induziu a avó a manter vigilância sobre aquele relacionamento. Após um curto período, a senhora pôde informá-lo de que a governanta tinha o hábito de visitar a menina na cama à noite e que, após essas noites, a criança era invariavelmente encontrada na manhã seguinte presa de um ataque. Depois disso, não hesitaram em providenciar o discreto afastamento dessa corruptora de jovens. As crianças e até mesmo a mãe foram levadas a crer que a governanta partira a fim de se casar. - Minha terapia, que teve sucesso imediato, consistiu em transmitir à jovem senhora as informações que eu recebera.
Às vezes, as revelações que se obtêm através do método da pressão aparecem de forma muito marcante e em circunstâncias que tornam ainda mais tentadora a suposição de haver uma inteligência inconsciente. Assim, lembro-me de uma senhora que sofrera durante muitos anos de obsessões e fobias e que me indicou a infância como gênese de sua moléstia, mas que era também totalmente incapaz de dizer a que se poderia atribuir a culpa por esta última. Ela era franca e inteligente e opunha apenas uma resistência consciente notavelmente pequena. (Posso observar entre parênteses que o mecanismo psíquico das obsessões tem uma afinidade interna muito grande com os sintomas histéricos, e que a técnica de análise é a mesma para ambos.) Quando perguntei a essa senhora se vira alguma coisa ou recordara algo sob a pressão de minha mão, ela respondeu: “Nem uma coisa nem outra, mas de repente uma palavra me ocorreu.” “Uma única palavra?” “Sim, mas parece tola demais.” “De qualquer maneira, diga-a.” “Porteiro.” “Nada mais?” “Não.” Pressionei uma segunda vez e de novo uma palavra isolada lhe atravessou a mente: “Camisola.” Vi então que essa era uma nova espécie de método de resposta e, pressionando repetidas vezes, trouxe à tona o que parecia ser uma série de palavras sem sentido: “Porteiro” … “camisola” … “cama” … “carroça”. “O que significa tudo isso?”, perguntei. Ela refletiu um momento e a seguinte idéia lhe ocorreu: “Deve ser a história que acaba de me vir à mente. Quando eu tinha dez anos, e minha irmã mais velha, doze, certa noite ela enlouqueceu e teve que ser amarrada e levada para a cidade numa carroça. Lembro perfeitamente que foi o porteiro que a dominou e depois também foi com ela ao hospício.” Seguimos esse método de investigação e nosso oráculo produziu outra série de palavras que, embora não fôssemos capazes de interpretar todas, tornaram possível continuar essa história e passar para outra. Além disso, o significado dessa reminiscência ficou logo claro. A doença da irmã causara nela essa impressão tão profunda porque as duas partilhavam um segredo; dormiam no mesmo quarto e, uma noite, ambas sofreram as investidas sexuais de certo homem. A menção desse trauma sexual na infância da paciente revelou não apenas a origem de suas primeiras obsessões como também o trauma que em seguida produziu os efeitos patogênicos.
A peculiaridade desse caso estava apenas na emergência de palavras-chave isoladas, que tivemos de elaborar em frases, pois a aparente incoerência e impropriedade que caracterizavam as palavras enunciadas dessa forma oracular aplicam-se tanto às representações quanto às cenas completas que são normalmente produzidas sob minha pressão. Quando estas são acompanhadas, nunca se deixa de constatar que as reminiscências aparentemente desconexas se acham ligadas de modo estreito no pensamento e conduzem de forma bastante direta ao fator patogênico que estamos buscando. Por essa razão, apraz-me recordar um caso de análise no qual minha confiança nos produtos da pressão foi, de início, submetida a um rigoroso teste, mas depois brilhantemente justificada.
Uma jovem mulher casada, muito inteligente e aparentemente feliz, consultara-me sobre uma dor persistente no abdome, que resistia ao tratamento. Vi que a dor estava situada na parede abdominal e devia relacionar-se com indurações musculares palpáveis, e prescrevi um tratamento local. Alguns meses depois, tornei a examinar a paciente, e ela me disse: “A dor que eu sentia desapareceu após o tratamento que o senhor recomendou, e permaneceu assim por muito tempo. Mas agora ela voltou sob uma forma nervosa. Sei que é nervosa porque não é mais como eu costumava senti-la, ao fazer certos movimentos, mas só em certas ocasiões - por exemplo, quando acordo de manhã e quando fico agitada de certas maneiras.” O diagnóstico dessa jovem senhora estava certo. Tratava-se agora de descobrir a causa da dor, e ela não conseguiu ajudar-me nisso enquanto se achava num estado de consciência não influenciado. Quando lhe perguntei, em concentração e sob a pressão de minha mão, se algo lhe ocorria ou se via alguma coisa, ela me disse estar vendo e começou a descrever suas imagens visuais. Viu algo como um sol cheio de raios, que naturalmente tomei como um fosfeno produzido pela pressão nos olhos. Eu esperava que algo mais útil se seguisse. Mas ela prosseguiu: “Estrelas de uma curiosa luz azul-pálido, como o luar” e assim por diante, que julguei não serem mais do que cintilações, clarões e pontos brilhantes diante dos seus olhos. Já estava preparado para considerar a experiência como um fracasso e imaginava como poderia fazer uma retirada discreta do caso, quando minha atenção foi atraída por um dos fenômenos que ela descreveu. Viu uma grande cruz negra, inclinada, que tinha em volta de seus contornos o mesmo brilho luminoso com que todos os seus outros quadros haviam brilhado, e em cuja viga transversal bruxuleava uma pequena chama. Era claro que não podia mais tratar-se de um fosfeno. Passei então a escutar com atenção. Inúmeros quadros apareceram banhados na mesma luz, sinais curiosos que se pareciam muito com o sânscrito; figuras como triângulos, entre elas um grande triângulo; de novo a cruz… Dessa vez, suspeitei de um significado alegórico e perguntei o que poderia ser a cruz. “Provavelmente significa sofrimento”, respondeu. Objetei que por “cruz” em geral se quer dizer responsabilidade moral. Que estaria oculto por trás do sofrimento? Ela não soube dizer e prosseguiu com suas visões: um sol com raios dourados. E a isso também pôde interpretar: “É Deus, a força primeva.” Surgiu então um lagarto gigantesco que a contemplava de maneira inquisidora, mas não alarmante. A seguir, um grande número de cobras. Depois, mais uma vez, um sol, mas de raios suaves e prateados, e à sua frente, entre ela e essa fonte de luz, uma grade que escondia dela o centro do sol. Eu já sabia há algum tempo que estava lidando com alegorias e de imediato perguntei qual o sentido dessa última imagem. Ela respondeu sem hesitar: “O sol é a perfeição, o ideal, e a grade representa minhas fraquezas e falhas, que se interpõem entre mim e o ideal.” “A senhora está então se recriminando? Está insatisfeita consigo mesma?” “Na verdade, estou.” “Desde quando?” “Desde que passei a ser membro da Sociedade Teosófica e tenho lido suas publicações. Sempre me tive em baixa conta.” “O que lhe causou a mais forte impressão recentemente?” “Uma tradução do sânscrito que agora mesmo está saindo em fascículos.” Um momento depois eu era introduzido em suas lutas mentais e suas auto-recriminações e ouvia o relato de um episódio insignificante que dera margem à autocensura - uma ocasião na qual o que antes fora uma dor orgânica surgiu pela primeira vez como conseqüência da conversão de uma excitação. Os quadros que eu a princípio tomara por fosfenos eram símbolos de seqüências de representações influenciadas pelas ciências ocultas e, na verdade, talvez fossem emblemas provenientes das páginas de frontispício de livros de ocultismo.
Até aqui, tenho sido tão entusiasmado em meus louvores aos resultados da pressão como método auxiliar, e durante todo o tempo tenho negligenciado de tal maneira o aspecto da defesa ou resistência que, sem dúvida, deve ter dado a impressão de que esse pequeno artifício nos deixou em condições de dominar os obstáculos psíquicos a um tratamento catártico. Mas acreditar nisso seria cometer um grave erro. Êxitos dessa espécie, pelo que sei, não devem ser procurados no tratamento. Aqui, com em tudo o mais, uma grande mudança exige um grande volume de trabalho. A técnica da pressão nada mais é do que um truque para apanhar temporariamente desprevenido um ego ansioso por defender-se. Em todos os casos mais ou menos graves o ego torna a relembrar seus objetivos e oferece resistência.
Preciso mencionar as diferentes formas em que surge essa resistência. Uma delas é que, em geral, a técnica da pressão falha na primeira ou segunda ocasião. O paciente então declara, com grande desapontamento: “Esperava que alguma coisa me ocorresse, mas tudo em que pensei foi no grau de tensão com que estava esperando por isso. Não surgiu nada.” O fato de o paciente pôr-se assim em guarda ainda não chega a constituir um obstáculo. Podemos dizer em resposta: “é precisamente porque você estava curioso demais: da próxima vez dará resultado.” E de fato dá. É notável a freqüência com que os pacientes, mesmo os mais dóceis e inteligentes, conseguem esquecer-se por completo de seu compromisso, embora tenham concordado com ele de antemão. Uns prometem dizer o que quer que lhes ocorra sob a pressão de minha mão, independentemente de lhes parecer pertinente ou não e de lhes ser ou não agradável dizê-lo - isto é, prometem dizê-lo sem selecionar e sem serem influenciados pela crítica ou pelo afeto. Mas não cumprem essa promessa; evidentemente, fazê-lo está além de suas forças. O trabalho torna a ser paralisado, e eles continuam a dizer que dessa vez nada lhes ocorreu. Não devemos crer no que dizem; devemos sempre presumir, e dizer-lhes também, que eles retiveram algo porque o julgaram sem importância ou o acharam aflitivo. Devemos insistir nisso, devemos repetir a pressão e representar o papel de infalíveis, até que afinal nos contem alguma coisa. O paciente então acrescenta: “Eu poderia ter-lhe dito isso desde a primeira vez.” “Por que não disse?” “Não consegui acreditar que pudesse ser isso. Foi só quando continuou voltando todas as vezes que resolvi dizê-lo.” Ou então: “Esperava que não fosse logo isso. Eu poderia muito bem passar sem dizê-lo.Foi só quando isso se recusou a ser repelido que vi que não devia desprezá-lo.” Assim, a posteriori, o paciente trai os motivos de uma resistência que, de início, se recusava a admitir. É evidente que ele é incapaz de fazer outra coisa senão opor resistência.
