História do Inconsciente

Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.29 n.1 Brasília mar. 2009


ARTIGOS


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A descoberta do inconsciente e o percurso histórico de sua elaboração



The discovery of the unconscious and the elaboration of its historical route



El hallazgo del inconsciente y el trayecto histórico de su elaboración





Geselda Baratto*

Universidade Regional de Blumenau

Endereço para correspondência





RESUMO

O texto aborda o conceito de inconsciente na obra freudiana, acompanhando o percurso trilhado por Freud na sua descoberta e na elaboração do seu conceito. No seu interior, busca-se demonstrar que a teoria do inconsciente é fruto de um longo e laborioso processo de construção. Com a finalidade de efetuar a investigação histórica da construção de seu conceito, partindo de sua origem até alcançar os desenvolvimentos subseqüentes, o texto tem início com as elaborações teóricas produzidas no período dos “Estudos sobre a Histeria” (1893-1895) e culmina com as elaborações efetuadas no interior da primeira e da segunda tópica freudiana. No decorrer do texto, é formulada a estreita relação do inconsciente com os conceitos de representação, recalque, desejo e resistência. O texto aborda ainda a articulação entre a teoria e o método da livre associação.

Palavras-chave: Inconsciente, Recalque, Desejo, Associação livre.

ABSTRACT

The text focus the concept of unconscious in the Freudian work, following Freud’s path in its discovery and concept elaboration. The text tries to demonstrate that the theory of the unconscious is part of a long and laborious process of construction. Aiming to investigate its concept historically, starting from the origin up to its subsequent developments, the text begins with the theoretical elaborations from the period of “Studies of Hysteria” (1893-1895) and culminates with the elaborations in the first and second freudian topic. The text formulates the close connection among the unconscious and the concepts of representation, repression, desire and resistance. The text also shows the articulation between theory and the free association method.

Keywords: Unconscious, Repression, Desire, Free association.

RESUMEN

El texto aborda el concepto de inconsciente en la obra freudiana, acompañando el trayecto trillado por Freud en su hallazgo y en la elaboración de su concepto. En su interior, se busca demostrar que la teoría del inconsciente es fruto de un largo y laborioso proceso de construcción. Con la finalidad de efectuar la averiguación histórica de la construcción de su concepto, partiendo desde su origen hasta alcanzar los desarrollos subsiguientes, el texto tiene inicio con las elaboraciones teóricas producidas en el período de los “Estudos sobre a Histeria” (Estudios sobre la Histeria) (1893-1895) y culmina con las elaboraciones efectuadas en el interior de la primera y de la segunda tópica freudiana. En el transcurso del texto, es formulada la angosta relación del inconsciente con los conceptos de representación, recalque, deseo y resistencia. El texto aborda aún la articulación entre la teoría y el método de la libre asociación.

Palabras clave: Inconsciente, Recalque, Deseo, Asociación libre.




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Descoberta do inconsciente e o percurso histórico de sua elaboração

No texto metapsicológico “O Inconsciente” (1980/1915a), Freud defende a tese da existência de processos psíquicos inconscientes, demonstrando que a equivalência convencional entre psíquico e consciente é completamente inadequada e calcada numa superestima outorgada à consciência. Com a descoberta do inconsciente, ele opera uma verdadeira revolução, denominada por Lacan (1985) de “copernicana” (p. 14). De fato, ao afirmar que o inconsciente pensa, Freud desaloja a consciência de seu lugar de centro, alterando assim o privilégio conferido aos pensamentos conscientes. O cerne de sua descoberta vem demonstrar que os processos de pensamentos inconscientes se produzem à margem da consciência e dela independem.

Freud coloca em cena a concepção de um sujeito dividido, não centrado em torno da consciência. O que ele descobre é a ausência de um eixo à volta do qual os processos psíquicos se ordenam. O sujeito é descentrado, isto é, carente de um centro ordenador. As elaborações efetuadas na primeira tópica colocam em cena a idéia de um sujeito caracterizado pela ruptura, pelo estiramento. A formulação do aparelho psíquico composto por três sistemas – o consciente, o pré-consciente e o inconsciente – remetem precisamente à noção de divisão e descentramento do sujeito.

A elaboração de que o inconsciente é um sistema constituído por representações associadas umas às outras de acordo com as leis do deslocamento e da condensação, de que ele se constitui na verdadeira instância onde os pensamentos se produzem, e de que esses pensamentos inconscientes podem encontrar um meio de expressão simbólica na palavra, formam, em síntese, o ápice das elaborações freudianas presentes na primeira tópica. Contudo, essas formulações têm um longo e laborioso percurso histórico de formulação. Acompanhar passo a passo os caminhos trilhados pelo próprio Freud na construção do conceito de inconsciente constitui o escopo fundamental deste texto. Em outras palavras, o objetivo é traçar o percurso histórico que conduziu Freud à descoberta fundamental da psicanálise – o inconsciente –, partindo do período dos “Estudos sobre a Histeria” (Freud, 1980/1893-1895) até alcançar os seus desenvolvimentos subseqüentes.

