Psicose


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Psicose
O personagem Dom quixote ficou famoso por seus delírios de grandeza e alucinações visuais.
Classificação e recursos externos
CID-10F20 a F29[1]
CID-9290 a 299
OMIM603342 608923603175 192430
MedlinePlus001553
MeSHF03.700.675
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Psicose é um quadro psicopatológico clássico, reconhecido pela psiquiatria, pela psicologia clínica e pela psicanálise como um estado psíquico no qual se verifica certa "perda de contato com a realidade"[2], sendo esta entendida como séries de saberes, constructos e símbolos compartilhados e validados socialmente. Nos períodos de crises mais intensas podem ocorrer (variando de caso a caso) alucinações ou delírios,[3] desorganização psíquica que inclua pensamento desorganizado e/ou paranoide, acentuada inquietude psicomotora, sensações de angústia intensa e opressão, e insônia severa. Tal é frequentemente acompanhado por uma falta de "crítica" ou de "insight" que se traduz numa incapacidade de reconhecer o carácter estranho ou bizarro do comportamento. Desta forma surgem também, nos momentos de crise, dificuldades de interacção social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária.
Uma grande variedade de estressores do sistema nervoso, tanto orgânicos como funcionais, podem causar uma reação sintomatológica, semelhante, porém não igual, a estrutura psicótica. Muitos indivíduos têm experiências fora do comum ou mesmo relacionadas com uma distorção da realidade em alguma altura da vida, sofrendo grandes consequências biopsicossociais. Como tal, alguns autores afirmam que não se pode separar a psicose da consciência normal, mas deve-se encará-la como fazendo parte de um continuum de consciência.
Para o psicodiagnóstico são feitas observações clínicas que incluem a anamnese, a história de vida do sujeito, seu quadro psicológico e de doenças.[4] A depender do caso, pode-se chegar a meses para um quadro correto. O diagnóstico é feito com base na psicopatologia clínica e teórica. Dois guias de classificação diagnóstica internacionais podem ser usados como referência, principalmente epidemiológica: o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (o atual é o DSM-IV)[5], e a CID-10[6], a Classificação Internacional de Doenças. Na CID-10, adotada no Brasil como classificação de referência, as psicoses se encontram classificadas nas siglas F.20 a F.29; F.30, F.31, F.32.2 e F.32.3.

Características[editar | editar código-fonte]

Sobre as principais características clínicas das psicoses, pode-se afirmar:
  • são psicologicamente incompreensíveis (segundo Jaspers);
  • apresentam vivências bizarras, como delírios, alucinações, alterações da consciência do eu;
  • não existem alterações primárias na esfera cognitiva. Memória e nível de consciência não estão prejudicados, se isto acontece é devido a outras alterações clínicas (delirium), bem como devido a substâncias psicoativas.

Interpretação psicanalítica[editar | editar código-fonte]

Na psicanálise, a psicose corresponde a um funcionamento psíquico que obedece a um princípio de rejeição primordial, que corresponde ao termo alemão Verwerfung. A rejeição primordial consiste na expulsão de idéias ou pensamentos próprios, os quais passam a ser tratados como estranhos ou não acontecidos. Como um efeito dessa rejeição, pode ocorrer a cisão do eu em duas partes, uma que é reconhecida e outra que não é reconhecida como própria. Essa cisão caracteriza a Esquizofrenia. Quando ocorre que os pensamentos não reconhecidos como próprios são localizados em outras pessoas, através da projeção, caracteriza-se a psicose como paranoia.[7]
Apesar de Freud ter introduzido essas noções de cisão e projeção, considera-se que a psicose gerou dificuldades teóricas para Freud, mas não para Lacan. Se o primeiro demonstrou-se hesitante em enquadrá-la teoricamente, concentrando-se na neurose, Lacan,[8] tomando-a constantemente em suas conferências, associou a Verwerfung à foraclusão (ou forclusão) do nome-do-pai.