Essa resistência muitas vezes se oculta por trás de notáveis desculpas. “Minha cabeça hoje está distraída; o relógio (ou o piano da sala ao lado) está me perturbando.” Aprendi a responder a tais observações: “De modo algum. Neste momento você esbarrou em alguma coisa que preferiria não dizer. Isso não lhe fará nenhum bem. Continue a pensar nela.” Quanto mais longa a pausa entre a pressão de minha mão e o momento em que o paciente começa a falar, mais desconfiado fico e mais se deve temer que o paciente esteja reorganizando o que lhe surgiu e o esteja mutilando em sua reprodução. Uma informação importantíssima é muitas vezes anunciada como sendo um acessório redundante, como um príncipe de ópera disfarçado de mendigo. “Agora me ocorreu uma coisa, mas não tem nada a ver com o assunto. Só estou lhe dizendo porque o senhor quer saber de tudo.” Palavras como essas em geral introduzem a solução há muito procurada. Sempre aguço os ouvidos quando ouço um paciente falar de forma tão depreciativa de algo que lhe ocorreu, pois é sinal de que a defesa foi bem-sucedida se as representações patogênicas parecem ter tão pouca importância ao reemergiram. Disso podemos inferir em que consistiu o processo de defesa: consistiu em transformar uma representação forte numa representação fraca, em roubá-la de seu afeto.
Portanto, uma lembrança patogênica é reconhecível, entre outras coisas, pelo fato de o paciente a descrever como sem importância e, não obstante, só enunciá-la sob resistência. Também existem casos em que o paciente tenta renegá-la mesmo após seu retorno. “Agora me ocorreu uma coisa, mas é óbvio que foi o senhor que a pôs em minha cabeça.” Ou então: “Sei o que o senhor espera que eu responda. É claro que acredita que pensei nisto ou naquilo.” Um método particularmente hábil de recusa está em dizer: “Agora me ocorreu uma coisa, é verdade, mas é como se eu a tivesse provocado de propósito. Não parece de modo algum ser um pensamento reproduzido.” Em todos esses casos, permaneço inabalavelmente firme. Evito entrar em qualquer uma dessas distinções, mas explico ao paciente que elas são apenas formas de sua resistência e pretextos por ela levantados contra a reprodução dessa lembrança em particular, que devemos reconhecer apesar de tudo isso.
Quando as lembranças retornam sob a forma de imagens, nossa tarefa costuma ser mais fácil do que quando voltam como pensamentos. Os pacientes histéricos, que em geral são do tipo “visual”, não oferecem tantas dificuldades ao analista quanto aqueles que têm obsessões.
Uma vez surgida uma imagem na memória do paciente, podemos ouvi-lo dizer que ela vai se tornando fragmentada e obscura à medida que ele continua a descrevê-la. O paciente está, por assim dizer, livrando-se dela ao transformá-la em palavras. Passamos a examinar a própria imagem lembrada para descobrir a direção em que nosso trabalho deve prosseguir. “Olhe para a imagem mais uma vez. Ela desapareceu?” “A maior parte, sim, mas ainda vejo um detalhe.” “Então esse resíduo ainda deve significar alguma coisa. Ou você verá alguma coisa nova além dele, ou algo lhe ocorrerá em ligação com ele.” Realizado esse trabalho, o campo de visão do paciente volta a ficar limpo e podemos evocar outro quadro. Em outras ocasiões, porém, uma dessas imagens permanece obstinadamente diante da visão interior do paciente, apesar de ele a ter descrito; para mim, isso é um indício de que ele ainda tem algo importante a me dizer sobre o tema da imagem. Tão logo isso é feito, a imagem desaparece, como um fantasma que fosse exorcizado.
Naturalmente, é de grande importância para o progresso da análise que o analista sempre mostre ter razão diante do paciente, caso contrário ficará sempre na dependência do que este resolver contar. Assim, é reconfortante saber que a técnica da pressão na verdade nunca falha, afora um único caso, que terei de examinar depois | ver em [1] e segs.|, mas do qual posso dizer desde logo que corresponde a um motivo particular para a resistência. Pode acontecer, é claro, que se faça uso do método em circunstâncias em que ele nada tenha a revelar. Por exemplo, podemos procurar a etiologia adicional de um sintoma quando já o temos por completo diante de nós, ou podemos investigar a genealogia psíquica de um sintoma, como uma dor, que de fato seja somático. Nesses casos, o paciente também afirmará que nada lhe ocorreu, e dessa vez terá razão. Podemos evitar cometer injustiças contra o paciente se nos habituarmos, como norma geral durante toda a análise, a observar-lhe a expressão facial quando ele estiver deitado em silêncio diante de nós. Assim poderemos aprender a distinguir sem dificuldade o sereno estado de ânimo que acompanha a verdadeira ausência de lembranças, da tensão e dos sinais de emoção com que ele tenta recusar a lembrança emergente, em obediência à defesa. Além disso, experiências como essa também possibilitam o uso da técnica da pressão para fins de diagnóstico diferencial.
Assim, mesmo com a assistência da técnica da pressão, de maneira alguma o trabalho é fácil. A vantagem que obtemos é descobrir, pelos resultados desse método, a direção em que temos de conduzir nossas indagações e as coisas em que temos de insistir junto ao paciente. Em alguns casos isso basta. O ponto principal é que devo adivinhar o segredo e dizê-lo diretamente ao paciente, sendo ele, em geral, obrigado a não mais rejeitá-lo.Em outros casos, mais alguma coisa é necessária. A persistente resistência do paciente é indicada pelo fato de que as ligações se interrompem, as soluções não aparecem e as imagens são recordadas de forma indistinta e incompleta. Voltando a olhar de um período posterior para um período anterior da análise, muitas vezes ficamos atônitos diante da maneira mutilada com que surgiram todas as idéias e cenas que extraímos do paciente pelo método da pressão. Precisamente os elementos essenciais do quadro estavam faltando - a relação do quadro com o próprio paciente ou com os principais conteúdos de seus pensamentos - e eis por que ele permanecia ininteligível.
Darei um ou dois exemplos da forma pela qual uma censura dessa espécie atua quando surgem pela primeira vez as lembranças patogênicas. Por exemplo, o paciente vê a parte superior de um corpo de mulher com o vestido mal fechado - por descuido, parece. Só muito depois é que ele coloca uma cabeça nesse tronco e assim revela uma determinada pessoa e sua relação com ela. Ou ele evoca de sua infância uma reminiscência sobre dois meninos. A aparência deles lhe é inteiramente obscura, mas ele diz que são culpados de algum malfeito. Só muitos meses depois, após a análise ter feito grandes progressos, é que ele revê essa reminiscência e se reconhece numa das crianças, e seu irmão na outra.
De que meios dispomos para superar essa resistência contínua? Poucos, mas abrangem quase todos pelos quais um homem pode comumente exercer uma influência psíquica sobre outro. Em primeiro lugar, devemos refletir que a resistência psíquica, em especial uma que esteja em vigor há muito tempo, só pode ser dissipada com lentidão, passo a passo, e devemos esperar com paciência. Em segundo lugar, podemos contar com o interesse intelectual que o paciente começa a sentir após trabalhar por um curto espaço de tempo. Explicando-lhe as coisas, dando-lhe informações sobre o mundo maravilhoso dos processos psíquicos que nós mesmos só começamos a discernir através dessas análises, nós o transformamos num colaborador, induzimo-lo a encarar a si mesmo com o interesse objetivo de um pesquisador e assim afastamos sua resistência, que repousa, de fato, numa base afetiva. Mas por último - e essa continua a ser a alavanca mais poderosa - devemos nos esforçar, depois de descobrirmos os motivos de sua defesa, por despojá-los de seu valor ou mesmo substituí-los por outros mais poderosos. É aqui, sem dúvida, que deixa de ser possível enunciar a atividade psicoterapêutica em fórmulas. Trabalha-se com o melhor da própria capacidade, como elucidador (ali onde a ignorância deu origem ao medo), como professor, como representante de um visão mais livre ou superior do mundo, como um padre confessor que ministra a absolvição, por assim dizer, pela permanência de sua compreensão e de seu respeito depois de feita a confissão. Tenta-se dar ao paciente assistência humana, até o ponto em que isso é permitido pela capacidade da própria personalidade de cada um e pela dose de compreensão que se possa sentir por cada caso específico. É uma precondição essencial para tal atividade psíquica que tenhamos mais ou menos adivinhando a natureza do caso e os motivos da defesa que nele atuam, e felizmente a técnica da insistência e da pressão nos leva até esse ponto. Quanto mais tenhamos solucionado tais enigmas, mais fácil achamos decifrar um novo enigma e mais cedo podemos iniciar o trabalho psíquico verdadeiramente curativo. Pois é bom reconhecer uma coisa com clareza: o paciente só se livra do sintoma histérico ao reproduzir as impressões patogênicas que o causaram e ao verbalizá-las com uma expressão de afeto; e assim a tarefa terapêutica consiste unicamente em induzi-lo a agir dessa maneira; uma vez realizada essa tarefa, nada resta ao médico para corrigir ou eliminar. O que quer que se faça necessário para esse fim em termos de contra-sugestões já terá sido despendido durante a luta contra a resistência. A situação pode ser comparada ao destrancamento de uma porta trancada, depois de sua abertura girando a maçaneta, não oferece nenhuma outra dificuldade.
