Freud - Obras Completas III (parte 2)




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RESPOSTA ÀS CRÍTICAS A MEU ARTIGO SOBRE A
NEUROSE DE ANGÚSTIA (1895)


NOTA DO EDITOR INGLÊS

ZUR KRITIK DER “ANGSTNEUROSE”

(a) EDIÇÕES ALEMÃS:
1895 Wien.klin. Rdsch, 9 (27), 417-19, (28), 435-7, (29), 451-2. (7, 14 e 21 de julho.)
1906 S.K.S.N., 1, 94-111. (1911, 2ª ed., 1920, 3ª ed.; 1922, 4ª ed.).
1925 G.S., 1, 343-62.
1952 G.W., 1, 357-76.

(b) TRADUÇÃO INGLESA:
“A Reply to Criticisms on the Anxiety-Neurosis”
1924 C.P. 1, 107-27. (Trad. de J. Rickman.)
Incluído (Nº XXXIII) na coleção de sinopses dos primeiros trabalhos de Freud elaborada por ele mesmo (1897b). Esta tradução, com o título modificado, baseia-se na de 1924.
Após a publicação do primeiro artigo de Freud sobre a neurose de angústia em janeiro de 1895, uma crítica de Loewenfeld a ele foi estampada no exemplar de março do Neurologisches Zentralblatt. O artigo aqui reproduzido é a réplica de Freud. Leopold Loewenfeld (1847-1923) era um afamado psiquiatra que clinicava em Munique. Era conhecido de Freud e continuou a manter com ele relações amigáveis. Incluiu capítulos de Freud em dois de seus livros, compareceu aos dois primeiros Congressos Psicanalíticos, em 1908 e 1910, e chegou até a apresentar um estudo (sobre hipnotismo) neste último. Apesar disso, porém, nunca aceitou inteiramente as idéias de Freud. Uma referência ao fato de que a presente controvérsia não afetou as boas relações entre ambos ocorre na Conferência XVI das Conferências Introdutórias (1916-17).
A principal importância deste artigo está na discussão minuciosa do que Freud chama aqui de “equação etiológica - as inter-relações entre as diferentes espécies de causas envolvidas na geração de uma neurose (ou, a rigor, de qualquer outra doença). A questão já fora esboçada numa comunicação a Fliess em 8 de fevereiro de 1893 (Freud, 1950a, Rascunho B) e voltou a ser abordada, mais tarde, no artigo em francês sobre “A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses” (1896a). Uma nova alusão à “equação etiológica”, cujos termos devem ser todos satisfeitos para que uma neurose possa manifestar-se, é feita dez anos depois do artigo sobre a sexualidade nas neuroses (1906a, Edição Standard Brasileira, Vol. VII, ver em [1], IMAGO Editora, 1972, e ela reaparece na comunicação dirigida ao Congresso de Nuremberg (1910d), Edição Standard Brasileira, Vol. XI, ver em [1], IMAGO Editora, 1970. Daí em diante, porém, ela se reduz gradualmente à interação entre hereditariedade e experiência - os dois principais conjuntos de determinantes da neurose - e termina pela introdução do conceito de “séries complementares” nas Conferências XXII e XXIII das Conferências Introdutórias (1916-17). Há uma passagem nos Três Ensaios onde a transição é mostrada claramente. Em algumas frases acrescentadas àquele trabalho em 1915, Freud referiu-se duas vezes a uma “série etiológica”, “em que a intensidade decrescente de um fator é contrabalançada pela intensidade crescente de outro”. Então, em 1920, depois de escrever as Conferências Introdutórias, ele alterou a expressão nos Três Ensaios para “série complementar”; ao menos mudou uma de suas ocorrências, embora a segunda lhe passasse despercebida, de modo que as duas versões do termo são conservadas a poucas linhas uma da outra (Edição Standard Brasileira, Vol. VII, ver em [1] e [2], IMAGO Editora, 1972), revelando a linha de tendência da equação etiológica até a série complementar.
Um breve extrato da tradução anterior (1924) deste artigo foi incluído em A General Selection from the Works of Sigmund Freud (1937, 68-9), de Rickman.