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Nos primórdios da psicanálise, entre os anos 1893 a 1899, o método utilizado era a hipnose. Por meio desse método, Freud objetivava promover a catarse através da abreação. No intuito de aliviar o paciente do sofrimento de seus sintomas, ele depreendia não pouco esforço no trabalho de procurar focalizar diretamente o momento em que eles se formavam (Freud, 1980/1914a, p. 193). O objetivo técnico consistia essencialmente em se descobrir a causa desencadeante do sintoma e o momento de sua ocorrência. Nesse mesmo período, Freud observou a enorme dificuldade enfrentada pelos pacientes no esforço depreendido em relacionar seus sintomas com algo relativo a si próprios, ou seja, constatou a presença de um poderoso obstáculo que se opunha à rememoração das idéias inconscientes, impedindo-as de se tornarem conscientes. Ele o denominou resistência. O acesso ao inconsciente exigia que as forças da resistência fossem vencidas e superadas, requerendo, por parte do analista, certo esforço para neutralizá-las. Efetivamente, o recurso à sugestão hipnótica visava a suspender, ainda que temporariamente, a resistência, permitindo que o sujeito, sob hipnose, colocasse em palavras certo número de lembranças esquecidas associadas ao sintoma. Esse método tem curto período de duração na prática clínica de Freud pela sua ineficácia. É digno de nota ele ter comprovado que o método da sugestão hipnótica mais ocultava do que revelava as resistências, além de, e isso não é de menor importância, os resultados obtidos por esse meio serem de curta duração. Sabemos hoje que os resultados terapêuticos alcançados por meio de métodos sugestivos não apenas fomentam as resistências, tornando o desejo inconsciente ainda mais inacessível, como também, de forma mais fundamental, conduzem a uma alienação imaginária do sujeito ao desejo de um outro, ao qual ele passa a se submeter.

No período histórico dos “Estudos...”, o método da sugestão hipnótica consistia em tornar consciente o inconsciente, definido, nesse período, como um estado de segunda consciência no qual as lembranças não ab-reagidas se alojavam. Sublinhamos que a noção de inconsciente compreendido como estado de dupla consciência ou de consciência dividida sofre posteriormente severas críticas por parte do próprio Freud, o mesmo ocorrendo com o método da sugestão hipnótica. Devemos estar alertas para o fato de que o método da sugestão hipnótica utilizado na origem da história da psicanálise se apoiava nas elaborações teóricas produzidas naquele momento, e de que tornar consciente o inconsciente significava tornar manifesto e reconhecido pela consciência o fator traumático causal que se encontrava na base da produção dos sintomas histéricos.

Com efeito, a prática clínica de Freud comprovava que as emoções penosas despertadas pelos eventos traumáticos permaneciam estreitamente vinculadas à sua lembrança. A ab-reação, por meio da narrativa do paciente, tornava possível a liberação da “emoção estrangulada”, possibilitando a sua descarga, isto é, a catarse: “cura pela palavra”: assim denominou Ana O., a mais famosa das histéricas, o método psicoterapêutico da catarse. Guardadas as devidas proporções, tanto temporais quanto teóricas, podemos concluir que a catarse consistia em uma purificação alcançada através do ato de fala do sujeito.

Freud observava que os sintomas histéricos desapareciam quando ab-reagidos, isto é, desapareciam quando, por meio do recurso à palavra, ocorria a descarga das emoções penosas associadas aos acontecimentos traumáticos. Os eventos traumáticos deveriam receber expressão verbal por parte do sujeito, conduzindo à catarse.

Lacan (1991), no Seminário - Livro 7, assinala que, na antiga Grécia, o termo catarse traduzia habitualmente a idéia de purgação, apaziguamento e eliminação das tensões, relacionando-se de forma íntima à noção de uma purificação. No ponto de elaboração teórica em que nos encontramos atualmente, sabemos que a ab-reação consistia essencialmente em dar nome, em simbolizar pelo recurso à linguagem um real vivido não integrado ao sistema simbólico do sujeito.