Além das motivações intelectuais que mobilizamos para superar a resistência, há um fator afetivo, a influência pessoal do médico, que raramente podemos dispensar, e em diversos casos só este último fator está em condições de eliminar a resistência. A situação aqui não é diferente da que se pode encontrar em qualquer setor da medicina, não havendo processo terapêutico sobre o qual possamos dizer que dispensa por completo a cooperação desse fator pessoal.
(3)
Em vista do que disse na seção precedente sobre as dificuldades de minha técnica, que expus extensamente (reuni-as, aliás, a partir dos casos mais graves; as coisas muitas vezes se passam de maneira muito mais conveniente) - em vista de tudo isso, portanto, sem dúvida, todos hão de sentir-se inclinados a perguntar se não seria mais vantajoso, em vez de enfrentar todas essas complicações, fazer uso mais enérgico da hipnose ou restringir o emprego do método catártico a pacientes que possam ser colocados em hipnose profunda. Quanto à segunda proposta, eu teria de responder que, nesse caso, o número de pacientes apropriados, até onde vai minha habilidade, seria por demais reduzido; e quanto ao primeiro conselho,desconfio de que a imposição forçada da hipnose não nos pouparia de muita resistência. Minhas experiências nesse aspecto, curiosamente, não têm sido numerosas, e não posso, portanto, ir além de uma suspeita. Mas nas situações em que apliquei um tratamento catártico sob hipnose, em vez de concentração, não achei que isso diminuísse o trabalho que eu tinha a executar. Não faz muito tempo, concluí um tratamento dessa espécie, e em seu decorrer fiz com que uma paralisia histérica das pernas desaparecesse. A paciente passava para um estado muito diferente, psiquicamente, do de vigília, e que no aspecto físico se caracterizava pelo fato de que lhe era impossível abrir os olhos ou levantar-se até que eu lhe dissesse em voz alta: “Agora, acorde!” Não obstante, jamais me defrontei com maior resistência do que nesse caso. Eu não atribuía nenhuma importância a esses sinais físicos e, ao aproximar-se o final do tratamento, que durou dez meses, eles haviam deixado de ser dignos de nota. Mas, apesar disso, o estado da paciente enquanto trabalhávamos não perdeu nenhuma de suas características psíquicas - a capacidade que possuía de lembrar-se de material inconsciente e sua relação toda especial com a figura do médico. Por outro lado, dei um exemplo, no relato do caso da Sra. Emmy von N., de um tratamento catártico no mais profundo sonambulismo, no qual a resistência mal chegou a desempenhar qualquer papel. Mas também é verdade que nada ouvi dessa senhora cujo relato pudesse ter exigido qualquer superação especial de objeções, nada que ela não me pudesse ter dito mesmo em estado de vigília, supondo-se que nos conhecêssemos há algum tempo e que ela me tivesse razoavelmente em boa conta. Nunca cheguei às verdadeiras causas de sua doença, que sem dúvida foram idênticas às causas de sua recaída após meu tratamento (pois essa foi minha primeira tentativa com esse método); e na única ocasião em que me aconteceu pedir-lhe uma reminiscência que envolvesse um elemento erótico | ver em [1]|, achei-a tão relutante e indigna de confiança no que me dizia quanto o foram, mais tarde, quaisquer de meus pacientes não sonambúlicos. Já me referi, no relato do caso dessa senhora, à resistência que ela opunha, mesmo durante o sonambulismo, a outras solicitações e sugestões minhas. Tornei-me inteiramente cético quanto ao valor da hipnose na facilitação dos tratamentos catárticos, visto ter vivenciado situações em que, durante o sonambulismo profundo, houve absoluta recalcitrância terapêutica, ao passo que em outros aspectos o paciente era perfeitamente obediente. Relatei casos, de modo resumido, em [1] e poderia acrescentar outros. Posso também admitir que essa experiência correspondeu bastante bem ao requisito em que insisto, no sentido de que deve haver uma relação quantitativa entre causa e efeito também no campo psíquico |assim como no físico|.
No que afirmei até agora, a idéia de resistência se impôs no primeiro plano. Demonstrei como, no curso de nosso trabalho terapêutico, fomos levados à visão de que a histeria se origina por meio do recalcamento de uma idéia incompatível, de uma motivação de defesa. Segundo esse ponto de vista, a idéia recalcada persistiria como um traço mnêmico fraco (de pouca intensidade), enquanto o afeto dela arrancado seria utilizado para uma inervação somática. (Em outras palavras, a excitação é “convertida”.) Ao que parece, portanto, é precisamente por meio de seu recalcamento que a idéia se transforma na causa de sintomas mórbidos - ou seja, torna-se patogênica. Pode-se dar a designação de “histeria de defesa” à histeria que exiba esse mecanismo psíquico.
Ora, tanto eu como Breuer temo-nos referido muitas vezes a duas outras espécies de histeria, para as quais introduzimos as expressões “histeria hipnóide” e “histeria de retenção”. Foi a histeria hipnóide a primeira de todas a entrar em nosso campo de estudo. Eu não poderia, de fato, encontrar melhor exemplo dessa histeria do que no primeiro caso de Breuer, que encabeça a exposição de nossos casos clínicos. Breuer propôs para esses casos de histeria hipnóide um mecanismo psíquico substancialmente diferente do de defesa por conversão. Segundo a visão de Breuer, o que acontece na histeria hipnóide é que uma idéia se torna patogênica por ter sido recebida durante um estado psíquico especial e permanecido desde o início fora do ego. Portanto, não foi necessária nenhuma força psíquica para mantê-la fora do ego, e nenhuma resistência precisa ser despertada quando a induzimos no ego com a ajuda da atividade mental durante o sonambulismo. E o caso de Anna O. de fato não mostra nenhum sinal de uma resistência dessa natureza.
Considero de tal importância essa distinção que, com base nela, alio-me de bom grado a essa hipótese da existência de uma histeria hipnóide. Estranhamente, em minha própria experiência, nunca deparei com uma histeria hipnóide autêntica. Todas as que aceitei para tratamento transformaram-se em histerias de defesa. A rigor, não é que eu jamais tenha tido de lidar com sintomas que comprovadamente emergiram durante estados dissociados de consciência, sendo obrigados, por esse motivo, a ficar excluídos do ego. Isso também aconteceu algumas vezes em meus casos, mas pude demonstrar, mais tarde, que o chamado estado hipnóide devia sua separação ao fato de nele haver entrado em vigor um grupo psíquico que antes fora dividido pela defesa. Em suma, é-me impossível reprimir a suspeita de que em algum ponto as raízes da histeria hipnóide e da histeria de defesa se reúnem, e que seu fator primário é a defesa. Mas nada posso dizer a esse respeito.
Meu julgamento é, no momento, igualmente incerto quanto à “histeria de retenção”, na qual se supõe que o trabalho terapêutico também se processe sem resistência. Tive um caso que encarei como uma típica histeria de retenção e exultei com a perspectiva de um êxito fácil e certo. Mas esse êxito não ocorreu, embora o trabalho fosse efetivamente fácil. Suspeito, portanto, embora mais uma vez com todas as ressalvas próprias da ignorância, de que também na base da histeria de retenção também haja um elemento de defesa que tenha forçado todo o processo na direção da histeria. É de se esperar que novas observações logo venham decidir se estou correndo o risco de incidir em parcialidade e erro ao favorecer assim a extensão do conceito de defesa para toda a histeria.
Tratei até agora das dificuldades e da técnica do método catártico e gostaria de acrescentar algumas indicações quanto à forma assumida pela análise quando essa técnica é adotada. Para mim, isto é um assunto altamente interessante, mas não posso esperar que desperte interesse semelhante em outros, que ainda não efetuaram uma análise dessa espécie. Estarei, é verdade, referindo-me mais uma vez à técnica, mas desta vez falarei das dificuldades inerentes pelas quais não podemos responsabilizar os pacientes e que, em parte, devem ser as mesmas tanto numa histeria hipnóide ou de retenção quanto nas histerias de defesa que tenho diante dos olhos como modelo. Abordo esta última parte de minha exposição na expectativa de que as características psíquicas a serem nela reveladas possam um dia adquirir certo valor como matéria-prima para a dinâmica da representação.
A primeira e mais poderosa impressão causada numa dessas análises é com certeza a de que o material psíquico patogênico aparentemente esquecido, que não se acha à disposição do ego e não desempenha nenhum papel na associação e na memória, não obstante está de algum modo à mão, e em ordem correta e adequada. Trata-se apenas de remover as resistências que barram o caminho para o material. Em outros sentidos esse material é conhecido, da mesma forma como somos capazes de conhecer qualquer coisa; as ligações corretas entre as representações separadas e entre elas e as não-patogênicas, que são lembradas com freqüência, existem, foram completadas em alguma época e estão armazenadas na memória. O material psíquico patogênico parece constituir o patrimônio de uma inteligência não necessariamente inferior à de um ego normal. A aparência de uma segunda personalidade é muitas vezes apresentada da maneira mais enganosa.