RESPOSTA ÀS CRÍTICAS A MEU ARTIGO SOBRE A NEUROSE DA ANGÚSTIA

No segundo número do Neurologisches Zentralblatt de Mendel para 1895, publiquei um breve artigo em que me arrisquei a fazer uma tentativa de isolar da neurastenia vários estados nervosos e estabelecê-los como uma entidade independente, sob o nome de “neurose de angústia”. Fui levado a fazê-lo pela presença de uma conjunção constante de certos traços clínicos com outros etiológicos - coisa que em geral nos permite fazer uma separação desse tipo. Descobri - e nisso Hecker  (1893) se antecipara a mim - que todos os sintomas neuróticos em questão podiam ser classificados em conjunto como constituindo expressões de angústia; e meu estudo da etiologia das neuroses permitiu-me acrescentar que essas porções do complexo da “neurose de angústia” exibem precondições etiológicas especiais que são quase o inverso da etiologia da neurastenia. Minhas observações me haviam mostrado que, na etiologia das neuroses (pelo menos na dos casos adquiridos e das formas adquiríveis), os fatores sexuais desempenham um papel predominante, ao qual se tem atribuído pouquíssimo peso; assim, uma asserção como “a etiologia das neuroses reside na sexualidade”, com toda sua inevitável incorreção per excessum et defectum |por excesso ou falta|, mesmo assim está mais próxima da verdade do que as outras doutrinas dominantes no momento. Outra afirmação que minhas observações me forçaram a fazer foi no sentido de que os vários fatores sexuais nocivos não são indiferentemente encontrados na etiologia de todas as neuroses, mas que existem relações especiais inconfundíveis entre determinados fatores nocivos e determinadas neuroses. Desse modo, pude presumir que havia descoberto as causas específicas das várias neuroses. Procurei então formular sucintamente o caráter especial das perturbações sexuais que constituem a etiologia da neurose de angústia, e, com base em minha concepção do processo sexual (ver em [1]), cheguei a esta proposição: a neurose da angústia é criada por tudo aquilo que mantém a tensão sexual somática afastada da esfera psíquica, por tudo o que interfere em sua elaboração psíquica. Ao retrocedermos às circunstâncias concretas em que esse fator se torna atuante, somos levados a afirmar que a abstinência |sexual|, quer voluntária quer involuntária, a relação sexual com satisfação incompleta, o coito interrompido, o desvio do interesse psíquico da esfera da sexualidade e coisas similares são os fatores etiológicos específicos dos estados que denominei de “neurose de angústia”.
Quando publiquei o artigo aqui mencionado, não tinha nenhuma ilusão quanto a seu poder de persuasão. Em primeiro lugar, estava ciente de que a explicação que eu fornecera era apenas uma explicação sumária e incompleta e, em alguns pontos, até mesmo difícil de compreender - talvez apenas o bastante para despertar as expectativas do leitor. Além disso, oferecera também muitos poucos exemplos e nenhuma cifra. Tampouco abordara a técnica de coleta de anamneses ou tomara providências para evitar mal-entendidos. Não levara em conta nada além das objeções mais óbvias e, no tocante à própria teoria, enfatizara apenas sua proposição principal, e não suas restrições. Sendo assim, cada leitor estava de fato livre para formar sua própria opinião quanto à força de sustentação de toda a hipótese. Eu também podia contar com outra dificuldade em sua aceitação. Sei muito bem que, ao expor minha “etiologia sexual” das neuroses, não apresentei nada de novo, e que nunca faltaram correntes não oficiais da literatura médica que levam esses fatos em conta. Sei ainda que, de fato, a medicina acadêmica oficial também tem estado ciente deles. Mas tem agido como se nada soubesse sobre o assunto. Não tem utilizado seus conhecimentos nem extraído deles nenhuma inferência. Tal comportamento deve ter alguma causa profundamente enraizada, talvez oriunda de uma espécie de relutância em enfocar diretamente os assuntos sexuais, ou de uma reação contra as tentativas mais antigas de explicação, consideradas obsoletas. Em todo caso, tem-se que estar preparado para enfrentar resistências quando se arrisca empreender uma tentativa de tornar fidedigno para outras pessoas algo que elas poderiam descobrir por si mesmas, sem nenhuma dificuldade.
Nessas circunstâncias, talvez fosse mais conveniente não responder às objeções críticas até que eu mesmo tivesse expressado meus pontos de vista sobre esse tema complexo com maiores detalhes, tornando-os assim mais inteligíveis. Entretanto, não posso resistir aos motivos que me impelem a dar uma resposta imediata a uma crítica de minha teoria da neurose de angústia recentemente publicada. Faço-o porque o seu autor, L. Loewenfeld, de Munique, autor de Pathologie und Therapie der Neurasthenie, é um homem cujo julgamento decerto tem muito peso junto ao público médico; por causa de uma concepção equivocada que o texto de Loewenfeld me atribui; e finalmente, porque desejo combater de saída a impressão de que minha teoria pode ser tão facilmente refutada pelas primeiras objeções que aparecem.
Com olho infalível, Loewenfeld (1895) detecta a característica essencial de meu artigo - a saber, minha asserção de que os sintomas da angústia têm uma etiologia específica e uniforme, de natureza sexual. Não sendo possível estabelecer isso como um fato, desaparece também a principal razão para se destacar da neurastenia uma neurose de angústia independente dela. Resta, é verdade, uma dificuldade para a qual chamei atenção |ver em [1] e seg.|: o fato de que os sintomas de angústia têm também ligações rigorosamente inequívocas com a histeria, de modo que uma decisão nos termos de Loewenfeld prejudicaria a separação entre neurastenia e histeria. Tal dificuldade, no entanto, é equacionada por um recurso à hereditariedade como causa comum de todas essas neuroses (concepção que examinarei depois).
Que argumentos, pois, Loewenfeld utiliza para fundamentar sua objeção a minha teoria?

(1) Enfatizarei, como ponto essencial para a compreensão da neurose de angústia, que a angústia nela ocorrente não permite uma derivação psicológica - isso significa que a pronta disposição para a angústia, que constitui o núcleo da neurose, não pode ser adquirida por um fato isolado ou repetido de pânico psiquicamente justificado. O pânico, sustentei, poderia resultar em histeria ou neurose traumática, mas não numa neurose de angústia. Essa negação, como se percebe facilmente, nada mais é do que a contrapartida de minha afirmação, de cunho positivo, de que a angústia que aparece em minha neurose corresponde a uma tensão sexual somática que foi desviada do campo psíquico - uma tensão que, de outra forma, far-se-ia sentir como libido.
Em oposição a isso, Loewenfeld insiste no fato de que, em muitos casos, “os estados de angústia aparecem imediatamente ou logo após um choque psíquico (apenas pavor ou acidentes acompanhados de pavor), e nessas situações às vezes há circunstâncias que tornam extremamente improvável a atuação simultânea de perturbações sexuais da espécie mencionada”. Ele apresenta em poucas palavras, como exemplo particularmente fecundo, uma observação clínica (servindo por muitas). Esse exemplo concerne a uma mulher de trinta anos, com uma tara hereditária, que estivera casada por quatro anos e que, um ano antes, tivera um primeiro parto muito difícil. Poucas semanas após esse acontecimento, seu marido fora acometido de um ataque de doença que a assustara e, em sua agitação, ela ficara correndo de camisola pelo cômodo frio. Desde essa época, havia adoecido. Primeiro sofrera de estados de angústia e palpitações à noite, depois vieram os acessos de tremores convulsivos, depois fobias, e assim por diante. Era o quadro de uma neurose de angústia plenamente desenvolvida. “Aqui”, conclui Loewenfeld, “os estados de angústia são obviamente de origem psíquica, desencadeados pelo susto isolado.”
Não duvido que meu respeitável crítico possa apresentar muitos casos similares. Eu mesmo posso fornecer uma longa lista de exemplos análogos. Quem não tiver visto tais casos - e eles são extremamente comuns - de eclosão da neurose de angústia após um choque psíquico não pode considerar-se qualificado para tomar parte em discussões sobre a neurose de angústia. A esse respeito, observarei apenas que nem o susto nem a expectativa angustiada precisam ser sempre encontrados na etiologia desses casos; qualquer outra emoção serviria igualmente bem. Rememorando rapidamente alguns casos, lembro-me de um homem de quarenta e cinco anos que teve seu primeiro ataque de angústia (com colapso cardíaco) ao receber a notícia da morte do pai, que era um senhor idoso; daí por diante, desenvolveu uma neurose de angústia típica e completa, acompanhada de agorafobia. Lembro-me também de um rapaz acometido da mesma neurose em virtude de sua agitação diante dos desentendimentos entre sua jovem esposa e sua mãe, e que tinha um novo surto de agorafobia depois de cada discussão doméstica. Havia ainda um estudante, um tanto preguiçoso, que teve seus primeiros ataques de angústia durante um período em que, instigado pelo desagrado paterno, estava arduamente empenhado em se preparar para um exame. Lembro-me também de uma mulher sem filhos que adoeceu em função da angústia ligada à saúde de uma sobrinha pequena. E outros casos similares. Quanto aos fatos em si usados por Loewenfeld contra mim não paira a menor dúvida.
Contudo, uma dúvida quanto a sua interpretação. Será que devemos aceitar incontinenti a conclusão post hoc ergo propter hoc e abster-nos de qualquer exame crítico do material bruto? Há exemplos suficientes em que a causa desencadeante final não preserva, ante uma análise crítica, sua posição de causa efficiens. Basta pensar, por exemplo, na relação entre o trauma e a gota. O papel de um trauma na estimulação de um ataque de gota no membro afetado provavelmente não difere do papel que ele desempenha na etiologia da tabes e da paralisia geral dos insanos; só que, no caso da gota, fica claro, até para a mais medíocre das capacidades, que é absurdo supor que o trauma tenha “causado” a gota, em vez de tê-la meramente provocado. Há que refletir com cuidado ao nos depararmos com fatores etiológicos dessa natureza - fatores “banais”, como gostaria de chamá-los - na etiologia das mais variadas formas de doença. A emoção, o susto, é também um fator banal desse tipo. O pânico pode provocar coréia, apoplexia, paralisia agitante e muitas outras coisas, assim como pode provocar a neurose de angústia. Não devo, é claro, prosseguir na argumentação de que, graças a sua ubiqüidade, as causas banais não satisfazem a nossos requisitos, e de que deve haver também causas específicas; fazê-lo seria incorrer numa petição de princípio em favor da proposição que quero provar. Mas é justificável que eu extraia a seguinte conclusão: se for possível mostrar que existe uma mesma causa específica na etiologia de todos ou da grande maioria dos casos de neurose de angústia, nossa visão do assunto não precisará ficar abalada pelo fato de a doença só eclodir depois que um ou outro fator banal, tal como a emoção, torna-se atuante.
Foi o que se deu com meus casos de neurose de angústia. Tomemos o homem que |ver em [1]|, após receber a notícia da morte do pai, adoeceu tão inexplicavelmente. (Acrescento “inexplicavelmente” porque a morte não fora imprevista, nem ocorrera em circunstâncias incomuns ou chocantes.) Esse homem praticara por onze anos o coito interrompido com sua mulher, a quem quase sempre tentara satisfazer. Da mesma forma, o rapaz que não suportava as brigas entre a mulher e a mãe havia praticado a retirada do pênis com sua jovem esposa desde o início do casamento, para se livrar do encargo de filhos. Temos então o estudante que contraíra uma neurose de angústia, em vez da esperável neurastenia cerebral, em conseqüência da sobrecarga de trabalho: ele vinha mantendo há três anos uma relação com uma jovem que não lhe era permitido engravidar. Havia ainda a mulher sem filhos que fora acometida de neurose de angústia por causa da doença de uma sobrinha: era casada com um homem impotente e nunca fora sexualmente satisfeita. E assim por diante. Nem todos esses casos são igualmente claros ou igualmente bons como comprovação de minha tese; contudo, quando os junto ao imenso número de casos em que a etiologia só mostra o fator específico, eles se enquadram sem contradição na teoria que formulei e permitem estender nossa compreensão etiológica para além das fronteiras vigentes até aqui.
Se alguém quiser provar-me que, nesses comentários, negligenciei indevidamente a importância dos fatores etiológicos banais, deverá confrontar-me com observações em que meu fator específico esteja ausente - isto é, com casos em que a neurose de angústia tenha emergido após um choque psíquico, embora (de modo geral) o sujeito tenha levado uma vita sexualis normal. Vejamos agora se o caso de Loewenfeld satisfaz a essa condição. É óbvio que meu respeitável oponente não percebeu com clareza a necessidade disso, do contrário não nos teria deixado tão completamente no escuro quanto à vita sexualis de sua paciente. Deixarei de lado o fato de que esse caso da mulher de trinta anos é obviamente complicado por uma histeria sobre cuja origem psíquica não tenho a mínima dúvida; e naturalmente admito, sem levantar qualquer objeção, a presença de uma neurose de angústia ao lado dessa histeria. Mas antes de usar um caso para comprovar ou refutar a teoria da etiologia sexual das neuroses, é preciso, primeiramente, que eu tenha estudado o comportamento sexual do paciente mais de perto do que fez Loewenfeld. Não me contentaria em concluir que, por ter a mulher sofrido seu choque psíquico numa fase imediatamente posterior a um parto, o coito interrompido não poderia ter desempenhado um papel nisso no ano anterior, e que, portanto, as perturbações sexuais estariam excluídas. Sei de casos de mulheres que engravidavam todos os anos e que, apesar disso, sofriam de neurose de angústia, pois - por incrível que pareça - todas as relações sexuais eram suspensas depois do primeiro coito fertilizante, de modo que, a despeito de terem muitos filhos, elas haviam sofrido de privação sexual durante todos esses anos. Nenhum médico ignora o fato de que as mulheres concebem filhos de homens cuja potência é muito reduzida e que não podem proporcionar-lhes satisfação. Por fim (e essa é uma consideração que deve ser levada em conta precisamente pelos defensores de uma etiologia hereditária), há muitas mulheres afligidas por neurose de angústia congênita - isto é, que herdam ou desenvolvem, sem nenhum distúrbio externamente demonstrável, uma vita sexualis idêntica à usualmente adquirida por meio do coito interrompido e de perturbações similares. Em muitas dessas mulheres podemos descobrir uma doença histérica na juventude, desde a qual sua vita sexualis ficou perturbada e se estabeleceu um desvio da tensão sexual para longe da esfera psíquica. As mulheres com esse tipo de sexualidade são incapazes de obter satisfação real, mesmo no coito normal, e desenvolvem uma neurose de angústia, seja espontaneamente, seja depois de sobrevirem outros fatores atuantes. Quais desses elementos estavam presentes no caso de Loewenfeld? Não sei. Mas repito: esse caso só constituirá uma prova contra mim se a mulher que reagiu a um único susto com uma neurose de angústia tiver antes desfrutado de uma vita sexualis normal.
É impossível empreender uma investigação etiológica baseada em anamneses se aceitarmos essas anamneses tais como os pacientes as apresentam, ou se nos contentarmos com o que eles estão dispostos a informar voluntariamente. Se os especialistas em sífilis ainda confiassem no depoimento de seus pacientes para ligar uma infecção inicial da genitália às relações sexuais, poderiam atribuir um respeitável número de cancros em pessoas declaradamente virgens a simples resfriados; e os ginecologistas teriam pouca dificuldade em confirmar o milagre da partenogênese entre suas clientes solteiras. Espero que um dia prevaleça a idéia de que também os neuropatologistas, ao colherem as anamneses das grandes neuroses, podem estar procedendo com base em preconceitos etiológicos de natureza semelhante.

(2) Loewenfeld diz ainda que tem visto repetidamente o aparecimento e desaparecimento de estados de angústia em casos em que decerto não ocorreu qualquer mudança na vida sexual do sujeito, mas onde havia outros fatores em jogo.
Eu próprio fiz exatamente a mesma observação, sem contudo deixar-me levar por ela. Também eu fiz desaparecerem ataques de angústia por meio de tratamento psíquico, melhoria da saúde geral do paciente, e assim por diante; mas, naturalmente, não concluí daí que o que causara o ataque de angústia fora uma falta de tratamento. Não que me agrade imputar a Loewenfeld uma conclusão dessa espécie. Meu comentário jogoso tenciona apenas mostrar que o estado de coisas pode facilmente complicar-se o bastante para invalidar por completo a objeção de Loewenfeld. Não acho difícil conciliar o fato aqui apresentado com minha afirmativa de que a neurose de angústia tem uma etiologia específica. Há que admitir prontamente que existem fatores etiológicos que, para surtirem efeito, precisam atuar com certa intensidade (ou quantidade) e durante um certo período de tempo - fatores que, em outras palavras, são somados. Os efeitos do álcool são um exemplo-padrão desse tipo de causação por soma. Deduz-se daí que deve haver um período em que a etiologia específica está em ação, mas no qual seu efeito ainda não é manifesto. Durante essa fase, o sujeito ainda não está doente, mas está predisposto a uma enfermidade particular - em nosso caso, à neurose de angústia-, e então o acréscimo de uma perturbação banal poderá deflagrar a neurose, tal como o faria uma nova intensificação da ação do fator perturbador específico. A situação também pode expressar-se da seguinte maneira: não basta a perturbação específica estar presente; ela também precisa atingir um patamar definido; e, no processo de atingir esse limite, uma quantidade da perturbação específica pode ser substituída por uma dose de perturbações banais. Se estas últimas voltarem a ser eliminadas, ficaremos abaixo de um certo limiar e os sintomas clínicos tornarão a desaparecer. Toda a terapia das neuroses se apóia no fato de que a carga total sobre o sistema nervoso, à qual este sucumbiu, pode ser levada a um nível inferior a esse limiar, influenciando-se de inúmeras maneiras a mistura etiológica. Com base nessas circunstâncias, não podemos tirar nenhuma conclusão quanto à existência ou inexistência de uma etiologia específica. Essas considerações são certamente seguras e incontestáveis. Mas quem quer que não as julgue suficientes poderá ser influenciado pelo seguinte argumento. De acordo com as concepções de Loewenfeld e de inúmeros outros, a etiologia dos estados de angústia deve ser buscada na hereditariedade. Ora, a hereditariedade é certamente imune a alterações; logo, se a neurose de angústia é curável sob tratamento, temos que concluir, segundo a argumentação de Loewenfeld, que sua etiologia não pode residir na hereditariedade.
Quanto ao mais, talvez me fosse poupado ter que me defender dessas duas objeções de Loewenfeld, se meu respeitável oponente tivesse prestado maior atenção a meu artigo. Nele, ambas as objeções foram previstas e respondidas (ver em [1] e segs.). Aqui pude apenas repetir o que disse lá, e cheguei até a reanalisar deliberadamente os mesmos casos outra vez. Além disso, as fórmulas etiológicas que acabo de enfatizar estão contidas no texto de meu artigo |ver em [1]|. Vou repeti-las uma vez mais. Sustento que existe um fator etiológico específico da neurose de angústia que pode ser substituído em sua atuação por uma perturbação banal, em sentido QUANTITATIVO, mas não em sentido QUALITATIVO; sustento ainda que esse fator específico determina primordialmente a FORMA da neurose; a ocorrência ou não da doença neurótica depende da carga total sobre o sistema nervoso (proporcionalmente a sua capacidade de suportar tal carga). Em geral, as neuroses são sobredeterminadas, isto é, vários fatores operaram conjuntamente em sua etiologia.

(3) Não há por que me preocupar muito com a refutação dos comentários subseqüentes de Loewenfeld, já que, por um lado, eles afetam muito pouco a minha teoria e, por outro, levantam dificuldades cuja existência reconheço. Loewenfeld escreve: “A teoria freudiana é totalmente insuficiente para explicar o aparecimento ou não-aparecimento dos ataques de angústia em casos isolados. Se os estados de angústia - isto é, os sintomas clínicos da neurose de angústia - ocorressem somente por um armazenamento subcortical da excitação sexual somática e por um emprego anormal desta, todas as pessoas afetadas por estados de angústia deveriam, desde que não ocorresse nenhuma mudança em sua vida sexual, ter de tempos em tempos um ataque de angústia, assim como o epiléptico tem seu ataque de grand e petit mal. Mas isso, como mostras a experiência cotidiana, de modo algum acontece. Os ataques de angústia ocorrem, na grande maioria dos casos, apenas em ocasiões definidas; quando o paciente evita essas ocasiões ou consegue paralisar sua influência por meio de alguma precaução, fica isento dos ataques de angústia, quer se entregue regularmente ao coito interrompido ou à abstinência, quer goze de uma vida sexual normal.”
Há muito a dizer sobre isso. Em primeiro lugar, Loewenfeld impõe à minha teoria uma inferência que ela não é obrigada a aceitar. Supor que na armazenagem de excitação sexual somática ocorre a mesma coisa que na acumulação de estímulo que leva a uma convulsão epiléptica é formular uma hipótese excessivamente minuciosa, e não dei nenhum motivo para isso; nem essa hipótese é a única que se apresenta. Para descartar a alegação de Loewenfeld, basta-me apenas presumir que o sistema nervoso tem o poder de manejar um certo quantum de excitação sexual somática mesmo quando esta última é desviada de seu objetivo, e que os distúrbios só ocorrem quando esse quantum de excitação recebe um súbito acréscimo. Não me arrisquei a estender minha teoria nessa direção, principalmente por não esperar encontrar pontos de apoio sólidos ao longo desse caminho. Gostaria apenas de indicar que não devemos pensar na produção da tensão sexual como algo independente de sua distribuição: que, na vida sexual normal, essa produção, quando estimulada por um objeto sexual, assume uma forma substancialmente diversa da que toma no estado de inércia psíquica (ver ver em [1]) e assim por diante.
Convém admitir que, com toda a probabilidade, a situação aqui difere da que prevalece na tendência às convulsões epilépticas, e que ainda não pode ser sistematicamente deduzida da teoria do acúmulo da excitação sexual somática.
Contrariando a outra afirmação de Loewenfeld - a de que os estados de angústia só aparecem em certas ocasiões e deixam de aparecer quando essas condições são evitadas, independentemente de qual seja a vita sexualis do sujeito - convém assinalar que, nesse ponto, é claro que ele só tem em mente a angústia das fobias, como de fato fica demonstrado pelos exemplos ligados à passagem que citei. Ele não diz absolutamente nada sobre os ataques espontâneos de angústia que tomam a forma de vertigens, palpitações, dispnéia, tremores, transpiração etc. Minha teoria, ao contrário, de modo algum parece incapaz de explicar a emergência ou não-emergência desses ataques de angústia, pois, num grande número desses casos de neurose de angústia, parece efetivamente haver uma periodicidade na emergência dos estados de angústia, semelhante à que se observa na epilepsia, exceto que, nesta última, a periodicidade é mais transparente. Mediante um exame detalhado, descobrimos com grande regularidade a presença de um processo sexual excitatório (isto é, um processo capaz de gerar tensão sexual somática), que, após o decorrer de um intervalo de tempo definido e quase sempre constante, é seguido pelo ataque de angústia. Esse papel |excitatório| é desempenhado, nas mulheres abstinentes, pela excitação menstrual; é ainda desempenhado pelas poluções noturnas, que também se repetem periodicamente. Acima de tudo, esse papel é desempenhado pela própria relação sexual (prejudicial, quando incompleta), que transfere sua própria periodicidade aos efeitos que acarreta, ou seja, aos ataques de angústia. Quando ocorrem ataques de angústia que rompem a periodicidade usual, costuma ser possível atribuí-los a uma causa incidental de ocorrência rara e irregular - a uma experiência sexual isolada, a alguma coisa lida ou vista, e outras situações semelhantes. O intervalo que mencionei oscila de poucas horas a dois dias; é idêntico ao que transcorre em outras pessoas, entre a ocorrência das mesmas causas e o surgimento da conhecida enxaqueca sexual, que tem ligações bem estabelecidas com a síndrome da neurose de angústia.
Há, além disso, inúmeros casos em que um estado isolado de angústia é provocado pela adição extra de um fator banal, por uma excitação de um ou outro tipo. O mesmo se aplica, portanto, à etiologia do ataque de angústia isolado e à causação de toda a neurose. Não é muito estranho que a angústia das fobias obedeça a condições diferentes; elas têm uma estrutura mais complicada que os ataques de angústia puramente somáticos. Nas fobias, a angústia está ligada a um conteúdo representativo ou perceptivo definido, e a estimulação desse conteúdo psíquico é a principal condição para a emergência da angústia. Quando isso ocorre, a angústia é “gerada”, assim como, por exemplo, a tensão sexual é gerada pela excitação de idéias libidinais. Todavia, a conexão desse processo com a teoria da neurose de angústia ainda não foi elucidada.
Não vejo razão por que eu deva tentar esconder as lacunas e pontos fracos de minha teoria. O aspecto principal do problema das fobias parece-me ser que, quando a vita sexualis é normal - quando a condição específica, o distúrbio da vida sexual no sentido de uma deflexão do somático em relação ao psíquico, não é preenchida -, as fobias não aparecem em absoluto. Quaisquer que sejam os demais pontos obscuros quanto ao mecanismo das fobias, minha teoria só poderá ser refutada quando me tiverem mostrado fobias em que a vida sexual seja normal, ou mesmo em que nela haja um distúrbio de tipo inespecífico.

