Defesas e Mecanismos de Defesa

Psicopatologia II – 2004/2
Professora Marta D’Agord
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DEFESAS E MECANISMOS DE DEFESA


Substantivo Abwehr (Defesa), significados do verbo abwehr:

Defender, no sentido de rechaçar; Rejeitar, repelir, não aceitar; Afugentar, por em debandada, afastar; Impedir


1. Em “As neuropsicoses de defesa” [Freud, 1894a], Freud introduziu o termo defesa no sentido de defesa contra uma representação incompatível* que se opunha aflitivamente** ao ego do paciente.

Esses pacientes gozaram de boa saúde mental até o momento em que houve uma ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa — isto é, até que seu eu se confrontou com uma experiência, uma representação ou um sentimento que suscitaram um afeto tão aflitivo que o sujeito decidiu esquecê-lo, pois não confiava em sua capacidade de resolver a contradição entre a representação incompatível e seu eu por meio da atividade de pensamento. A tarefa que o eu se impõe, em sua atitude defensiva, de tratar a representação incompatível como “non-arrivé”, simplesmente não pode ser realizada por ele. Tanto o traço mnêmico como o afeto ligado à representação lá estão de uma vez por todas e não podem ser erradicados. (Cf. Freud, As neuropsicoses de defesa, 1894, Edição Standard, Vol. III).

*inconciliável, insuportável, incompatível.
**aflição: 1. estado daquele que está aflito; 2 sentimento de persistente dor física ou moral; ânsia, agonia, angústia;3 profundo sofrimento.

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2. Em “Inibições, Sintomas e angústia” (1926 [1925]) Freud retomou o conceito de defesa. 
A análise desse texto permite:
a) a diferenciação entre defesa enquanto método e defesa enquanto técnicas. 
b) a diferenciação entre o processo de formação de sintoma e as técnicas defensivas;
c) relacionar as formas especiais de defesa com as estruturas neuróticas, perversas, psicóticas.


a) diferenciação entre defesa enquanto método e defesa enquanto técnicas

Uma defesa enquanto método seria o recalcamento (repressão). As defesas enquanto técnicas seriam os mecanismos de defesa (negação, formação reativa, projeção e introjeção, isolamento, regressão, anulação, racionalização, inversão contra o eu e reversão, defesas contra os afetos – deslocamento em relação ao objeto).

Essa diferenciação pode ser encontrada ao final do texto, em: Adendos C (Repressão e Defesa)

Constituirá uma vantagem indubitável, penso eu, reverter ao antigo conceito de ‘defesa’, contanto que o empreguemos explicitamente como uma designação geral para todas as técnicas das quais o ego faz uso em conflitos que possam conduzir a uma neurose, ao passo que conservamos a palavra ‘repressão’ para o método especial de defesa com o qual a linha de abordagem adotada por nossas investigações nos tornou mais bem familiarizados no primeiro exemplo . [o caso do pequeno Hans que foi abordado no cap. III].

b) a diferenciação entre o processo de formação de sintomas e as técnicas defensivas

No Cap. III: sobre o caso Pequeno Hans:

O impulso instintual [leia-se pulsão] que sofreu repressão em ‘Little Hans’ foi um impulso hostil contra o pai.... Se ‘Little Hans’, estando apaixonado pela mãe, mostrara medo do pai, não devemos ter direito algum de dizer que ele tinha uma neurose ou fobia. Sua reação emocional teria sido inteiramente compreensível. O que a transformou em uma neurose foi apenas uma coisa: a substituição do pai por um cavalo. É esse deslocamento, portanto, que tem o direito de ser denominado de sintoma, e que, incidentalmente, constitui o mecanismo alternativo que permite um conflito devido à ambivalência ser solucionado sem o auxílio da formação reativa. (Inibições, Sintomas e angústia, Cap. III).

A formação reativa, enquanto mecanismo de defesa, manteria o conflito sem solução.
O sintoma, enquanto deslocamento, permitiu satisfação pulsional, trata-se de uma solução, de compromisso, uma solução em falso, pois agora não há conflito por odiar o pai, mas inibição, não poder sair à rua.
Houve deslocamento do objeto (do pai para o cavalo) e inversão da pulsão (de agredir para ser agredido).
Relacionando com o texto de Freud: “Inibições, Sintomas e angústia” (1926 [1925]) (Cap. V, parágrafo 3):
Os sintomas que fazem parte dessa neurose [obsessiva] se enquadram, em geral, em dois grupos, cada um tendo uma tendência oposta. São ou proibições, precauções e expiação — isto é, negativos quanto à natureza — ou são, ao contrário, satisfações substitutivas que amiúde aparecem em disfarce simbólico. O grupo defensivo, negativo dos sintomas é o mais antigo dos dois, mas à medida que a doença se prolonga, as satisfações, que zombam de todas as medidas defensivas, levam vantagem. A formação de sintomas assinala um triunfo se consegue combinar a proibição com a satisfação, de modo que o que era originalmente uma ordem defensiva ou proibição adquire também a significância de uma satisfação; a fim de alcançar essa finalidade muitas vezes faz uso das trilhas associativas mais engenhosas.