Se essa impressão é justificada, ou se, ao pensar nela, estamos atribuindo ao período da doença um arranjo do material psíquico que na verdade foi feito após a recuperação - essas são perguntas que eu preferiria não discutir ainda, e não nestas páginas. De qualquer modo, as observações feitas durante tais análises serão descritas de modo mais claro e convincente se as considerarmos a partir da posição que nos é possível assumir após a recuperação, com a finalidade de examinar o caso como um todo.
Em geral, de fato, a situação não é tão simples como a representamos nos casos específicos - por exemplo, quando existe apenas um sintoma surgido de um trauma principal. Não costumamos encontrar um sintoma histérico único, mas muitos deles, em parte independentes uns dos outros e em parte ligados. Não devemos esperar encontrar uma lembrança traumática única e uma idéia patogênica única como seu núcleo; devemos estar preparados para sucessões de traumas parciais e concatenações de cadeias patogênicas de idéias. A histeria traumática monossintomática é, por assim dizer, um organismo elementar, uma criatura unicelular, em comparação com a estrutura complexa de tais neuroses relativamente graves com que costumamos deparar.
O material psíquico nesses casos de histeria apresenta-se como uma estrutura em várias dimensões, estratificada de pelo menos três maneiras diferentes. (Espero logo poder justificar essa forma pictórica de expressão.) Para começar, há um núcleo que consiste em lembranças de eventos ou seqüências de idéias em que o fator traumático culminou, ou onde a idéia patogênica encontrou sua manifestação mais pura. Em torno desse núcleo encontramos o que é muitas vezes uma quantidade incrivelmente grande de outro material mnêmico que tem de ser elaborado na análise e que está, como dissemos, arranjado numa ordem tríplice.
Em primeiro lugar, há uma inconfundível ordem cronológica linear que vigora em cada tema isolado. Como exemplo disso, apenas citarei o arranjo do material na análise de Anna O. por Breuer. Tomemos o tema do ensurdecimento, do não ouvir. Este se diferenciou de acordo com sete conjuntos de determinantes, e em cada um desses sete tópicos foram coletadas em seqüência cronológica dez a mais de cem lembranças individuais (ver em [1]-[2]). Foi como se estivéssemos examinando um arquivo que fosse mantido em perfeita ordem. A análise de minha paciente Emmy von N. continha arquivos semelhantes de lembranças, embora não fossem enumerados e descritos de forma tão completa. Esses arquivos são um traço bastante geral de cada análise, e seu conteúdo sempre emerge numa ordem cronológica tão infalivelmente fidedigna quanto a sucessão dos dias da semana ou dos meses numa pessoa mentalmente normal. Eles dificultam o trabalho da análise pela peculiaridade de que, ao reproduzirem as lembranças, invertem a ordem em que estas se originaram. A experiência mais recente e mais nova do arquivo aparece em primeiro lugar, como uma capa externa, e por último vem a experiência com a qual a seqüência de fatos realmente começou.
Descrevi esses agrupamentos de lembranças semelhantes, em coleções dispostas em seqüências lineares (como um arquivo de documentos, um maço de papéis, etc.) como constituindo “temas”. Esses temas exibem um segundo tipo de arranjo. Cada um deles está - não sei expressá-lo de outra forma - concentricamente estratificado em torno do núcleo patogênico. Não é difícil dizer o que produz essa estratificação, qual a magnitude decrescente ou crescente que é a base desse arranjo. O conteúdo de cada camada caracteriza-se por um grau igual de resistência, e esse grau aumenta na proporção em que as camadas se acham mais perto do núcleo. Assim, há zonas dentro das quais existe um grau idêntico de modificação da consciência, e os diferentes temas estendem-se através dessas zonas. As camadas mais periféricas contêm as lembranças (ou arquivos), as quais, pertencendo a temas diferentes, são recordados com facilidade e sempre estiveram claramente conscientes. Quanto mais nos aprofundamos, mais difícil se torna o reconhecimento das lembranças emergentes, até que, perto do núcleo, esbarramos em lembranças que o paciente renega até mesmo ao reproduzi-las.
É essa peculiaridade da estratificação concêntrica do material psíquico patogênico que, como veremos, confere ao decorrer dessas análises seus traços característicos. É preciso mencionar ainda uma terceira espécie de arranjo - a mais importante, porém aquela sobre a qual é menos fácil fazer qualquer afirmação genérica. O que tenho em mente é um arranjo de acordo com o conteúdo do pensamento, a ligação feita por um fio lógico que chega até o núcleo e tende a seguir um caminho irregular e sinuoso, diferente emcada caso. Esse arranjo possui um caráter dinâmico, em contraste com o caráter morfológico das duas estratificações mencionadas acima. Enquanto estas seriam representadas num diagrama espacial por uma linha contínua, curva ou reta, o curso da cadeia lógica teria de ser indicado por uma linha interrompida, que passaria pelos caminhos mais indiretos, indo e vindo da superfície até as camadas mais profundas, e contudo, de modo geral, avançaria da periferia para o núcleo central, tocando em cada ponto de parada intermediário - uma linha semelhante à linha em ziguezague na solução de um problema do lance do cavalo, que atravessa os quadrados do diagrama no tabuleiro de xadrez.
Devo demorar-me um pouco mais neste último símile para enfatizar um ponto em que ele não faz justiça às características do objeto da comparação. A cadeia lógica corresponde não apenas a uma linha retorcida, em ziguezague, mas antes a um sistema de linhas em ramificação e, mais particulamente, a um sistema convergente. Ele contém pontos nodais em que dois ou mais fios se juntam e, a partir daí, continuam como um só; e em geral diversos fios que se estendem de forma independente, ou não, ligados em vários pontos por vias laterais, desembocam no núcleo. Em outras palavras, é notável a freqüência com que um sintoma é determinado de vários modos, é “sobredeterminado”.
Minha tentativa de demonstrar a organização do material psíquico patogênico ficará completa quando eu tiver introduzido mais uma complexidade. Pois é possível que haja mais de um único núcleo no material patogênico - quando, por exemplo, temos de analisar uma segunda irrupção da histeria que possui uma etiologia própria, mas, apesar disso, está ligada a uma primeira irrupção de histeria aguda superada anos antes. É fácil imaginar, quando é esse o caso, quantos acréscimos deve haver nas camadas e linhas de pensamento para estabelecer uma ligação entre os dois núcleos patogênicos.
Farei agora um ou dois comentários adicionais sobre o quadro da organização do material patogênico a que acabamos de chegar. Dissemos que esse material se comporta como um corpo estranho, e que também o tratamento atua como a remoção de um corpo estranho do tecido vivo. Estamos agora em condições de ver onde essa comparação fracassa. Um corpo estranho não entra em qualquer relação com as camadas de tecido que o circundam, embora as modifique e exija delas uma inflamação reativa. Nosso grupo psíquico patogênico, por outro lado, não admite ser radicalmente extirpado do ego. Suas camadas externas passam em todas as direções para partes do ego normal; e, na realidade, pertencem tanto a este quanto a organização patogênica. Na análise, a fronteira entre os dois é fixada de maneira puramente convencional, ora num ponto, ora em outro, sendo que em alguns lugares não pode em absoluto ser estabelecida. As camadas internas da organização patogênica são cada vez mais estranhas ao ego, porém mais uma vez sem que haja nenhuma fronteira visível em que se inicie o material patogênico. De fato, o organização patogênica não se comporta como um corpo estranho, porém muito mais como um infiltrado. Nesse símile, a resistência deve ser considerada como aquilo que se infiltra. E o tratamento também não consiste em extirpar algo - a psicoterapia até agora não é capaz de fazer isso - mas em fazer com que a resistência se dissolva e assim permitir que a circulação prossiga para uma região que até então esteve isolada.
(Estou usando aqui diversos símiles, dos quais todos apresentam apenas uma semelhança muito limitada com meu assunto e, além disso, são incompatíveis entre si. Estou ciente disso e não corro o perigo de superestimar seu valor. Mas meu propósito ao utilizá-los é lançar luz de diferentes direções sobre um tópico altamente complexo, que nunca foi representado até hoje. Arriscar-me-ei, portanto, nas páginas seguintes, a introduzir outros símiles da mesma maneira, embora saiba que isso não está livre de objeções.)
Se fosse possível, depois de um caso ter sido completamente elucidado, mostrar o material patogênico a outra pessoa naquilo que agora sabemos ser organização complexa e multidimensional de tal caso, com razão nos seria perguntado como foi que um camelo como esse passou pelo buraco da agulha. Pois há certa justificativa em falarmos num “desfiladeiro” da consciência. O termo ganha sentido e vida para um médico que conclua uma análise como essa. Apenas uma única lembrança de cada vez consegue entrar na consciência do ego. O paciente que esteja ocupado em elaborar tal lembrança nada vê daquilo que a está empurrando e se esquece do que já conseguiu entrar. Quando há dificuldades em dominar essa lembrança patogênica isolada - como, por exemplo, quando o paciente não relaxa sua resistência contra ela, quando tenha recalcá-la ou mutilá-la - então o desfiladeiro fica, por assim dizer, bloqueado. O trabalho fica paralisado, nada mais consegue aparecer, e a lembrança isolada que está no processo de atravessar permanece diante do paciente até que ele a tenha absorvido na amplitude de seu ego. Toda a massa especialmente ampliada de material psicogênico é assim impelida através de uma fenda estreita e chega à consciência, por assim dizer, retalhada em pedaços ou tiras. Cabe ao psicoterapeuta voltar a reunir estes últimos na organização que ele presuma ter existido. Qualquer um que sinta atração por novas analogias poderá pensar, a essa altura, num quebra-cabeças chinês.