(4) Passo agora a um comentário de meu estimado crítico que não posso deixar sem resposta. Em meu artigo sobre a neurose de angústia eu havia escrito (ver em [1]) o seguinte:
“Em alguns casos de angústia não se descobre absolutamente nenhuma etiologia. Vale notar que, em tais casos, raramente há dificuldade em se estabelecerem provas de uma grave tara hereditária.
“Mas quando há fundamento para se considerar a neurose como adquirida, uma cuidadosa investigação orientada nesse sentido revela que um conjunto de perturbações e influências da vida sexual … |são os fatores etiológicos atuantes|.” Loewenfeld cita essa passagem e acrescenta o seguinte comentário: “Parece depreender-se disso que Freud sempre encara uma neurose como “adquirida” quando se encontram causas incidentais para ela.”
Se tal sentido é naturalmente depreendido de meu texto, então este confere uma expressão muito distorcida a minhas idéias. Permitam-me assinalar que, nas páginas precedentes, mostrei-me muito mais rigoroso do que Loewenfeld em minha avaliação das causas incidentais. Se eu próprio tivesse que elucidar o sentido da passagem que escrevi, acrescentaria, depois da oração subordinada “Mas quando há fundamento para se considerar a neurose como adquirida…,” as palavras “por não se evidenciarem as provas (mencionadas na frase anterior) de uma disposição hereditária,…” O que isso significa é que sustento que um caso é adquirido quando não se descobre nele nenhuma hereditariedade. Ao agir assim, comporto-me como todas as outras pessoas, talvez com a pequena diferença de que os outros podem declarar que o caso é determinado pela hereditariedade mesmo quando não há hereditariedade, desconsiderando toda a categoria das neuroses adquiridas. Mas essa diferença depõe a meu favor. Admito, contudo, que eu próprio sou responsável por esse mal-entendido, em virtude da maneira como me expressei na primeira frase: “não se descobre absolutamente nenhuma etiologia.” Decerto serei criticado também por outras fontes e dirão que me criei dificuldades desnecessárias ao procurar as causas específicas das neuroses. Alguns dirão que a verdadeira etiologia da neurose de angústia, assim como das neuroses em geral, já é conhecida: é a hereditariedade. E duas causas reais não podem coexistir. Não neguei, dirão eles, o papel etiológico da hereditariedade; mas, nesse caso, todas as outras etiologias são causas meramente incidentais e equivalentes em valor ou falta de valor.
Não partilho dessa visão do papel da hereditariedade; e, considerando que em meu breve artigo sobre a neurose de angústia foi justamente a esse tema que dediquei menos atenção, tentarei agora compensar parte do que nele omiti e eliminar a impressão de que, ao escrever meu artigo, não atentei para todos os problemas relevantes.
Creio que poderemos chegar a um quadro da situação etiológica, provavelmente muito complicada, que prevalece na patologia das neuroses, se postularmos os seguintes conceitos:
(a) Precondição, (b) Causa Específica, (c) Causas Concorrentes, e, como um termo não equivalente aos anteriores, (d) Causa Precipitante ou Desencadeante.
Para fazer frente a qualquer possibilidade, vamos presumir que os fatores etiológicos que nos interessam são passíveis de mudança quantitativa - isto é, de aumento ou redução.
Aceitando a idéia de uma equação etiológica de vários termos que precisem ser satisfeitos para que o efeito ocorra, podemos caracterizar como causa precipitante ou desencadeante aquela que aparece por último na equação, de modo que precede imediatamente a emergência do efeito. É apenas esse fator cronológico que constitui a natureza essencial da causa precipitante. Qualquer das demais causas também pode, em determinado caso, desempenhar o papel de causa precipitante; e |o fator que desempenha| esse papel pode mudar dentro da mesma combinação etiológica.
Os fatores que se podem descrever como precondições são aqueles em cuja ausência o efeito nunca se manifestaria, mas que são incapazes de produzi-lo por si mesmos, não importando em que quantidade estejam presentes, pois falta ainda a causa específica.
A causa específica é aquela que nunca está ausente em todos os casos em que o efeito se dá e que, além disso, quando presente na quantidade ou intensidade requerida, é suficiente para produzir o efeito, desde que as precondições também sejam cumpridas.
Como causas concorrentes podem considerar os fatores que não estão necessariamente presentes todas as vezes, nem podem, qualquer que seja sua quantidade, produzir o efeito por si mesmos, mas que operam em conjunto com as precondições e a causa específica para satisfazer a equação etiológica.
O caráter distintivo das causas concorrentes ou auxiliares parece claro; no entanto, como distinguir entre precondição e causa específica, já que ambas são indispensáveis mas nenhuma delas, isoladamente, basta para atuar como causa?
As seguintes considerações parecem permitir-nos chegar a uma decisão. Entre as “causas necessárias” encontramos diversas que reaparecem nas equações etiológicas referentes a muitos outros efeitos, e que portanto não apresentam nenhuma relação especial com algum efeito particular. Uma dessas causas, entretanto, destaca-se do resto pelo fato de não ser encontrada em qualquer outra equação etiológica, ou de sê-lo em muito poucas; tem-se assim o direito de chamá-la de causa específica do efeito em questão. Além disso, as preconizações e causas específicas distinguem-se particularmente entre si nos casos em que as precondições têm a característica de serem estados duradouros e pouco suscetíveis à alteração, ao passo que a causa específica é um fator de recente entrada em ação.