Definições[editar | editar código-fonte]

As definições de psicose em geral descrevem as classes de eventos que configuram sua natureza ou essência, apontam-lhe as causas e variações. Assim, haverá importantes distinções quanto ao conceito; caso venha a ser formulado no campo das Ciências da Saúde terão diferentes conotações das formuladas no campo Religioso, Poético ou das Ciências Humanas.
Michel Foucault em seu texto A história da Loucura aponta que a loucura (posteriormente chamada de psicose) poderia ser entendida como uma aberração da conduta em relação aos padrões ou valores dominantes numa certa sociedade; neste sentido, entender a psicose é também buscar entender quais os padrões dominantes e quais as reações do grupo social à tais condutas estranhas e aos seus agentes.

Psicose e religião[editar | editar código-fonte]

No Japão em uma área pouco religiosa, aproximadamente de 7 à 11% dos delírios tinham conteúdo religioso, geralmente associado com perseguição e culpa. Já nos Estados Unidos esse índice foi de 25% e 40% sendo comum também em transtorno bipolar. Na Europa a prevalência foi de 21%, sendo de 24% na Inglaterra. Na Índia, dos 31 visitantes de um templo conhecido como tendo poderes curativos sobre doenças mentais, 23 foram identificados com esquizofrenia paranóide e 6 com transtorno delirante. No Brasil os índices estão entre 15% e 33%. Os delírios religiosos costumavam ser mais incapacitantes, mais frequentes, mais graves, mais bizarros e necessitavam de mais medicamentos.[9]
Pacientes que relataram estar curados através de religião tiveram maior frequência de recaída que os outros pacientes. Pacientes que passaram por exorcismo ou feitiçaria retornaram com quatro vezes mais frequência.[10]
Pierre (2001) defende que, para que as crenças ou as experiências religiosas sejam patológicas, elas precisam causar prejuízos significativos a própria pessoa ou a outros. Se o desempenho social ou funcional não for prejudicado, então a crença ou experiência religiosa não é considerada patológica. É possível até que a religião ajude como copingfocalizado na emoção, ou seja, ajudando a lidar com os fatores emocionais de um evento estressante.[11]

Referências

  1. Ir para cima http://apps.who.int/classifications/apps/icd/icd10online/
  2. Ir para cima Freud, S. (1923) Neurose e psicose. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. (1996). Rio de Janeiro. Imago. vol.19 p.189-193.
  3. Ir para cima Kaufmann, P. (1996) Delírio In: Dicionário Enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e Lacan, pp.111-112. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  4. Ir para cima Dalgalarrondo, P (2000). Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.
  5. Ir para cima American Psychiatric Association (2003). DSM-IV-TR: Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artes Médicas.
  6. Ir para cima CID-10. OMS. (1993). Classificação Internacional das Doenças, décima edição revisada. Porto Alegre: Artes Médicas.
  7. Ir para cima Freud, S. (1911). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides). Em Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (v. XII) (1996) Rio de Janeiro: Imago.
  8. Ir para cima Lacan, J. (1998). De uma questão preliminar a todo o tratamento da psicose. In Escritos. pp. 537-590. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  9. Ir para cima KOENIG, Harold G.. Religião, espiritualidade e transtornos psicóticos. Rev. psiquiatr. clín. [online]. 2007, vol.34, suppl.1 [cited 2010-09-13], pp. 95-104. Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832007000700013&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-6083. doi: 10.1590/S0101-60832007000700013.
  10. Ir para cima Salib, E.; Youakim, S. - Spiritual healing in elderly psychiatric patients: a case control study in an Egyptian psychiatric hospital. Aging & Mental Health 5(4): 366-370, 2001.
  11. Ir para cima Pierre, J.M. - Faith or delusion: at the crossroads of religion and psychosis. Journal of Psychiatric Practice 7(3):163-172, 2001.

Ver também[editar | editar código-fonte]



https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicose