Os 8 principais conceitos da psicanálise
por Professor Felipe de Souza | Freud, Psicanálise
Sempre desconfio de livros que procuram simplificar excessivamente matérias complexas. Mas, afinal, temos que partir de algum lugar. Este texto procura mostrar os principais conceitos da psicanálise. De certa forma, faz o que eu desconfio. Porém, creio que a proposta é válida e atendo a um pedido de uma querida leitora do nosso site. Basicamente, vamos descrever oito dos principais conceitos da psicanálise. Quando digo principais quero dizer aqueles conceitos sem os quais fica impossível dizer o que é a psicanálise.
1) Inconsciente
O primeiro conceito tem que ser necessariamente o inconsciente (Das Unbewusste). Freud não criou o inconsciente. Autores como Leibniz, Von Hartmann e Schopenhauer já haviam descrito a existência do inconsciente no sentido do que não é consciente. A diferença é que Freud define inconsciente de uma outra maneira, não como adjetivo e sim como substantivo. Assim, podemos imaginar o inconsciente como lugar, como um topos. Na psicanálise, estudamos topologia. Ou seja, didaticamente podemos pensar na psique como estando dividida em lugares. Na primeira tópica, Freud fala de inconsciente, pré consciente e consciente. Na segunda tópica, temos os conceitos de Ego, Id e Super ego (Ich, Es, Überich).
Inconsciente é o que nós não sabemos de nós mesmos, o que esquecemos, o que ficou para trás e continua existindo, apesar de que possamos não saber exatamente sobre esses conteúdos. Nesse sentido, o inconsciente é um adjetivo, conteúdos inconscientes na psique. Porém, como disse, Freud vai além desse sentido que já existia na filosofia e define o inconsciente também como lugar e como modo de funcionamento distinto do funcionamento da consciência.
Temos sonhos todas as noites e não somos nós, pelo menos não conscientemente, que os criamos. Este é talvez o exemplo mais simples pra entender o que é o inconsciente. O Inconsciente funciona de um outro modo: através de deslocamentos e condensações.
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2) Desejo
O segundo conceito é o desejo (Wunsch). Podemos ter um desejo claramente consciente, como querer isso ou aquilo e saber que se quer isso ou aquilo. Mas também temos desejos que são obscuros, não por serem intrinsecamente maus ou negativos, e sim porque deles não sabemos ou não queremos saber. Estes desejos, que são inconscientes, estão na base da formação dos sonhos, dos atos falhos, chistes, criações artísticas e, o mais importante para clínica, dos sintomas.
Me lembro de um texto da Marilena Chauí no qual ela diz que desejar é desiderare. Etimologicamente, significa deixar de considerar as estrelas (sidera). E considerar (con-sidera) é levá-las em conta… e também do Chico Buarque – talvez porque o Renato Mezan o cite no A Trama dos Conceitos: “O que não tem governo nem nunca terá, o que não tem limite…”
3) Formação de compromisso
O terceiro conceito é justamente o que reúne todas as formações (sonhos, sintomas, atos falhos) em um mesmo arcabouço teórico: o conceito de formação de compromisso (Kompromissbildung). A grosso modo podemos entender que uma parte da psique quer uma coisa e uma outra parte quer outra. Por isso, até um pesadelo é uma realização de desejo. E até um sintoma, aquilo do qual reclamamos e nos sentimos mal, sinto-mal, é também uma realização de desejo. Para entendermos o que é uma formação de compromisso, é útil entendermos a ideia de ato falho. Um ato falho, como por exemplo esquecer de um compromisso, é um erro para a consciência, que talvez se justifique com uma desculpa. Mas do ponto de vista do inconsciente é um ato bem sucedido. No fundo, o sujeito não queria ir mesmo no compromisso, por isso se esqueceu dele.
4) Sexualidade infantil (Infantile Sexualität)
Esta é uma das teses de Freud mais chocantes para quem nunca estudou psicanálise. Mas não é difícil de entender. Para a psicanálise, a sexualidade é pensada de maneira ampla e não se resume ao ato sexual, nem tem início na puberdade. Desde a infância, o sujeito vivencia o prazer em seu corpo, nas chamadas zonas erógenas. A fixação da libido nestas zonas, além do que seria “normal”, coaduna-se com os sintomas psicopatológicos da neurose, psicose e perversão.
5) Complexo de Édipo (Ödipuskomplex)
O sujeito se forma a partir das identificações com outras pessoas. Não há como negar que a família, especialmente o pai e a mãe (ou a pessoa que assumir os seus lugares) tem especial impacto como influência. O conceito de complexo de Édipo foi reformulado ao longo da obra do pai da psicanálise e acompanhar as suas modificações implica em estudar o progresso e alteração de outros conceitos.
Contudo, é bastante conhecida a ideia de que o menino tem afetos por sua mãe e rivalidade com seu pai. Esta formulação, que acompanha em parte o mito grego, é apenas uma das possibilidades da vivência de identificação e rivalidade. Por exemplo, um outro menino pode se identificar com a figura paterna e se assemelhar depois bastante com o seu pai, mas pode igualmente ter o mesmo tipo de desejo que sua mãe, ou seja, um desejo que será dirigido ao homem, portanto, homoafetivo.
6) Estruturas da psique
A partir das relações do Édipo (situadas por volta dos 3 a 5 anos) que a estrutura permanente da personalidade é formada, com três possíveis resultados: neurose, psicose ou perversão. Isto significa que todos nós teremos uma ou outra destas estruturas e, depois, não conseguimos “trocar”. E isso também significa que a normalidade para a psicanálise não é uma questão de não ter uma estrutura psicopática, mas sim em ter sintomas que são menos graves. A diferença é de grau.
7) Transferência (Übertragung)
O sétimo conceito é a transferência. No processo de análise, o sujeito que se deita no divã passa a associar livremente. A técnica consiste em dizer tudo o que vem a mente, procurando afastar toda e qualquer resistência. Com o processo de análise, o sujeito transfere relações anteriores de sua vida para o analista. Assim, o analista pode ser identificado com a figura paterna ou materna, ou qualquer outra que tenha importância em sua vida.
8) Pulsão de morte (Todestriebe)
O oitavo conceito é um pouco mais complicado de entender. No começo da psicanálise, Freud tinha ideia de que a psique buscava o prazer. O que é sentido como desprazer, então, era explicado como um conflito psíquico. Porém depois de 1920, Freud entendeu que o funcionamento último da psique vai mais além do princípio do prazer. É o que é traduzido na psicanálise lacaniana como gozo (jouissance). O exemplo paradigmático é do garoto que fica trazendo de volta a ausência de sua mãe, no jogo que ficou conhecido na psicanálise como Fort-Da. Em poucas palavras, Freud notou que existe uma tendência na psique que também busca o desprazer e a repetição do desprazer. Entretanto, nem todos os psicanalistas aceitam esta tese que faz parte da obra final dele.
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