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No período do método da sugestão hipnótica, o objetivo da psicoterapia era o de percorrer os caminhos que haviam conduzido à formação dos sintomas. O trabalho da psicoterapia partia dos sintomas manifestos do sujeito e culminava com a localização das causas que o haviam determinado. A premissa de que a lembrança do trauma que não fora abreagido permanecia no aparelho psíquico e operava como um corpo estranho ao próprio sujeito, situando-se como fundamento que justificava a importância conferida à procura pela causa originária dos sintomas. Nessa época, Freud relata ter ficado muito impressionado com o fato de a lembrança do trauma permanecer, muito tempo após a sua ocorrência, eficaz, viva enquanto agente etiológico dos sintomas atuais do sujeito. Ele comprovou haver uma desproporção temporal entre o surgimento dos sintomas e o evento traumático desencadeante, constatando, por um lado, que o sintoma não surgia logo após a ocorrência do fator traumático, e, por outro, que ele permanecia presente no psíquico como se fosse uma força atual em constante atividade. De acordo com Freud, uma cena só se torna traumática quando transformada em lembrança, a partir de sua evocação por meio da repetição de uma cena análoga. O traumático requer, pois, dois tempos: o tempo do acontecimento e o a posteriori, que é o tempo da produção de sua significação, no qual pode ter lugar o sintoma. Isso conduz a duas conclusões: a primeira é que o valor do trauma não está no acontecimento em si, mas na associação estabelecida pelo sujeito; a segunda, derivada da primeira, é que o traumático é sempre singular. Nesse sentido, o caso Katharina (Freud, 1980/1893-1895a) é exemplar ao revelar que, “em todo caso de análise de histeria baseada em traumas sexuais, verificamos que as impressões do período pré-sexual que não produziram nenhum efeito na criança atingem seu poder traumático num dado posterior como lembrança” (p. 182).

A ênfase colocada sobre a lembrança e não sobre o acontecimento deu lugar, num período imediatamente subseqüente, ao conceito de fantasma, cuja formalização teórica se acha intimamente articulada à teoria do trauma.

No segundo momento de elaboração sobre o trauma, e que deve ser situado no marco dos avanços teóricos efetuados no interior mesmo da obra dos “Estudos...”, Freud conclui que o caráter traumático não é algo intrínseco a um acontecimento ou situação concreta vivenciada pelo sujeito. Nessa nova concepção, como vimos em parágrafos anteriores, o trauma emerge no a posteriori, no momento em que o sujeito produz uma interpretação da cena vivida. Freud foi sagaz em perceber que os eventos narrados por seus pacientes em análise não correspondiam efetiva e necessariamente a cenas reais vividas. Eles correspondiam a lembranças da cena, tal como ela havia sido interpretada posteriormente pelo sujeito. O acento se desloca do acontecimento para a interpretação e a produção de sentido. Em suma, Freud depreende o caráter fantasmático das lembranças narradas por seus pacientes, passando a reconhecer que o trauma tem ordem psíquica, e não real, como inicialmente se supunha. O fato de o centro do trauma ter sido deslocado do acontecimento para a lembrança leva Freud a concluir, em 1893, no texto “Comunicação Preliminar”, que “os histéricos sofrem de reminiscências” (p. 48). Com efeito, na estrutura da neurose, a realidade psíquica é decisiva, constituindo-se no produto de uma laboriosa construção efetuada pelo sujeito no percurso de sua constituição psíquica. O que Freud designa como fantasma deve nos conduzir ao reconhecimento da realidade do desejo inconsciente.

Os primórdios de elaboração do que se tornará posteriormente a elaboração definitiva sobre o fantasma pode ser rastreado a partir do texto “Projeto para uma Psicologia Científica” (Freud, 1980/1895). No seu interior, Freud apresenta a origem do desejo como calcada na primeira experiência de satisfação. Essa experiência deixa como resíduo psíquico uma marca mnésica, tomada, doravante, como modelo de toda busca ulterior do sujeito, busca de uma percepção primeira que tem como modelo uma primeira mítica experiência de satisfação. A realização do desejo não seria outra coisa senão o restabelecimento da situação originária de satisfação de forma alucinatória. A realização alucinatória do desejo permitenos depreender o caráter ficcional próprio do desejo.

Na coletânea de textos que compõem os “Estudos...”, Freud utiliza-se da expressão fantasma para demonstrar a importância da atividade fantasmática na formação dos sintomas histéricos, sob a forma de devaneios, sonhos diurnos, romances que o sujeito constrói no estado de vigília.

Na “Interpretação de Sonhos” (Freud, 1980/1900), Freud afirma que a estrutura do fantasma é comparável à estrutura do sonho, demonstrando de forma mais precisa a relação do fantasma com a estrutura do desejo inconsciente: o fantasma e o sonho constituem formas de realização de desejo. O deslocamento e a condensação são isolados como dois mecanismos fundamentais no trabalho de deformação do desejo, visando a torná-lo irreconhecível para o sujeito.

Na segunda tópica freudiana, a teoria do fantasma atinge sua formalização cabal no momento em que Freud demonstra, por um lado, o estatuto de objeto libidinal que o sujeito se faz para o isso, isto é, da dimensão absolutamente ficcional daquilo que o sujeito toma como sendo o seu EU, e, por outro, do estatuto ficcional da realidade humana, isto é, da montagem mítica que o sujeito constrói sobre sua história.

Ao longo da obra freudiana, a teoria do fantasma sofre inúmeras reviravoltas conceituais, até finalmente ser reconhecida como mola mestra em torno da qual se organiza o desejo singular de um sujeito.