Se tivermos que iniciar uma análise assim, em que tenhamos razões para esperar uma organização do material patogênico como essa, seremos ajudados pelo que nos ensinou a experiência, ou seja, que é inteiramente inútil tentar penetrar direto no núcleo da organização patogênica. Ainda que nós mesmos pudéssemos adivinhá-lo, o paciente não saberia o que fazer com a explicação a ele oferecida e não seria psicologicamente modificado por ela.
Não há nada a fazer senão manter-se, a princípio, na periferia da estrutura psíquica. Começamos por fazer com que o paciente nos diga aquilo que sabe e lembra, enquanto, ao mesmo tempo, já vamos direcionando sua atenção e superando suas resistências mais leves pelo uso da técnica da pressão. Sempre que tivermos aberto um novo caminho pressionando-lhe a testa, podemos esperar que ele avance mais um pouco sem nova resistência.
Depois de trabalharmos assim por algum tempo, em geral, o paciente começa a cooperar conosco. Muitas reminiscências passam então a lhe ocorrer sem que tenhamos de fazer-lhe perguntas ou fixar-lhe tarefas. O que fizemos foi abrir caminho para uma camada interna dentro da qual o paciente agora dispõe espontaneamente de um material ligado a um grau idêntico de resistência. O melhor é permitir-lhe, por algum tempo, reproduzir esse material sem ser influenciado. É verdade que ele próprio não está em condições de desvendar ligações importantes, mas se pode deixar que elucide o material que está dentro da mesma camada. As coisas que ele traz à tona dessa maneira parecem muitas vezes desconexas, mas fornecem um material que ganhará sentido quando mais tarde se descobrir uma ligação.
Nesse ponto, em geral temos de nos prevenir contra duas coisas. Se interferirmos com o paciente em sua reprodução das idéias que nele estão jorrando, poderemos “enterrar” coisas que depois terão de ser liberadas com grande dificuldade. Por outro lado, não devemos superestimar a “inteligência” inconsciente do paciente e deixar a cargo dela a direção de todo o trabalho. Se eu quisesse fornecer um quadro diagramático de nosso modo de operação, diria talvez que nós mesmos empreendemos a abertura das camadas internas, avançando radialmente, enquanto o paciente cuida da extensão periférica do trabalho.
Os progressos são conseguidos, como sabemos, pela superação da resistência, na forma já assinalada. Mas antes disso temos, em geral, outra tarefa a executar. Precisamos apoderar-nos de um pedaço do fio lógico, pois é apenas através de sua orientação que podemos ter esperança de penetrar no interior. Não podemos esperar que as comunicações livres feitas pelo paciente, o material proveniente das camadas mais superficiais, facilitem ao analista reconhecer em que pontos o caminho conduz às profundezas ou onde ele irá encontrar os pontos de partida das ligações de idéias que está procurando. Pelo contrário. É precisamente isso que é ocultado com cuidado; o relato feito pelo paciente soa como se fosse completo e auto-suficiente. De início, é como se estivéssemos diante de um muro que obstrui toda a perspectiva e nos impede de ter qualquer idéia de haver ou não algo atrás dele e, em caso afirmativo, o quê.
Mas se examinarmos com visão crítica o relato que o paciente nos fez sem muito esforço ou resistência, nele descobriremos infalivelmente lacunas e imperfeições. Em determinado ponto, a seqüência de idéias será visivelmente interrompida e remendada da melhor forma possível pelo paciente, com um recurso de linguagem ou uma explicação inadequada; noutro ponto depararemos com uma motivação que teria de ser descrita como débil numa pessoa normal. O paciente não reconhece essas deficiências quando sua atenção é chamada para elas. Mas o médico terá razão em procurar atrás dos pontos fracos uma abordagem para o material das camadas mais profundas e em esperar descobrir precisamente ali os fios de ligação que está buscando por meio da técnica da pressão. Por conseguinte, dizemos ao paciente: “Você está enganado; o que você está formulando não pode ter nada a ver com o assunto atual. Devemos esperar encontrar aí alguma outra coisa, e isso lhe ocorrerá sob a pressão de minha mão.”
Pois podemos fazer a um paciente histérico as mesmas exigências de ligação lógica e motivação suficiente na cadeia de idéias, mesmo que se estenda até o inconsciente, que faríamos a um individuo normal. Não está dentro das possibilidades de uma neurose relaxar essas relações. Se nos pacientes neuróticos, e particularmente nos histéricos, as cadeias de idéias produzem uma impressão diferente, se neles a relativa intensidade das diferentes idéias se afigura inexplicável apenas por determinantes psicológicos,já descobrimos a razão disso e podemos atribuí-la à existência de motivos inconscientes ocultos. Podemos assim suspeitar da presença de tais motivos secretos sempre que esse tipo de interrupção numa cadeia de idéias se torna evidente, ou quando a força atribuída pelo paciente a seus motivos vai muito além do normal.
Ao executarmos esse trabalho, é claro, devemos manter-nos isentos do preconceito teórico de estarmos lidando com os cérebros anormais de “dégénérés” e “déséquilibrés”, que estão livres, graças a um estigma, para lançar por terra as leis psicológicas comuns que regem a ligação das idéias, e nos quais uma única idéia fortuita pode tornar-se exageradamente intensa sem nenhum motivo, enquanto outra pode permanecer indestrutível sem nenhuma razão psicológica. A experiência demonstra que o contrário se aplica à histeria. Uma vez que descubramos os motivos ocultos, que muitas vezes permaneceram inconscientes, e os levemos em conta, nada de enigmático ou contrário às normas persiste nas ligações de pensamento histéricos, não mais do que nas normais.
Dessa forma, portanto, detectando lacunas na primeira descrição do paciente, lacunas muitas vezes encobertas por “falsas ligações” |ver mais adiante, ver em [1]-[2]|, apoderamo-nos de um pedaço do fio lógico na periferia e, a partir desse ponto, desobstruímos mais um caminho pela técnica da pressão.
Ao fazê-lo, é muito raro conseguirmos abrir caminho diretamente para o interior através de um único fio. Em geral, ele se rompe a meio caminho: a pressão falha e não produz nenhum resultado, ou então produz um resultado que não pode ser esclarecido ou levado adiante, apesar de todos os esforços. Logo aprendemos, quando isso acontece, a evitar os erros em que poderíamos incorrer. A expressão facial do paciente deverá determinar se chegamos mesmo ao fim, ou se se trata de uma situação que não exige nenhuma elucidação psíquica, ou se o que levou o trabalho a uma paralisação é uma resistência excessiva. Neste último caso, se não pudermos superar de imediato a resistência, poderemos presumir que seguimos o fio até uma camada que, por enquanto, ainda é impenetrável. Abandonamo-lo e tomamos outro fio, que talvez possamos seguir até a mesma distância. Quando tivermos atingido essa camada percorrendo todos os fios e tivermos descoberto os emaranhados em virtude dos quais os fios separados não puderam ser isoladamente seguidos até mais longe, poderemos pensar em atacar de novo a resistência diante de nós.
É fácil imaginar até que ponto um trabalho dessa natureza pode tornar-se complexo. Forçamos nossa entrada nas camadas internas, superando resistências todo o tempo; travamos conhecimento com os temas acumulados numa dessas camadas e com os fios que a atravessam, e experimentamos até que ponto podemos avançar com nossos meios atuais e os conhecimentos que adquirimos; obtemos informações preliminares sobre o conteúdo das camadas seguintes por meio da técnica da pressão; abandonamos fios e os retomamos;seguimo-los até os pontos nodais; constantemente voltamos atrás; e toda vez que perseguimos um acervo de lembranças, somos conduzidos a algum desvio que, não obstante, termina por confluir para o fio inicial. Por esse método, chegamos afinal a um ponto em que podemos parar de trabalhar em camadas e podemos penetrar, por uma trilha principal, diretamente no núcleo da organização patogênica. Com isso a luta está vencida, embora ainda não esteja terminada. Devemos retroceder e retomar outros fios e esgotar o material. Mas agora o paciente nos ajuda vigorosamente. A maior parte de sua resistência foi quebrada.
Nessas etapas finais do trabalho convém que possamos adivinhar o modo como as coisas se interligam e dizê-lo ao paciente antes que o desvendemos. Se tivermos adivinhado certo, o curso da análise será acelerado; mas até mesmo uma hipótese errada nos ajuda a prosseguir, compelindo o paciente a tomar partido e induzindo-o a negativas enérgicas que traem seu indubitável conhecimento.
Disso aprendemos com admiração que não estamos em condições de impor nada ao paciente sobre as coisas que ele aparentemente ignora, nem de influenciar os produtos da análise pela provocação de expectativas. Nem uma só vez consegui, ao prever algo, alterar ou falsificar a reprodução das lembranças ou a ligação dos acontecimentos, pois se o tivesse feito, isso inevitavelmente teria sido traído no final por alguma contradição no material. Quando algo mostrava ser tal como eu o previra, nunca se deixava de comprovar por um grande número de reminiscências indiscutíveis que eu não fizera nada além de adivinhar certo. Não precisamos ter medo, portanto, de dizer ao paciente qual pensamos que será sua próxima associação de idéias; isso não causará nenhum dano.