Tentarei exemplificar esse quadro esquemático etiológico completo:
Efeito: Tuberculose pulmonar.
Precondição: Predisposição da constituição orgânica, baseada, em sua maior parte, na hereditariedade.
Causa específica: Bacilo de Koch.
Causas auxiliares: Qualquer coisa que diminua a resistência - tanto as emoções como as supurações ou resfriados.
O quadro esquemático da etiologia da neurose de angústia me parece seguir o mesmo padrão:
Precondição: Hereditariedade.
Causa específica: Um fator sexual, no sentido de uma deflexão da tensão sexual para fora do campo psíquico.
Causas auxiliares: Quaisquer perturbações banais - a emoção, o susto, e também o esgotamento físico devido a doenças ou à estafa.
Examinando detalhadamente essa fórmula da neurose de angústia, posso acrescentar os comentários que se seguem. Se uma constituição pessoal especial (não necessariamente produzida pela hereditariedade) é absolutamente necessária para a produção da neurose de angústia, ou se qualquer pessoa normal pode ter uma neurose de angústia devido a algum aumento quantitativo do fator específico, é algo que não posso decidir com certeza; mas inclino-me fortemente para a segunda possibilidade. A predisposição hereditária é a mais importante precondição da neurose de angústia; não é, porém, uma precondição indispensável, já que está ausente num grupo de casos fronteiriços. Pode-se demonstrar com certeza a presença do fator sexual na maioria dos casos. Numa série de casos (congênitos), esse fator não se separa da precondição da hereditariedade, mas é cumprido com a ajuda desta. Isto é, em alguns pacientes, essa peculiaridade da vita sexualis - insuficiência psíquica para manejar a excitação sexual somática - é inata sob a forma de um estigma, ao passo que, comumente, é através dessa peculiaridade que as pessoas adquirem a neurose. Em outra classe de casos fronteiriços, a causa específica está contida numa causa concorrente. Trata-se do caso em que a insuficiência psíquica que acabo de mencionar é acarretada pelo esgotamento ou causas semelhantes. Todos esses casos agrupam-se em classes que se fundem umas nas outras e não formam categorias isoladas. Em todos eles, além disso, verificamos que a tensão sexual sofre as mesmas vicissitudes; e, na maioria, mantém-se a distinção entre precondição, causa específica e causa auxiliar, em conformidade com a solução da equação etiológica dada acima.
Quando consulto minha experiência sobre esse ponto, não consigo ver nenhuma relação antitética, no que concerne à neurose de angústia, entre a predisposição hereditária e o fator sexual específico. Pelo contrário, os dois fatores etiológicos se apóiam e se complementam. O fator sexual só costuma ser atuante nas pessoas que têm também uma tara hereditária inata; a hereditariedade, por si só, usualmente não é capaz de produzir uma neurose de angústia, tendo que aguardar a ocorrência de uma quantidade suficiente da perturbação sexual específica. A descoberta do fator hereditário, por conseguinte, não nos isenta da busca de um fator específico. De sua descoberta, aliás, depende também todo o nosso interesse terapêutico, pois o que podemos fazer terapeuticamente a respeito da hereditariedade enquanto elemento etiológico? Ela sempre esteve no paciente e lá permanecerá até o fim de sua vida. Tomada isoladamente, não pode ajudar-nos a compreender nem o desencadeamento episódico de uma neurose nem a cessação dessa neurose em conseqüência de tratamento. Ela nada mais é do que uma precondição da neurose - uma precondição de indizível importância, é verdade, mas que tem sido superestimada em detrimento da terapia e da compreensão teórica. Para nos convencermos de que a situação é diferente, basta pensarmos nos casos de enfermidades nervosas familiares (tais como a coréia crônica, a doença de Thomsen e outras), nos quais a hereditariedade reúne em si todas as precondições etiológicas.
Concluindo, gostaria de repetir os enunciados com que estou acostumado a expressar as relações recíprocas entre os vários fatores etiológicos, como primeira aproximação da verdade:
(1) Se ocorrerá ou não uma doença neurótica, depende de um fator quantitativo - da carga total sobre o sistema nervoso, comparada à capacidade da resistência deste. Tudo o que consegue manter esse fator quantitativo abaixo de certo valor limítrofe ou restituí-lo a esse nível tem um efeito terapêutico, já que, assim fazendo, mantém a equação etiológica insatisfeita.
O que se deve entender por “carga total” e por “capacidade de resistência” do sistema nervoso poderia sem dúvida ser mais claramente explicado com base em certas hipóteses referentes à função dos nervos.
(2) As dimensões que a neurose atingirá dependem, em primeira instância, da extensão da tara hereditária. A hereditariedade age como um multiplicador introduzido num círculo elétrico, que aumenta muitas vezes o desvio da agulha.
(3) Mas a forma que a neurose assumirá- a direção a ser tomada pelo desvio - é determinada exclusivamente pelo fator etiológico específico procedente da vida sexual.