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Quanto ao trauma, vale destacar que, desde o princípio, ele foi relacionado à noção de um excesso de excitação que, ao tomar o valor de um impacto devido a sua intensidade, deixa uma forte impressão no aparelho psíquico, circunscrevendo-se no marco do que hoje pode ser compreendido como um real não assimilável, não integrado ao sistema simbólico do sujeito, e que lhe exige esforço na produção de um sentido.

Alguns pontos de elaboração efetuados por Freud no período de 1893 a 1899 são dignos de nota, merecendo destaque por se constituírem nos germens da futura teoria do inconsciente e do método da livre associação a ele intimamente relacionado.

Nas elaborações produzidas no período dos “Estudos...”, Freud destacou como fato marcante que, nas neuroses traumáticas, não havia um único trauma principal isolado operando como agente etiológico dos sintomas, e sim, uma série de traumas parciais ligados entre si, que formavam um grupo de causas desencadeantes. Ele observou que a relação entre esses grupos causais e os sintomas obedecia a uma ordem de conexão lógica causal simbólica, e não cronológica ou factual. Um evento traumático que desperte uma emoção penosa de náusea moral pode perfeitamente se manifestar sob a forma de um sintoma histérico de vômito, por exemplo. Isso o levou a concluir que, entre o sintoma e os grupos causais traumáticos, se estabelece uma relação associativa produzida por laços de semelhança simbólica. Outro ponto por ele destacado, e de não menor importância, refere-se ao fato de o paciente apresentar uma perda de memória dessas relações simbólicas. A lembrança do evento traumático permanecia registrada no aparelho psíquico, mas, quanto à eficácia de sua ação na produção dos sintomas, o paciente nada recordava. De acordo com as elaborações avançadas nesse período, tornar algo consciente consistia precisamente em restabelecer as conexões causais simbólicas perdidas, fato que se torna ainda mais digno de nota ao lembrarmos que, em “A Psicoterapia da Histeria” (1980/1893- 1895b), o pressuposto teórico do estado de dupla consciência cede lugar à teoria da defesa presente na neurose, seguida imediatamente pela teoria do recalque. O recalque, compreendido como a operação por meio da qual as representações de desejo são inscritas no inconsciente, é um dos conceitos centrais da psicanálise, com um longo percurso histórico de elaboração.

Ao introduzir a teoria da defesa e, em conseqüência, a teoria do recalque, Freud não estava, inicialmente, recusando a teoria formulada por Breuer de estados hipnóides presentes na histeria, e sim, afirmando que eles eram adquiridos por meio do mecanismo psíquico da defesa.

Em uma leitura atenta do texto “Comunicação Preliminar”, de 1893, no interior do qual se delineiam conceitos-chaves para a futura teoria do inconsciente e que é fruto do trabalho conjunto entre Freud e Breuer, pode-se concluir que a noção de estados hipnóides deve ser atribuída à Breuer, enquanto os conceitos originários de defesa, recalque e resistência devem ser atribuídos a Freud.

Com a denominação de estados hipnóides, Breuer enfatizava a existência, nos histéricos, de estados de divisão de consciência análogos aos produzidos nos estados de hipnose, isto é, uma clivagem da consciência que determinava a separação de grupos psíquicos de idéias. Nesse sentido, os estados hipnóides eram equivalentes aos estados artificialmente induzidos pela hipnose.

Na concepção de Breuer, a histeria hipnóide era determinada pelo fato de um grupo de idéias se tornar patogênico devido ao “estado psíquico especial” em que se encontrava o paciente no momento de um dado acontecimento. A dissociação psíquica de idéias não era, portanto, para ele, determinada pela ação psíquica posta em jogo pela defesa, como procurava sustentar Freud.

Com a introdução da teoria da defesa, têm início as divergências teóricas entre ele e Breuer sobre a etiologia da histeria. Freud, por um lado, inicialmente, não rejeitava inteiramente a teoria dos estados hipnóides; Breuer, por seu turno, aceitava sem muito entusiasmo a teoria da defesa. A divergência entre ambos atinge seu ponto de culminância quando Freud afirma serem precisamente as idéias carregadas de conteúdo sexual as que caem sob o golpe do recalcamento. Com a teoria da defesa, Freud desejava sustentar uma nova descoberta: o processo psíquico do recalque como fator etiológico primário desencadeante da histeria.

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Com a teoria da “histeria de defesa”, Freud desejava estabelecer uma nova tese, segundo a qual a “histeria é psiquicamente adquirida” (Freud, 1980/1893-1895c, p. 53). Para ele, a tendência para a dissociação de idéias se acha presente num grau rudimentar em toda a histeria, constituindo-se na manifestação básica dessa neurose (p. 53). Vale destacar que as elaborações produzidas inicialmente por Freud sobre o recalque, com toda a originalidade de sua formulação, conservam ao longo de sua obra todo o seu vigor.

Na época dos “Estudos...”, no período compreendido entre os anos 1893 a 1895, no transcurso do qual Freud introduziu a teoria da defesa, o recalque foi definido como um processo defensivo por meio da qual o sujeito expulsava do campo da consciência as idéias que lhe pareciam incompatíveis com as representações que fazia de si mesmo, e foi situado como o mecanismo responsável pela dissociação psíquica. Pela ação do recalque, um grupo psíquico de idéias é separado, isto é, dissociado da cadeia de idéias conscientes, passando a desempenhar um papel fundamental na formação dos sintomas histéricos.

No texto a “Psicoterapia da Histeria” (Freud, 1980/1893-1895b), ao afirmar que “a histeria se origina de uma repressão de uma idéia incompatível” (p. 342), Freud define o recalque nos seguintes termos: “O ego do paciente foi abordado por uma idéia que se mostrou incompatível, que provocou, por parte do ego, uma força de repulsão com a finalidade de defender-se da idéia incompatível. Essa defesa, de fato, foi bem sucedida. A idéia em questão foi forçada para fora da consciência” (p.325). Nesse mesmo texto, ele conclui que a “aversão do ego”, por um lado, impele a idéia patogênica para fora da associação da cadeia de idéias conscientes, e, por outro, opõe-se ao seu retorno, e que “o não saber do ‘paciente histérico’ constitui, de fato, ‘um não querer saber’” (p. 326). Ora, sabemos que as idéias expulsas da consciência não são de modo algum eliminadas. Elas são tão somente isoladas da consciência, sendo assim, fundado o campo do inconsciente.

Conforme avançava em suas elaborações teóricas, ia se tornando claro para Freud que o recalque era o operador responsável pela existência de grupos de idéias situadas à margem da cadeia associativa consciente, e de que, portanto, ele deveria ser situado como causa do que, em 1983, no texto “Comunição Preliminar”, ele denominou divisão da consciência. Nesse mesmo texto, Freud faz uma observação de capital importância para a futura teoria do inconsciente ao afirmar que, na histeria, grupos de idéias que são isolados de ligação associativa com outras idéias podem, contudo, associar-se entre si, formando um complexo de idéias altamente organizadas (p. 56).

O inconsciente freudiano se define inteiramente pelo recalque, o que levou Freud a asseverar, em 1915, que: “A teoria da repressão é a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise” (Freud, 1980/1914b, p. 26). Introduzido como causa da divisão psíquica e como processo por meio do qual as representações de desejo são expulsas do campo da consciência, vindo a inscrever-se no campo do inconsciente, a força de sua ação não torna uma representação inócua e inativa; ao contrário, garante a sua indestrutibilidade ao torná-la inacessível à consciência.

O abandono da teoria dos estados hipnóides a favor da teoria da defesa envolvida no processo do recalque dá lugar à nova designação clínica: a histeria da defesa, fato que, entre outros, fez com que Freud se mostrasse ainda mais céptico quanto aos alcances terapêuticos obtidos através do método da sugestão hipnótica. A experiência clínica obtida por ele através da prática com a sugestão hipnótica constituiu-se em um valioso instrumento, que lhe permitiu elaborar posteriormente o fenômeno da sugestão implicado na transferência.

A Conferência XXVIII, intitulada “Terapia Analítica” (Freud, 1980/1916-1917), é, em grande parte, dedicada a diferenciar o tratamento psicanalítico do tratamento por sugestão e a demonstrar que a transferência toca de perto a questão da sugestão. Nessa conferência, Freud afirma que o poder de influência que o analista possui sobre o analisando se fundamenta na transferência. Essa aliança estreita entre transferência e sugestão foi apreendida a partir de sua larga experiência clínica e, de forma mais particular, em sua prática com o método da sugestão hipnótica, permitindo-lhe dissecar a relação entre autoridade e sugestão. Foi justamente a inclinação do sujeito neurótico à sugestionabilidade, e que o predispõe à posição de “servidão mental”, que conduziu Freud a assinalar os riscos implicados em todo tratamento que se paute no recurso às práticas sugestivas. É no contexto da íntima relação da transferência com a sugestão que ele centrou sua preocupação em torno do manejo da transferência, isto é, dos princípios éticos que norteiam a prática da psicanálise, demonstrando de maneira cabal que a transferência se apresenta sob uma dupla face, constituindo-se ao mesmo tempo como o mais poderoso instrumento e o maior obstáculo da análise. Grande parte de seu ensino foi dedicada a diferenciar o tratamento psicanalítico do tratamento por sugestão, demonstrando permanente preocupação com a problemática envolvida nas práticas sugestivas. Por conceber que a transferência, numa de suas facetas, é um terreno fecundo à sugestão, e vendo nisso uma fonte de perigo a ser evitado, ele preconizou que a psicanálise pode e deve operar com a transferência de um modo diverso daquele da crença, pela fé e pela sugestionabilidade, constando que, “com bastante freqüência, a transferência é capaz de remover os sintomas da doença por si mesma – mas só por pouco tempo – enquanto ela própria perdura. Nesse caso, o tratamento é realizado pela sugestão, e não pela psicanálise” (Freud, 1980/1913, p. 186). A problemática relativa à aliança entre transferência e sugestão deve ser concebida no terreno da prática analítica e, mais especificamente, no modo como, pela sua ética, o analista maneja o laço transferencial.

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Conforme foi assinalado em parágrafos anteriores, a noção de fios de associações lógicas simbólicas, cuja relação fora perdida pelo paciente, foi ganhando vulto em relação à noção de eventos traumáticos isolados como causa dos sintomas. Freud chega à conclusão que os sintomas não são determinados por uma única lembrança ou uma única idéia patogênica isolada, e sim, por uma sucessão de “traumas parciais” entrelaçados entre si, formando uma verdadeira cadeia de idéias associadas umas com as outras, prenunciando, assim, o conceito de sobredeterminação. Isso o leva a formular o conceito de que o aparelho psíquico é constituído pelo registro de certo número de lembranças ou de “seqüência de pensamentos” organizados em torno de um núcleo. Em torno desse núcleo, encontrava-se um abundante material psíquico, organizado sob a forma de uma estrutura relacional estratificada de acordo com três formas de arranjos diversas, e pela qual Freud nos apresenta o aparelho psíquico como um perfeito arquivo de memória.

A primeira forma de organização do material psíquico descrita consiste numa disposição cronológica seqüencial do material mnêmico, uma forma de ordenamento temporal linear, que constituiu uma espécie de arquivo bem ordenado de lembranças dispostas segundo uma ordem cronológica invertida. As lembranças mais recentes eram as que surgiam em primeiro lugar, seguidas pelas lembranças mais remotas da infância, culminando com a lembrança traumática, em torno da qual as demais se encontravam ligadas por laços de contigüidade.

Em segundo lugar, havia uma forma de arranjo temático. Nessa forma de organização do material psíquico, os temas que apresentem algum traço de semelhança simbólica estão fadados a se associarem entre si, tendo como centro um tema principal ao qual se encontram todos ligados. O resultado final forma uma ordem de estratificação temática que, na medida de sua proximidade com o núcleo patógeno, determina um incremento das resistências.

Em terceiro lugar, a mais importante forma de organização do material psíquico constitui uma forma de arranjo que não obedece à cronologia e nem à semelhança temática. Essa terceira forma de organização ordenava-se de acordo com o que Freud denomina conteúdo do pensamento. Nela, a associação das idéias ocorre de acordo com certos fios lógicos que as mantêm ligadas entre si. Diversamente da ordem temática, não é concêntrica, mas tem a forma de “ziguezague”, e obedece a uma ordem de associação que evoca a imagem de uma ramificação arbórea própria da lógica da associação livre.

A concepção de que a neurose é determinada por uma multiplicidade de fatores causais, não sendo jamais fruto de uma única causa isolada, leva Freud a concluir que existe uma determinação múltipla da causalidade psíquica, isto é, a elaborar o conceito de sobredeterminação. A sobredeterminação destaca o fato de que, para os sonhos e para os sintomas, bem como para as demais formações do inconsciente, concorre uma multiplicidade de fatores causais: uma “determinação múltipla” (Freud, 1980/1900, p. 327).

Data do período dos “Estudos...” a constatação de que a divisão psíquica é ocasionada pelo conflito posto em jogo entre o eu e um determinado grupo de idéias denominadas por Freud antitéticas. Pelo processo de defesa envolvido no recalque, o eu expulsa de seu campo as idéias irreconciliáveis, ainda que ao preço de sua própria divisão. Essas idéias são registradas no inconsciente, passando a integrar o seu sistema de memória e condenando o eu, doravante, a experimentar os seus retornos sucessivos como um corpo estranho incompatível com a sua consistência imaginária. O recalque não elimina a representação indesejável, mas simplesmente isola-a psiquicamente. As idéias de caráter aflitivo passam, desde então, a formar um grupo associativo separado da consciência, organizando-se de acordo com leis associativas diversas daquelas que regem o eu consciente, condenando-o a uma luta permanente contra o retorno do recalcado em derivados substitutos do inconsciente, sob a forma de uma tenaz resistência.

Nos anos iniciais da história do movimento psicanalítico, assistimos ao nascimento de princípios teóricos fundamentais da psicanálise. No seu transcurso se originaram conceitos que se constituíram em ponto de partida para as futuras linhas de desenvolvimento da teoria do inconsciente e do método da l ivre as sociação. Acompanhando o percurso trilhado pelo próprio Freud na construção do conceito de inconsciente, somos surpreendidos pelas inúmeras reviravoltas conceituais que culminaram na elaboração da primeira e da segunda tópica, no interior das quais ele nos apresenta em toda extensão de sua complexidade a concepção estrutural do aparelho psíquico. A relação intrínseca entre representação, inconsciente e recalque mantém ainda hoje toda a sua vigência, e encontra-se presente, em estado germinal, nos “Estudos”. Pautados pelos desenvolvimentos teóricos posteriores, compreendemos o quanto a noção de representações de desejo deve à noção de lembranças traumáticas, em outras palavras, como vimos acima, ao caráter fantasmático dessas lembranças. Compreendemos também que a noção de núcleo traumático primário como causa originária dos sintomas responde à noção de inscrição da pulsão no psíquico, ou seja, à noção de um oco, de um vazio estrutural situado no coração do inconsciente, que opera como causa do desejo e da falta-aser do sujeito. Isso nos leva a concluir que é do desejo que o eu se defende, portanto, o que se apresenta como irreconciliável e traumático ao “eu oficial” (Safouan, 1991, p. 42), e do qual ele nada quer saber, é o vazio que causa o desejo, bem como a montagem fantasmática que dele deriva e que serve ao propósito de encobri-lo e ocultá-lo.

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É verdade que, num período imediatamente anterior à elaboração da teoria da defesa e do recalque, as noções teóricas avançadas a propósito da divisão psíquica, como vimos anteriormente, eram colocadas em termos de cisão da consciência – uma “consciência normal” e uma “segunda consciência” –, onde se alojavam as lembranças de caráter penoso. É verdade também que o objetivo era integrálas à cadeia de associações conscientes, daí o recurso à hipnose. De fato, isso conduz à idéia de que o inconsciente deveria ser integrado à dita consciência normal. A noção de que a consciência poderia dividir-se a si própria, determinando, como conseqüência, dois estados de consciência, uma ignorando a existência da outra, é uma concepção cara a algumas correntes filosóficas. Vimos como Freud não se deteve nela por muito tempo, lançando posteriormente severas críticas a tal postulado. A seu ver, se a aceitação da existência de idéias inconscientes acarreta dificuldades, a existência de uma consciência inconsciente é ainda mais objetável (Freud, 1980/1912b, p. 330).

Em 1892-1893, no texto “Um Caso de Cura pelo Hipnotismo”, Freud abandona a teoria da divisão da consciência, propondo como modelo da divisão psíquica a noção de “vontade e contra-vontade”. Nesse modelo, ele afirma que a contra-vontade se opõe à vontade consciente manifesta pelo sujeito, revelando-se mais soberana e determinante, a ponto de impedir a realização de sua vontade. O desconhecimento de sua existência impõe que se manifeste sob a forma de sintomas, cuja causa permanece ignorada pelo sujeito. Contravontade é a denominação dada ao desejo inconsciente em 1893, tal como o compreendemos hoje

Logo após propor o modelo da divisão psíquica em termos de vontade e contravontade, Freud o abandona em prol de um novo modelo: o da incompatibilidade do eu com uma cadeia de idéias de caráter penoso, ou seja, o modelo da dissociação psíquica posta em jogo entre o eu e um grupo de ideais a ele contrários e irreconciliáveis.

Vimos como imediatamente após essas elaborações conceituais, ou mesmo a elas paralelas, passa a ter lugar a noção de associações regidas por laços lógicos simbólicos. A noção de que o sujeito estava impedido de recordar os eventos penosos (traumáticos) de sua existência vai perdendo importância e cedendo lugar a uma nova elaboração: o que é perdido pela memória consciente não são os eventos, por mais penosos que eles possam se revelar; o que o sujeito perde pela ação do recalcamento são os fios de articulações lógicas que se estabelecem entre os sintomas manifestos e as cadeias de representações do desejo inconscientes. Em suma, o sujeito é incapaz de relacionar os atos de sua vida cotidiana com os pensamentos inconscientes que neles se produzem. No método da associação livre, o sujeito é convidado a abandonar as resistências e a deixar-se conduzir pelos fios lógicos que ligam as representações inconscientes entre si, convidado, portanto, a produzir pensamentos inconscientes e a esforçar-se para encontrar palavras que os expressem.

É na certeza da existência de pensamentos inconscientes e na aposta de que eles podem ser traduzidos em palavras que o método da livre associação se sustenta. Isso nos leva a retomar a questão problemática de tornar consciente o inconsciente, abordada anteriormente. Qual é o entendimento que podemos fazer dessa expressão freqüente na obra freudiana? Deveríamos ver nela uma recomendação técnica de tornar o saber insabido do inconsciente conhecido pela consciência? Seria o caso de supor como desejável e mesmo possível que o trabalho de análise culminasse na posse e no domínio, pela consciência, do que é inconsciente?

A questão de como o inconsciente se torna consciente não é de modo algum banal, no mínimo por duas razões. Por um lado, ela dá margem a equívocos e mal-entendidos com relação à prática da psicanálise; por outro, pela particular atenção que Freud lhe dedica no texto “O Inconsciente” (1915a). Nesse texto, ele levanta a questão de como se dá a transposição, isto é, a passagem das idéias do sistema inconsciente para o sistema consciente, questão introduzida precisamente em função da concepção tópica de que o aparelho psíquico é constituído por três sistemas.