Outra observação, constantemente repetida, relaciona-se com as reproduções espontâneas do paciente. Pode-se afirmar que toda reminiscência isolada que emerge durante uma dessas análises tem importância. A rigor, a intromissão de imagens mnêmicas irrelevantes (que estejam associadas por acaso, de uma forma ou de outra, às imagens importantes) jamais ocorre. Uma exceção que não contradiz essa regra pode ser postulada quanto às lembranças que, apesar de destituídas de importância em si mesmas, são indispensáveis como pontes, no sentido de que a associação entre duas lembranças importantes só pode ser feita através delas.
O prazo durante o qual uma lembrança permanece no estreito desfiladeiro diante da consciência do paciente está, como já foi explicado | ver em [1]|, em proporção direta com sua importância. Uma imagem que se recusa a desaparecer é uma imagem que ainda exige consideração, um pensamento que não pode ser afastado é um pensamento que precisa ser mais explorado. Além disso, uma lembrança nunca retorna uma segunda vez depois de ter sido trabalhada; a imagem que foi “eliminada pela fala” não volta a ser vista. Quando, não obstante, isso de fato acontece, podemos presumir com segurança que, na segunda vez, a imagem será acompanhada de um novo grupo de pensamentos, ou a idéia terá novas implicações. Em outras palavras, estes não foram trabalhados por completo. Além disso, é freqüente uma imagem ou um pensamento reaparecerem com diferentes graus de intensidade, primeiro como um indício e depois com total clareza. Isso, entretanto, não contradiz o que acabo de afirmar.
Entre as tarefas apresentadas pela análise encontra-se a de eliminar os sintomas passíveis de aumentar de intensidade ou retornar: dores, sintomas (como vômitos) causados por estímulos, sensações ou contraturas. Enquanto trabalhamos num desses sintomas defrontamo-nos com o fenômeno interessante e não indesejável da “participação na conversa”. O sintoma problemático reaparece, ou aparece com maior intensidade, tão logo alcançamos a região da organização patogênica que contém a etiologia do sintoma, e daí por diante ele acompanha o trabalho com oscilações características, que são instrutivas para o médico. A intensidade do sintoma (tomemos como exemplo o desejo de vomitar) aumenta quanto mais profundamente penetramos numa das lembranças patogênicas pertinentes; atinge seu clímax pouco antes de o paciente enunciar essa lembrança; e, depois que ele termina de fazê-lo, diminui de súbito ou até desaparece por completo durante algum tempo. Quando, graças à resistência, o paciente demora muito tempo para dizer algo, a tensão da sensação - do desejo de vomitar - torna-se insuportável e, se não conseguirmos forçá-lo a falar, ele começará mesmo a vomitar. Assim obtemos uma impressão plástica do fato de que o “vomitar” toma o lugar de um ato psíquico (nesse exemplo, o ato de proferir), exatamente como sustenta a teoria conversiva da histeria.
Essa oscilação de intensidade do sintoma histérico é repetida toda vez que nos aproximamos de uma nova lembrança que é patogênica em relação a ele. O sintoma, poderíamos dizer, está nos planos o tempo todo. Quando somos obrigados a abandonar temporariamente o fio a que está ligado, também esse sintoma recua para a obscuridade, para tornar a emergir num período posterior da análise. Isso continua até que a elaboração do material patogênico tenha eliminado o sintoma de uma vez por todas.
Em tudo isso, a rigor, o sintoma histérico de modo algum se comporta de modo diferente da imagem mnêmica ou da idéia reproduzida que invocamos sob a pressão da mão. Em ambos os casos encontramos a mesma recorrência obsessivamente pertinaz na lembrança do paciente, que tem de ser eliminada. A diferença está apenas no surgimento aparentemente espontâneo dos sintomas histéricos, ao passo que, como nos recordamos muito bem, nós mesmos provocamos as cenas e idéias. De fato, contudo, há uma seqüência ininterrupta que se estende desde os resíduos mnêmicos não modificados das experiências e atos de pensamento afetivos até os sintomas histéricos, que são símbolos mnêmicos dessas experiências e pensamentos.
O fenômeno dos sintomas histéricos que participam da conversa durante a análise envolve um inconveniente de ordem prática, com o qual devemos poder reconciliar o paciente. É inteiramente impossível efetuar a análise de um sintoma de uma só vez, ou distribuir os intervalos de nosso trabalho de modo a se ajustarem com precisão às pausas no processo de lidar com o sintoma. Ao contrário, algumas interrupções que são prescritas de forma imperativa por circunstâncias incidentais no tratamento, tais como o adiantado da hora, muitas vezes ocorrem nos pontos mais inconvenientes, exatamente quando nos podemos estar aproximando de uma decisão ou quando surge um novo tópico. Qualquer leitor de jornal tem a mesma desvantagem ao ler o capítulo diário de sua história seriada, quando, logo após a fala decisiva da heroína, ou depois de o tiro haver ecoado, ele se defronta com as palavras: “Continua no próximo número.” Em nosso próprio caso, o tópico que foi levantado, mas não abordado, o sintoma que temporariamente se intensificou e ainda não foi explicado, persiste na mente do paciente e talvez possa perturbá-lo mais do que fazia até então. Ele terá apenas que lidar com isso da melhor forma possível, pois não existe outra maneira de organizar as coisas. Há pacientes que, no curso de uma análise, simplesmente não conseguem livrar-se de um tópico que tenha sido levantado e ficam obcecados por ele no intervalo entre duas sessões; visto que, por si mesmos, não podem tomar nenhuma providência no sentido de se livrarem dele, sofrem mais, a princípio, do que antes do tratamento. Mas mesmo tais pacientes acabam aprendendo a esperar pelo médico e a deslocar todo o interesse que sentem por se livrarem do material patogênico para os horários das sessões, após as quais começam a se sentir mais livres nos intervalos.
O estado geral dos pacientes durante essas análises também merece atenção. Por algum tempo ele não é influenciado pelo tratamento e continua a ser uma expressão dos fatores que atuavam antes. Mas depois surge um momento em que o tratamento se apodera do paciente, capta seu interesse. Daí por diante, seu estado geral se torna cada vez mais dependente do desenvolvimento do trabalho. Sempre que uma coisa nova é elucidada ou se atinge um estágio importante do processo da análise, também o paciente se sente aliviado e desfruta de um antegozo, por assim dizer, da sua libertação iminente. Todas as vezes que o trabalho se paralisa e há uma ameaça de confusão, aumenta o fardo psíquico que oprime o paciente, e seu sentimento de infelicidade e sua incapacidade para o trabalho se tornam mais intensos. Mas nenhuma dessas coisas dura mais do que um curto período, pois a análise continua, sem se vangloriar pelo fato de num dado momento o paciente sentir-se bem, e prosseguindo independentemente dos períodos de tristeza do paciente. Ficamos satisfeitos, em geral, quando substituímos as oscilações espontâneas de seu estado por oscilações que nós mesmos provocamos e que compreendemos, da mesma forma que ficamos satisfeitos ao ver a sucessão espontânea dos sintomas substituída por uma ordem do dia que corresponde ao estado da análise.
De início, o trabalho torna-se mais obscuro e difícil, em geral, quanto mais profundamente penetramos na estrutura psíquica estratificada que descrevi atrás. Porém, uma vez que tenhamos, pelo trabalho, chegado até o núcleo, a luz aparece, e não precisamos temer que o estado geral do paciente fique sujeito a nenhum período grave de depressão. Entretanto, a recompensa de nossos esforços - a cessação dos sintomas - só pode ser esperada depois de termos efetuado a análise completa de cada sintoma individual; e a rigor, já que os sintomas individuais são interligados em numerosos pontos nodais, nem sequer devemos ser estimulados durante o trabalho pelos êxitos parciais. Graças às abundantes ligações causais, toda representação patogênica que ainda não tenha sido eliminada atua como uma motivação para a totalidade dos produtos da neurose, e é apenas com a última palavra da análise que todo o quadro clínico desaparece, tal como ocorre com as lembranças reproduzidas de forma individual.
Quando uma lembrança patogênica ou uma ligação patogênica antes retirada da consciência do ego é revelada pelo trabalho da análise e introduzida no ego, verificamos que a personalidade psíquica assim enriquecida tem várias maneiras de expressar-se quanto ao que adquiriu. É particularmente freqüente, depois de havermos imposto com esforço algum conhecimento ao paciente, ouvi-lo declarar: “Eu sempre soube disso, poderia ter-lhe dito antes.” Os que são dotados de certo grau de discernimento reconhecem, mais tarde, que essa é uma forma de enganarem a si mesmos e se culpam por serem ingratos. Afora isso, a atitude adotada pelo ego quanto a sua nova aquisição costuma depender da camada de análise da qual se origina essa aquisição. As coisas que pertencem às camadas externas são reconhecidas sem dificuldades; haviam, de fato, permanecido sempre em poder do ego, e a única novidade para o ego é a ligação delas com as camadas mais profundas do material patológico. As coisas que são trazidas à luz dessas camadas mais profundas também são reconhecidas e admitidas, porém muitas vezes só depois de consideráveis hesitações e dúvidas. As imagens mnêmicas visuais são, naturalmente, mais difíceis de ser renegadas do que os traços mnêmicos de simples cadeias de pensamentos. Não é raro o paciente começar por dizer: “É possível que eu tenha pensado nisso, mas não consigo me lembrar.” E não é senão depois de ter-se familiarizado com a hipótese há algum tempo que ele vem a reconhecê-la também; ele se recorda - e confirma também esse fato por vínculos secundários - de que realmente, certa vez, a idéia lhe ocorreu. Durante a análise, porém, adoto como norma reservar minha avaliação da reminiscência que surge independente do reconhecimento da mesma pelo paciente. Jamais me cansei de repetir que somos forçados a aceitar tudo o que nossa técnica traz à luz. Se houver algo nela que não seja autêntico ou correto, mas tarde o contexto nos dirá para rejeitá-lo. Mas, posso dizer de passagem que raramente tive ocasião de renegar, mais tarde, uma reminiscência aceita de modo provisório. Tudo o que emergiu, a despeito da mais enganosa aparência de ser contradição gritante, acabou por revelar-se correto.
As representações que se originam das camadas mais profundas e que formam o núcleo da organização patogênica são também aquelas que são reconhecidas com extrema dificuldade como lembranças pelo paciente. Mesmo quando tudo termina e os pacientes são dominados pela força da lógica e convencidos pelo efeito terapêutico que acompanha o surgimento precisamente dessas representações - quando, digo eu, os próprios pacientes aceitam o fato de terem pensado isso ou aquilo, muitas vezes acrescentam: “Mas eu não consigo me lembrar de ter pensado isso.” É fácil chegar a um acordo com eles dizendo-lhes que os pensamentos estavam inconscientes. Mas como enquadrar esse estado de coisas em nossas próprias concepções psicológicas? Devemos desprezar essa negação de reconhecimento por parte dos pacientes, quando, agora que o trabalho terminou, não existe mais nenhum motivo para que eles ajam dessa forma? Ou devemos supor que estamos de fato lidando com pensamentos que nunca ocorreram, que meramente tiveram uma possibilidade de existir, de modo que o tratamento consistiria na realização de um ato psíquico que não se verificou na época? É claro que é impossível dizer qualquer coisa a esse respeito - isto é, sobre o estado em que se encontrava o material patogênico antes da análise - até que tenhamos chegado a uma elucidação completa de nossas concepções psicológicas básicas, em especial quanto à natureza da consciência. Resta, penso eu, como elemento digno de séria consideração, o fato de que em nossas análises podemos seguir uma cadeia de pensamentos desde o consciente até o inconsciente (isto é, até algo que de modo algum é reconhecido como uma lembrança), de que podemos mais uma vez acompanhá-la por certa distância através da consciência, e de que podemos vê-la terminar de novo no inconsciente, sem que essa alternância de “revelação psíquica” cause qualquer modificação na própria cadeia de pensamentos, em sua coerência lógica e na interligação entre suas várias partes. Uma vez que essa cadeia de pensamentos se colocasse diante de mim como um todo, eu não seria capaz de adivinhar qual de suas partes seria reconhecida pelo paciente como lembrança e qual não o seria. Vejo apenas, por assim dizer, os cumes da cadeia de pensamentos mergulhando no inconsciente - o inverso do que foi afirmado quanto a nossos processos psíquicos normais.
Por fim, tenho de examinar mais outro tópico, que desempenha um papel indesejavelmente grande na condução de análises catárticas como essas. Já admiti | ver em [1]| a possibilidade de a técnica de pressão falhar, de não suscitar nenhuma reminiscência, apesar de toda a garantia e insistência. Quando isso acontece, disse eu, há duas possibilidades: ou, no ponto que estamos investigando, não há mesmo nada mais a ser encontrado - e isso é algo que podemos reconhecer pela completa serenidade da expressão facial do paciente -, ou esbarramos numa resistência que só poderá ser superada mais tarde, estamos diante de uma nova camada em que ainda não podemos penetrar - e isso, mais uma vez, é algo que podemos inferir da expressão facial do paciente, que se acha tensa e dá mostras de esforço mental | ver em [1]|. Mas existe ainda uma terceira possibilidade que da mesma forma testemunha a presença de obstáculo, porém um obstáculo externo, e não inerente ao material. Isso acontece quando a relação entre o paciente e o médico é perturbada e constitui o pior obstáculo com que podemos deparar. No entanto, podemos esperar encontrá-lo em qualquer análise relativamente séria.
Já indiquei | ver em [1]-[2]| o importante papel desempenhado pela figurado médico na criação de motivos para derrotar a força psíquica da resistência. Não são poucos os casos, especialmente com as mulheres e quando se trata de elucidar cadeias de pensamento eróticas, em que a cooperação do paciente se torna um sacrifício pessoal, que deve ser compensado por algum substituto do amor. O empenho do médico e sua cordialidade têm que bastar na condição desse substituto. Ora, quando essa relação entre a paciente e o médico é perturbada, a cooperação da primeira também falha; quando o médico tenta investigar a representação patogênica seguinte, o paciente é retido pela interposição da consciência das queixas que nele se acumulam contra o médico. Em minha experiência, esse obstáculo surge em três casos principais.
(1) Quando há uma desavença pessoal - quando, por exemplo, a paciente acha que foi negligenciada, muito pouco apreciada ou insultada, ou quando ouve comentários desfavoráveis sobre o médico ou sobre o método de tratamento. Esse é o caso menos grave. O obstáculo pode ser superado com facilidade por meio da discussão e da explicação, muito embora a sensibilidade e a desconfiança dos pacientes histéricos possam às vezes atingir dimensões surpreendentes.
(2) Quando a paciente é tomada pelo pavor de ficar por demais acostumada com o médico em termos pessoais, de perder sua independência em relação a ele, e até, quem sabe, de tornar-se sexualmente dependente dele. Esse é um caso mais importante, pois seus determinantes são menos individuais. A causa desse obstáculo reside na especial solicitude que é inerente ao tratamento. A paciente tem então um novo motivo para a resistência, que se manifesta não só em relação a alguma reminiscência específica, mas a qualquer tentativa de tratamento. É muito comum a paciente se queixar de dor de cabeça ao iniciarmos a técnica da pressão, pois em geral seu novo motivo para a resistência permanece inconsciente, expressando-se por meio de um novo sintoma histérico. A dor de cabeça indica que ela não gosta de se deixar influenciar.
(3) Quando a paciente se assusta ao verificar que está transferindo para a figura do médico as representações aflitivas que emergem do conteúdo da análise. Essa é uma ocorrência freqüente e, a rigor, usual em algumas análises. A transferência para o médico se dá por meio de uma falsa ligação. Preciso fornecer um exemplo disso. Numa de minhas pacientes, a origem de um sintoma histérico específico estava num desejo, que ela tivera muitos anos antes e relegara de imediato ao inconsciente, de que o homem com quem conversava na ocasião ousasse tomar a iniciativa de lhe dar um beijo. Numa ocasião, ao fim de uma sessão, surgiu nela um desejo semelhante a meu respeito. Ela ficou horrorizada com isso, passou uma noite insone e, na sessão seguinte, embora não se recusasse a ser tratada, ficou inteiramente inutilizada para o trabalho. Depois de eu haver descoberto e removido o obstáculo, o trabalho prosseguiu e, vejam só!, o desejo que tanto havia assustado a paciente surgiu como sua próxima lembrança patogênica, aquela que era exigida pelo contexto lógico imediato. O que aconteceu, portanto, foi isto: o conteúdo do desejo apareceu, antes de mais nada, na consciência da paciente, sem nenhuma lembrança das circunstâncias contingentes que o teriam atribuído a uma época passada. O desejo assim presente foi então, graças à compulsão a associar que era dominante na consciência da paciente, ligado a minha pessoa, na qual a paciente estava legitimamente interessada; e como resultado dessa mésalliance - que descrevo como uma “falsa ligação” - provocou-se o mesmo afeto que forçara a paciente, muito tempo antes, a repudiar esse desejo proibido. Desde que descobri isso, tenho podido, todas as vezes que sou pessoalmente envolvido de modo semelhante, presumir que uma transferência e uma falsa ligação tornaram a ocorrer. Curiosamente, a paciente volta a ser enganada todas as vezes que isso se repete.
É impossível concluir qualquer análise a menos que saibamos como enfrentar a resistência que surge por essas três maneiras. Mas podemos encontrar um meio de fazê-lo se resolvermos que esse novo sintoma, produzido com base no modelo antigo, deve ser tratado da mesma forma que os sintomas antigos. Nossa primeira tarefa é tornar o “obstáculo” consciente para o paciente. Numa de minhas pacientes, por exemplo, de repente a técnica da pressão falhou. Eu tinha razões para supor que havia uma representação inconsciente do tipo antes mencionado no item (2), e tentei primeiro lidar com essa representação pegando a paciente de surpresa. Disse-lhe que deveria ter surgido algum obstáculo à continuação do tratamento, mas que a técnica da pressão tinha pelo menos o poder de mostrar-lhe qual era esse obstáculo; pressionei sua cabeça e ela disse, admirada: “Estou vendo o senhor sentado aqui na cadeira, mas isso é absurdo. Que pode significar?” Pude então dar-lhe os esclarecimentos. Numa outra paciente, o “obstáculo” costumava não aparecer diretamente como resultado de minha pressão, mas eu sempre conseguia descobri-lo levando a paciente de volta ao momento em que ele se havia originado. A técnica da pressão jamais deixou de nos trazer de volta esse momento. Quando o obstáculo era descoberto e demonstrado, a primeira dificuldade era removida do caminho. Mas persistia outra maior, que estava em induzir a paciente a produzir informações que dissessem respeito a relações aparentemente pessoais e onde a terceira pessoa coincidisse com a figura do médico.
A princípio, fiquei muito aborrecido com esse aumento de meu trabalho psicológico, até que percebi que o processo inteiro obedecia a uma lei; e então notei também que esse tipo de transferência não trazia nenhum aumento significativo para o que eu tinha de fazer. Para a paciente, o trabalho continuava a ser o mesmo: ela precisava superar o afeto aflitivo despertado por ter sido capaz de alimentar aquele desejo sequer por um momento; e parecia não fazer nenhuma diferença para o êxito do tratamento que ela fizesse desse repúdio psíquico o tema de seu trabalho no contexto histórico, ou na recente situação relacionada comigo. Aos poucos, também os pacientes aprenderam a compreender que nessas transferências para a figura do médico tratava-se de uma compulsão e de uma ilusão que se dissipavam com a conclusão da análise. Creio, porém, que se lhes tivesse deixado de esclarecer a natureza do “obstáculo”, eu simplesmente lhes teria dado um novo sintoma histérico - embora, é verdade, mais brando - em troca de outro que fora espontaneamente gerado.
Já forneci indicações suficientes, penso eu, da maneira pela qual essas análises foram efetuadas e das observações que fiz no decorrer das mesmas. O que disse talvez faça com que algumas coisas pareçam mais complicadas do que são. Muitos problemas se solucionam quando nos descobrimos empenhados nesse trabalho. Não enumerei as dificuldades do trabalho para criar a impressão de que, em vista das exigências que a análise catártica impõe tanto ao médico como ao paciente, só vale a pena empreendê-la em casos extremamente raros. Permito que minhas atividades médicas sejam regidas pela suposição contrária, embora eu não possa, é verdade, formular as indicações mais definidas para a aplicação do método terapêutico descrito nestas páginas sem entrar num exame do ponto mais importante e abrangente do tratamento das neuroses em geral. Em minha própria mente, tenho muitas vezes comparado a psicoterapia catártica com a intervenção cirúrgica. Tenho descrito meus tratamentos como operações psicoterapêuticas e tenho exposto sua analogia com a abertura de uma cavidade cheia de pus, a raspagem de um região cariada, etc. Uma analogia como essa justifica-se menos pela remoção do que é patológico do que pela criação de condições que tenham maior probabilidade de conduzir o avanço do processo no sentido de recuperação.
Quando prometo a meus pacientes ajuda ou melhora por meio de um tratamento catártico, muitas vezes me defronto com a seguinte objeção: “Ora, o senhor mesmo me diz que minha doença provavelmente está relacionada com as circunstâncias e os acontecimentos de minha vida. O senhor, de qualquer maneira, não pode alterá-los. Como se propõe ajudar-me, então?” E tem-me sido possível dar esta resposta: “Sem dúvida o destino acharia mais fácil do que eu aliviá-lo de sua doença. Mas você poderá convencer-se de que haverá muito a ganhar se conseguirmos transformar seu sofrimento histérico numa infelicidade comum. Com uma vida mental restituída à saúde, você estará mais bem armado contra essa infelicidade.”
APENDICES
APÊNDICE A: A CRONOLOGIA DO CASO DA SRA. EMMY VON N.
Existem sérias incoerências nas datas do caso clínico da Sra. Emmy von N. apresentadas em todas as edições alemãs da obra e reproduzidas na presente tradução. O início do primeiro período de tratamento da Sra. Emmy por Freud é atribuído duplamente a maio de 1889 em [1]. Esse período durou cerca de sete semanas (ver em [1]). Seu segundo período de tratamento começou exatamente um ano após o primeiro, isto é, em maio de 1890. Tal período durou umas oito semanas (ver em [1]). Freud visitou a Sra. Emmy em sua propriedade do Báltico na primavera do ano seguinte (ver em [1]), isto é, 1891. A primeira contradição dessa cronologia aparece em [1], onde a data dessa visita é indicada como maio de 1890. Esse novo sistema de datação é mantido em pontos posteriores. Em [1] Freud atribui um sintoma surgido no segundo período de tratamento ao ano de 1899, e por duas vezes atribui sintomas que surgiram no primeiro período de tratamento ao ano de 1888. No entanto, recorre a seu sistema original em [1], onde indica a data de sua visita à propriedade do Báltico como 1891.
Há uma evidência em favor da primeira cronologia - isto é, a que atribui o primeiro tratamento da Sra. Emmy por Freud ao ano de 1888. Em [1] ele observa que foi enquanto estudava as abulias dessa paciente que começou pela primeira vez a ter sérias dúvidas sobre a validade da asserção de Bernheim de que “a sugestão é tudo”. Externou essas mesmas dúvidas energicamente em seu prefácio a sua tradução do livro de Bernheim sobre a sugestão (Freud, 1888-9), e somos informados, numa carta a Fliess de 29 de agosto de 1888 (1950a, Carta 5), de que ele já terminara o prefácio naquela data. Também nessa carta escreve ele: “Não partilho das opiniões de Bernheim, que me parecem unilaterais.” Se as dúvidas de Freud foram indicadas pela primeira vez pelo tratamento da Sra. Emmy, esse tratamento deve ter tido início, portanto, em maio de 1888, e não de 1889.
A propósito, essa correção esclareceria uma incoerência no relato aceito de algumas das atividades de Freud após seu retorno a Paris, na primavera de 1886. Em seu Estudo Autobiográfico (1925d, Capítulo II) ele observa que, ao utilizar o hipnotismo, empregou-o “desde o começo” não só para dar sugestões terapêuticas, mas também com a finalidade de rastrear a história do sintoma até suas origens - desde o começo, em outras palavras, ele usouo método catártico de Breuer. Sabemos por uma carta a Fliess, de 28 de dezembro de 1887 (1950a, Carta 2), que foi em fins daquele ano que ele começou a dedicar-se ao hipnotismo; já em [1] e [2] do presente volume, ele nos diz que o caso da Sra. Emmy foi o primeiro em que tentou manejar o procedimento técnico de Breuer. Se, portanto, esse caso data de maio de 1889, houve um intervalo de no mínimo dezesseis meses entre os dois fatos, e, como observa o Dr. Ernest Jones (no Vol. I de sua biografia, 1953, pág. 63, edição inglesa), a memória de Freud era pouco precisa quando ele empregava a expressão “desde o começo”. No entanto, se a data do tratamento da Sra. Emmy fosse antecipada para maio de 1888, essa lacuna ficaria reduzida a apenas uns quatro ou cinco meses.
A questão se encerraria caso fosse possível demonstrar que Freud esteve fora de Viena por um período longo o bastante para cobrir uma visita à Livônia (ou qualquer país que este possa ter representado) durante o mês de maio de 1890 ou de 1891. Mas, infelizmente, as cartas que ainda existem daquele período não oferecem qualquer prova de tal ausência.
A questão torna-se ainda mais obscura em virtude de outra incoerência. Num nota de rodapé em [1], Freud comenta sobre a enorme eficácia de algumas de suas sugestões feitas durante o primeiro período de tratamento (a rigor, em 11 de maio de 1888 ou 1889). A amnésia então produzida por ele, em suas palavras, ainda estava atuante “dezoito meses depois”. Isso por certo se refere à época de sua visita à propriedade campestre da Sra. Emmy, pois, em seu relato dessa visita, ele volta a mencionar tal episódio. Ali, contudo, fala das sugestões originais como se fossem feitas “dois anos antes”. Se a visita à propriedade se deu em maio de 1890 ou de 1891, os “dois anos” devem estar certos e os “dezoito meses” devem ter sido um lapso.
Mas essas contradições repetidas sugerem outra possibilidade. Há motivos para crer que Freud alterou o local da residência da Sra. Emmy. Não terá ele, como uma precaução extra para não trair a identidade de sua paciente, alterado também a época do tratamento, mas falhado em manter essas alterações coerentemente até o fim? Toda essa questão permanece em aberto.
APÊNDICE B: LISTA DE OBRAS DE FREUD QUE TRATAM PRINCIPALMENTE DA HISTERIA DE CONVERSÃO
|Na lista que se segue, a data no início de cada título é a do ano em que a obra em questão provavelmente foi escrita. A data no final é a da publicação; a consulta a essa data na Bibliografia e Índice Remissivo de Autores fornecerá maiores detalhes sobre a obra em questão. Os títulos entre colchetes foram publicados postumamente.|
|1886 “Observação de um Caso Grave de Hemianestesia num Homem Histérico.” (1886d)|
1888 “Histeria”, em Handwoerterbuch, de Villaret. (1888b)
1892 “Carta a Josef Breuer.” (1941a)
|1892 “Sobre a Teoria dos Ataques Histéricos.” (Com Breuer.) (1940d)|
|1892 “Rascunho III”. (1941b)|
1892 “Um Caso de Cura pelo Hipnotismo.” (1892-93)
1892 “Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: Comunicação Preliminar.” (Com Breuer.) (1893a)
1893 “Sobre o Mecanismo Psíquico dos Fenômenos Histéricos: Uma Conferência.” (1893h)
1893 “Considerações para um Estudo Comparativo das Paralisias Motoras Histéricas e Orgânicas.” (1893c)
1894 “As Neuropsicoses de Defesa”, Seção I. (1894a)
1895 Estudos sobre a Histeria. (Com Breuer.) (1895d).
|1895 “Projeto para uma Psicologia Científica”, Parte II. (1950a)|
|1896 “Rascunho K”, última Seção, (1950a)|
1896 “Observações Adicionais sobre as Neuropsicoses de Defesa”. (1896b)
1896 “A Etiologia da Histeria.” (1896c)
1901-5 “Fragmento da Análise de um Caso de Histeria.” (1905e)
1908 “As Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade.” (1908a)
1909 “Algumas Observações Gerais sobre os Ataques Histéricos.” (1909a)
1909 Cinco Lições de Psicanálise, Lições I e II. (1910a)
1910 “A Concepção Psicanalítica do Distúrbio Psicogênico da Visão.” (1910i)