Embora esteja cônscio das muitas dificuldades ainda não resolvidas nessa questão, espero que, no conjunto, minha hipótese sobre a neurose de angústia venha a se mostrar mais fecunda para a compreensão das neuroses do que a tentativa de Loewenfeld de dar conta dos mesmos fatos postulando “uma combinação de sintomas neurastênicos e histéricos sob a forma de um ataque”.

VIENA, começo de maio de 1895.



A HEREDITARIEDADE E A ETIOLOGIA DAS NEUROSES (1896)


NOTA DO EDITOR INGLÊS

L’HÉRÉDITÉ ET L’ÉTIOLOGIE DES NÉVROSES

(a) EDIÇÕES EM FRANCÊS:
1896 Rev. neurol., 4 (6), 161-9. (30 de março).
1906 S.K.S.N., 1, 135-48. (1911, 2ª ed.; 1920, 3ª ed.; 1922, 4ª ed.)
1925 G.S., 1, 388-403.
1952 G.W., 1, 407-422.

(b)TRADUÇÃO INGLESA:
“Heredity and the Aetiology of the Neuroses”
1924 C.P.,, 1, 138-154. (Trad. de M. Meyer.)

Incluído (Nº XXXVII) na coleção de sinopses dos primeiros trabalhos de Freud elaborada por ele mesmo (1897b). O original está em francês. Esta é uma nova tradução de James Strachey.
Este artigo e o seguinte, o segundo sobre as neuropsicoses de defesa (1896b), foram remetidos a seus respectivos editores no mesmo dia - 5 de fevereiro de 1896 -, como relatou Freud em carta a Fliess um dia depois (Freud, 1950a, Carta 40). O artigo em francês foi publicado, no fim de março, cerca de seis semanas antes do outro e, conseqüentemente, tem prioridade sobre ele no que tange à primeira ocorrência publicada da palavra “psicanálise” (ver em [1]). O artigo é um resumo das concepções contemporâneas de Freud sobre a etiologia dos quatro tipos de neuroses que ele então considerava os principais: as duas “psiconeuroses”, histeria e neurose obsessiva, e as duas “neuroses atuais” (como seriam posteriormente denominadas, ver nota de rodapé 2, ver em [1], adiante), neurastenia e neurose de angústia. A primeira parte do artigo é, em grande parte, uma repetição da discussão sobre a etiologia apresentada no segundo artigo sobre neurose de angústia (1895f), enquanto a última parte cobre, muito sucintamente, o mesmo terreno que seu contemporâneo, o segundo artigo sobre as neuropsicoses de defesa (1896b). O leitor, portanto, poderá reportar-se a estes e aos comentários editoriais sobre eles para maiores informações.





A HEREDITARIEDADE E A ETIOLOGIA DAS NEUROSES

Dirijo-me em particular aos discípulos de J.-M. Charcot, para formular algumas objeções à teoria etiológica das neuroses que nos foi legada por nosso mestre.
O papel atribuído naquela teoria à hereditariedade nervosa é bem conhecido: é a única causa verdadeira e indispensável das afecções neuróticas, podendo as outras influências etiológicas aspirar apenas ao nome de agents provocateurs. Essa era a opinião sustentada pelo próprio grande homem e por seus discípulos, MM. Guinon, Gilles de la Tourette, Janet e outros, a respeito da neurose maior, a histeria; e creio que a mesma visão seja sustenta da na França e na maioria dos outros lugares a propósito das demais neuroses, embora, no que concerne a esses estados análogos à histeria, ainda não tenha sido promulgada de maneira tão solene e decidida.
Por muito tempo tive dúvidas sobre esse assunto, mas tive que esperar pela descoberta de fatos corroborativos em minha experiência cotidiana como médico. Minhas objeções são agora de ordem dúplice: argumentos fatuais e argumentos derivados da especulação. Começarei pelos primeiros, dispondo-os de acordo com a importância que lhes atribuo.

I

(a) Certas afecções que, muitas vezes, estão bem distantes do domínio da neuropatologia, e que não dependem necessariamente de uma doença do sistema nervoso, têm sido ocasionalmente consideradas como nervosas e como demonstrativas da presença de uma tendência neuropática hereditária. É o que tem ocorrido com as nevralgias faciais autênticas e com muitas dores de cabeça que se acreditava serem nervosas, embora na verdade proviessem de alterações patológicas pós-infecciosas e de supuração nas cavidades faringonasais. Estou convencido de que os pacientes seriam beneficiados se encaminhássemos com mais freqüência o tratamento dessas afecções aos cirurgiões rinológicos.
(b) Todas as afecções nervosas encontradas na família do paciente, sem consideração para com sua freqüência ou gravidade, têm sido aceitas como fundamento para atribuir-lhe uma tara nervosa hereditária. Não implicará esse modo de encarar as coisas o estabelecimento de uma nítida linha divisória entre famílias livres de qualquer predisposição nervosa e famílias sujeitas a ela em grau ilimitado? E será que os fatos não depõem a favor da concepção contrária de que há transições e graus na predisposição nervosa, e de que nenhuma família escapa a ela por completo?
(c) Nossa opinião sobre o papel etiológico da hereditariedade nas doenças nervosas deve decididamente basear-se num exame estatístico imparcial, e não numa petitio principii. Até que se faça tal exame, devemos acreditar que a existência de distúrbios nervosos adquiridos é tão viável quanto a de distúrbios hereditários. Contudo, se houver distúrbios nervosos adquiridos por pessoas sem nenhuma predisposição, não mais se poderá negar que as afecções nervosas encontradas em parentes de nosso paciente talvez tenham surgido, em parte, dessa maneira. Não será mais possível, então, citá-los como prova conclusiva da predisposição hereditária imputada a nosso paciente em razão de sua história familiar, pois é raro conseguir-se fazer com êxito um diagnóstico retrospectivo das doenças dos ancestrais ou dos familiares ausentes.
(d) Os adeptos de M. Fournier e M. Erb quanto ao papel desempenhado pela sífilis na etiologia da tabes dorsal e da paralisia progressiva aprenderam que é preciso reconhecer poderosas influências etiológicas cuja colaboração é indispensável para a patogênese de certas doenças, que não se produziriam apenas pela hereditariedade. Contudo, M. Charcot se manteve, até o fim (sei disso por uma carta particular que recebi dele), estritamente contrário à teoria de Fournier, que no entanto vem ganhando terreno dia a dia.
(e) Não há dúvida de que certos distúrbios nervosos podem desenvolver-se em pessoas perfeitamente sadias cujas famílias estão acima de qualquer recriminação. Esse é um fato cotidianamente constatado nos casos da neurastenia de Beard; se a neurastenia estivesse restrita às pessoas predispostas, nunca teria atingido a importância e a extensão com que estamos familiarizados.
(f) Na patologia nervosa existe a hereditariedade similar e o que se conhece como hereditariedade dissimilar. Não é possível fazer nenhuma objeção à primeira; é realmente notável que, nos distúrbios que dependem da hereditariedade similar (doença de Thomsen, doença de Friedrich, as miopatias, a coréia de Huntington etc.), nunca deparemos com vestígios de qualquer outra influência etiológica acessória. Já a hereditariedade dissimilar, que é muito mais importante do que a outra, deixa lacunas que teriam de ser preenchidas antes que se pudesse chegar a uma solução satisfatória dos problemas etiológicos. A hereditariedade dissimilar consiste no fato de membros de uma mesma família serem afetados pelos mais diversos distúrbios nervosos, funcionais e orgânicos, sem que se possa descobrir qualquer lei determinante da substituição de uma doença por outra ou da ordem de sua sucessão entre as gerações. Ao lado dos membros doentes dessas famílias há outros que permanecem saudáveis; e a teoria da hereditariedade dissimilar não nos diz por que uma pessoa tolera a mesma carga hereditária sem sucumbir a ela, ou por que outra pessoa, doente, opta por uma afecção nervosa específica dentre todas as doenças que compõem a grande família das doenças nervosas, em vez de escolher uma outra - a histeria em lugar da epilepsia ou da insanidade, e assim por diante. Desde que, tanto na patogênese neurótica quanto em qualquer outra área, não se pode falar em acaso, deve-se admitir que não é a hereditariedade que rege a escolha do distúrbio nervoso específico a ser desenvolvido no membro predisposto de uma família, mas que há motivos para se suspeitar da existência de outras influências etiológicas de natureza menos incompreensível, que mereceriam então ser chamadas de etiologia específica dessa ou daquela afecção nervosa. Sem a existência desse fator etiológico especial, a hereditariedade nada poderia ter feito; ter-se-ia prestado à produção de algum outro distúrbio nervoso, caso a etiologia específica em questão tivesse sido substituída por alguma outra influência.