Hipótese interpretativa: Quando as defesas não conseguem conter as pulsões, vindo a fragilizar o equilíbrio precário de forças (pulsão constante = defesa constante), produzindo-se angústia, os sintomas vêm em auxílio, substituindo as defesas, e permitindo, de forma simbólica, a satisfação pulsional. 
c) Os métodos especiais de defesa não seriam as formas fundamentais de negação da castração (recalcamento, desmentida e foraclusão) que formariam as estruturas neuróticas, perversas e psicóticas (as doenças específicas)?

Esta é uma leitura possível do adendo C (Repressão e Defesa)

O processo de defesa abrange todos os processos que tenham a mesma finalidade — a saber, a proteção do ego contra as exigências pulsionais —, e para nele classificar a repressão como um caso especial. A importância dessa nomenclatura é realçada se considerarmos a possibilidade de que investigações ulteriores poderão revelar haver estreita ligação entre formas especiais de defesa e doenças específicas, como, por exemplo, entre repressão e histeria. Além disso, podemos antecipar a possível descoberta de ainda outra importante correlação. Pode muito bem acontecer que antes da sua acentuada clivagem em um ego e um id, e antes da formação de um superego, o aparelho mental faça uso de diferentes métodos de defesa dos quais ele se utilize após haver alcançado essas fases de organização. (Freud, 1926, Inibições, sintomas e angústia, adendos C).
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3. As defesas e a divisão do eu

Podemos perceber que há uma relação importante entre defesa e divisão do eu. A constituição do sujeito, como neurótico ou como psicótico, isto é, a estrutura constituinte, estaria relacionada ao modo como se operou primordialmente essa defesa do eu: essa seria a cisão constituinte. Vale observar que a pergunta referente ao quando (na cronologia de uma vida) de sua ocorrência não encontra respostas em uma teoria que pensa por estruturas constituintes. 
Um dos últimos trabalhos de Freud chamou-se Die Ichspaltung im Abwehrvorgang (A cisão do eu nos processos de defesa) (1940e [1938]. Nesse texto, é retomado o caso da criança de sexo masculino que, inicialmente, pensa que todos os seres vivos possuem um órgão genital semelhante ao seu. Mas que logo a seguir descobre que as meninas não têm. Esse tema já havia sido enfocado em (4) A organização genital infantil (1923e), onde Freud relatava: É notória a reação diante das primeiras impressões da falta do pênis. Os meninos primeiramente crêem ver um membro apesar de tudo, desconhecem (leugnen) essa falta, encobrem a contradição entre observação e preconceito mediante o subterfúgio de que ainda seria pequeno e que vai crescer, e depois pouco a pouco chegam a conclusão de que sem dúvida esteve presente e logo foi removido.
Observamos que houve a introdução de uma defesa diferente do recalcamento: trata-se da desmentida (Verleugnung).

Em 1938, Freud analisa as duas reações possíveis ao conflito da visão da falta de pênis nas mulheres: O menino precisa decidir se ele reconhece o perigo real e se inclina diante dele e renuncia à satisfação das pulsões, ou se ele desmente (verleugnet) a realidade, acreditando que nada há a temer, a fim de perseverar na satisfação. É, portanto, um conflito entre a exigência da pulsão e o veto da realidade.
O menino responde ao conflito com duas reações simultâneas: por um lado, rejeita (Abweist) a realidade por meio de certos mecanismos e não se deixa proibir nada; por outro lado, reconhece (Anerkennt) o perigo da realidade, assume a angústia como um sintoma a padecer e a seguir busca defender-se dele.
O resultado é alcançado às custas de uma fenda (Einrisses) no eu, que nunca se reparará, mas que aumentará com o tempo. As duas reações contrárias diante do conflito subsistem como núcleo de uma cisão no eu (Ichspaltung).
Para pensar a desmentida como uma forma de defesa é importante retomar o (5) texto freudiano “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924), onde a situação de conflito entre satisfação da pulsão e realidade é analisada desde uma comparação entre neurose e psicose. O exemplo clínico é oferecido pelo caso Elisabeth von N (6) Dos “Estudos sobre a Histeria”, 1895d. A paciente, diante do leito de morte da irmã, tivera o seguinte pensamento em relação ao cunhado recém viúvo: “Agora ele está livre e pode se casar comigo”. Esse pensamento é recalcado (amnésia e sofrimento histérico) e a paciente volta as costas à experiência de realidade (exigência pulsional). A neurose é a tentativa de solucionar o conflito, afastando o valor de mudança que ocorrera na realidade, recalcando a exigência pulsional (o amor pelo cunhado). Uma reação psicótica nesse caso seria o desconhecimento ou desmentida (Verleugnung) da morte da irmã.

Um outro caso tratado por Freud, (7) Uma neurose infantil (O homem dos Lobos) também oferecerá um exemplo da tentativa de resolução, pelo sujeito, do conflito entre a pulsão e a realidade. Durante o tratamento, o paciente lembra-se (agora adulto) de uma cena de infância: ele estava brincando ao lado da babá e cortava com o canivete a casca de uma nogueira, quando repentinamente notou aterrorizado que cortara fora o dedo mínimo da mão de modo que ele se achava dependurado, preso apenas por uma pele. Ficou mudo, prostrado, incapaz de olhar para o dedo novamente. Por fim acalmou-se e viu que o dedo estava ileso. 
Freud refere: Quando criança, inicialmente o paciente rejeitara (verwarf) a castração e apegara-se a sua teoria da relação sexual pelo ânus. Quando digo que ele a havia rejeitado, o significado imediato é que ele não quis saber dela segundo o sentido do recalcamento (Verdrängung). Isso não implicava, na verdade, em julgamento da sua existência, pois era como se ela não existisse.
A alucinação do dedo seccionado será retomada por Lacan com o matema: Ce qui n’est pas venu au jour du symbolique, apparaît dans le réel = O que não veio à luz DO simbólico, aparece no real. A castração, que não foi simbolizada, retornará no real, enquanto alucinação da perda do dedo.
Lacan traduzirá Verwerfung por foraclusão, no sentido de uma supressão cujo efeito será uma abolição simbólica do que foi expulso do pensamento. Lacan também salienta que Freud já demarcara a oposição entre Verwerfung e Verdrängung. Na segunda, algo já veio à luz pela simbolização primordial (Há uma Bejahung primária, uma afirmação ou juízo de existência). Enquanto que na Verwerfung é como se não houvesse sido formulado um juízo sobre a existência da castração, mas, para o paciente, era como se a castração nunca houvesse existido.
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4. As defesas do ego e as vicissitudes das pulsões:

No texto de 1915, As pulsões (Triebe) e suas vicissitudes, Freud observa:
1) Uma pulsão (trieb) pode passar pelas seguintes vicissitudes: Reversão a seu oposto. Retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo. Repressão. Sublimação. 
2) Tendo em mente a existência de forças motoras que impedem que uma pulsão seja elevada até o fim de forma não modificada, também podemos considerar essas vicissitudes como modalidades de defesa contra as pulsões.

Anna Freud, em “O Ego e os mecanismos de defesa”, afirma que: somente o ego pode ser observado diretamente. Apesar de todas as medidas defensivas do ego contra o id serem levadas a efeito silenciosa e invisivelmente. O máximo que podemos fazer é reconstituí-las em retrospecto. 
Se prevalecer a satisfação, nada pode ser observado do conteúdo do id (pulsões), de modo que não se verifica oportunidade para uma pulsão invadir o ego em busca de satisfação e aí produzir sentimentos de tensão e dor. “O superego, tal como o id, passa a ser perceptível no estado que gera dentro do ego: por exemplo, quando a crítica suscita um sentimento de culpa” (p. 18). 
Para Anna Freud, do ponto de vista do ego, os processos pulsionais descritos como vicissitudes das pulsões: inversão contra o eu e reversão – devem ser considerados como métodos de defesa, pois “toda e qualquer vicissitude a que as pulsões possam estar sujeitas, tem sua origem em alguma atividade do ego. Não fosse a intervenção do ego ou daquelas forças externas que ele representa, todas as pulsões conheceriam um único destino: o da gratificação”. (p. 56).

Referências:


Freud, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: BUP, 1968. (originalmente publicado em 1946).
Freud, Sigmund. Edição Standard das obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago. Versão em CD-ROM.
Fenichel, Otto. Teoria psicanalítica das neuroses. (originalmente publicado em 1957).
Lacan, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. (originalmente publicado em 1966).



Notas:
Fenda ou cisão? Uma Einrisse é uma fenda pequena, uma fenda (ein Riss) pode ser um arranhão (na pele), a fenda de um muro e, figurativamente, é chamada de cisão (Spaltung). O verbo spalten tem o sentido de rachar ou fender e, figurativamente, o sentido de cindir, dividir, separar.
Desde Lacan (Seminário 11), trabalha-se com a tradução por fenda e refenda. A refenda seria a alienação do sujeito em seu discurso, enquanto efeito da Spaltung primeira que o sujeito sofreu pelo fato de sua entrada na linguagem.

Bejahung: Acolhimento.


https://www.ufrgs.br/psicopatologia/mdagord.htm