Nesse texto, ele formula três hipóteses. A primeira, denominada tópica, formula a possibilidade de um duplo registro do material mnêmico inconsciente, sendo colocada nos seguintes termos: quando uma idéia ou representação passa do registro inconsciente para o registro consciente, com a mudança de localização tópica aí operada, a idéia passaria a existir em dois lugares diversos, quer dizer, a idéia continuaria a ter existência psíquica inconsciente, acrescida agora de uma existência paralela no sistema consciente? Com relação a essa hipótese, Freud levanta uma séria objeção. Quando se comunica ao paciente o conteúdo de uma idéia recalcada, pode-se afirmar que ela passou a ter existência em dois lugares psíquicos diversos. Contudo, o trabalho clínico comprova que esse procedimento não produz nenhuma alteração psíquica. O recalque não é removido e nem os seus efeitos são anulados.

Com relação ainda a essa primeira hipótese, Freud faz uma divertida analogia, dizendo que, se o conhecimento sobre o inconsciente fosse tão importante para o paciente, ouvir conferências ou ler livros seria suficiente para curá-lo. Observa, entretanto, que isso tem tanta influência sobre os sintomas quanto a distribuição de cardápios aos famintos (Freud, 1980/1910, p. 211).

Estamos devidamente advertidos do fato de que a revelação do inconsciente ao paciente resulta, no melhor dos casos, numa medida completamente inócua, no pior e no mais freqüente, no fortalecimento da barreira das resistências.

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Tornar consciente o inconsciente calcado na premissa de promover um alargamento do campo consciência não faz parte dos pressupostos técnicos da psicanálise. Sabemos, pelo legado de ensinamentos deixados por Freud, que uma técnica assim conduzida não é outra coisa senão a manifestação de “uma ambição terapêutica” (Freud, 1980/1912a, p. 153) por parte do analista, e que ele não vacila em considerar o “...sentimento mais perigoso para um psicanalista” (p. 153). Ao proceder desse modo selvagem, o analista não estará fazendo nada mais do que inculcar no paciente as suas próprias concepções e desejos, fazendo um uso abusivo do laço transferencial ao colocá-lo a serviço da sugestão. Essa ocasião é oportuna para lembrarmos, por um lado, os riscos implicados em todo tratamento que se paute no recurso à sugestão e, por outro, a concepção do analista sobre o inconsciente, a direção do tratamento e da ética na qual sustenta o seu trabalho pauta a totalidade de seus atos analíticos.

A segunda hipótese, denominada funcional, aventa a possibilidade de que a passagem de uma idéia inconsciente para o consciente implicaria uma mudança pura e simples de seu estado. Essa hipótese é refutada, sendo considerada a mais grosseira das três.

A terceira hipótese formulada por Freud põe um ponto final na questão de como algo inconsciente se torna consciente. Ela consiste, primeiramente, numa recusa das duas hipóteses anteriores. A passagem do inconsciente para o consciente não se dá por meio de uma mudança de registro, tampouco por diferenças produzidas no estado funcional.

Na formulação da terceira hipótese, Freud introduz a distinção entre “representação de coisa” (Sachvorstellung) e “representação de palavra” (Wortvorstellung), esclarecendo que no inconsciente subsistem as representações de coisa sem as representações de palavra correspondentes. Como o inconsciente se torna consciente? Freud responde: “O que o recalque recusa às representações inconscientes é a sua tradução em palavras. Associar as representações inconscientes com as palavras abre a única via possível de acesso do inconsciente à consciência”.

No Seminário - Livro 7, Lacan (1991) afirma que a oposição entre Wortvorstellung e Sachvorstellung introduzida por Freud demonstra de forma admirável o quanto ele compreendeu bem a distinção necessária entre a linguagem como função e a linguagem enquanto estrutura.

Concluímos, portanto, que tradução em palavras é o recurso disponível ao sujeito para reconhecer e elaborar algo sobre o seu desejo. É também por meio do ato de fala que o sujeito encontra recursos para tornar simbólico um real traumático não integrado ao sistema simbólico. É da certeza da existência de processos de pensamentos que se produzem de forma autônoma da consciência e do valor conferido por Freud à palavra que nasce tanto a teoria quanto o método da psicanálise.



Referências

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Endereço para correspondência 
Geselda Baratto 
Universidade Regional de Blumenau 
Rua Antonio da Veiga nº 140 - Centro 
88302-200 - Blumenau, SC - Brasil 
E-mail: gisabaratto@yahoo.com.br

Recebido 15/04/2008 
Reformulado 13/09/2008 
Aprovado 30/10/2008.





* Doutora em Psicologia. Professora da Universidade Regional de Blumenau – FURB.


http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932009000100007

BARATTO, Geselda. A descoberta do inconsciente e o percurso histórico de sua elaboração. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 29, n. 1, p. 74-87, mar.  2009 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932009000100007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  07  jan.  2017.