II

Tem havido pouquíssimas pesquisas sobre essas causas específicas e determinantes dos distúrbios nervosos, pois a atenção dos médicos permaneceu deslumbrada pela grandiosa perspectiva da precondição etiológica da hereditariedade. Tais causas merecem, no entanto, ser objeto de estudo assíduo. Embora seu poder patogênico, em geral, seja apenas secundário ao da hereditariedade, há um grande interesse prático ligado ao conhecimento dessa etiologia específica; ela permitirá que nossos esforços terapêuticos encontrem uma via de acesso, enquanto a predisposição hereditária, previamente fixada para o paciente desde seu nascimento, leva nossos esforços a um impasse com seu poder inacessível.
Há anos me venho empenhando em pesquisas sobre a etiologia das quatro grandes neuroses (estados nervosos funcionais análogos à histeria), e é o resultado desses estudos que me proponho descrever-lhes nas páginas seguintes. Para evitar possíveis mal-entendidos, começarei por fazer dois comentários sobre a nosografia das neuroses e sobre a etiologia das neuroses em geral.
Fui obrigado a começar meu trabalho por uma inovação nosográfica. Julguei razoável dispor ao lado da histeria a neurose obsessiva (Zwangsneurose), como distúrbio auto-suficiente e independente, embora a maioria das autoridades situe as obsessões entre as síndromes constitutivas da degeneração mental ou as confunda com a neurastenia. Por meu lado, examinando o mecanismo psíquico das obsessões, eu havia aprendido que elas estão mais estreitamente ligadas à histeria do que se poderia supor.
A histeria e a neurose obsessiva compõem o primeiro grupo das grandes neuroses por mim estudadas. O segundo contém a neurastenia de Beard, que dividi em dois estados funcionais separados tanto por sua etiologia como por seu aspecto sintomático - a neurastenia propriamente dita e a neurose de angústia (Angstneurose), nome com o qual, diga-se de passagem, eu mesmo não estou satisfeito. Apresentei minhas razões detalhadas para fazer essa separação, que considero necessária, num artigo publicado em 1895 |Freud, 1895b|.
No que se refere à etiologia das neuroses, penso que a teoria deve reconhecer que as influências etiológicas, diferentes entre si tanto em importância quanto na maneira como se relacionam com o efeito que produzem, podem ser agrupadas em três classes: (1) Precondições, que são indispensáveis para produzir o distúrbio em causa, mas que são de caráter geral e igualmente encontráveis na etiologia de muitos outros distúrbios; (2) Causas Concorrentes, que compartilham com as precondições a característica de funcionarem tanto na causação de outros distúrbios quanto na do distúrbio em questão, mas que não são indispensáveis para a produção deste último; e (3) Causas Específicas, que são indispensáveis como as precondições, mas têm natureza limitada e só aparecem na etiologia do distúrbio de que são específicas.
Na patogênese das grandes neuroses, portanto, a hereditariedade preenche o papel de precondição, poderosa em todos os casos e até indispensável na maioria deles. Ela não poderia prescindir da colaboração das causas específicas, mas a importância da predisposição hereditária é comprovada pelo fato de que as mesmas causas específicas, agindo num indivíduo saudável, não produzem nenhum efeito patológico manifesto, ao passo que, numa pessoa predisposta, sua ação provoca a emergência da neurose, cujo desenvolvimento será proporcional em intensidade e extensão ao grau da precondição hereditária.
Assim, a ação da hereditariedade é comparável à de um multiplicador num circuito elétrico, multiplicador este que exagera o desvio visível da agulha, mas não pode determinar sua direção.
Há ainda outra coisa a ser notada nas relações entre a precondição hereditária e as causas específicas das neuroses. A experiência mostra - como se poderia imaginar de antemão - que, nessas questões de etiologia, não se devem desprezar as quantidades relativas, por assim dizer, das influências etiológicas. Mas não se poderia adivinhar o seguinte fato, que parece proceder de minhas observações: a saber, que a hereditariedade e as causas específicas podem substituir uma à outra no que tange à quantidade - que o mesmo efeito patológico é produzido pela coincidência de uma etiologia específica muito grave com uma predisposição moderada, ou de uma hereditariedade nervosa intensamente carregada com uma leve influência específica. E estaremos simplesmente nos deparando com exemplos extremos e esperáveis nessa série, se encontrarmos casos de neurose nos quais procuremos inutilmente qualquer grau apreciável de predisposição hereditária, desde que o que falta seja compensado por uma poderosa influência específica.
Como causas concorrentes (ou auxiliares) das neuroses podemos enumerar todos os agentes banais encontrados em outras situações: perturbação emocional, esgotamento físico, doenças graves, intoxicações, acidentes traumáticos, sobrecarga intelectual etc. Sustento que nenhum desses, nem mesmo o último, integra regular ou necessariamente a etiologia das neuroses, e estou ciente de que expressar essa opinião equivale a ficar em oposição direta a uma teoria considerada universalmente aceita e irrepreensível. Desde que Beard declarou a neurastenia como fruto de nossa civilização moderna, só tem encontrado seguidores; entretanto, acho impossível aceitar essa visão. Um laborioso estudo das neuroses ensinou-me que a etiologia específica das neuroses escapou à observação de Beard.
Não tenho qualquer desejo de depreciar a importância etiológica desses agentes banais. Por serem muito diversificados, ocorrerem com grande freqüência e serem na maioria das vezes nomeados pelos próprios pacientes, eles se tornam mais preeminentes do que as causas específicas das neuroses - uma etiologia que está oculta ou é desconhecida. Com freqüência considerável, cumprem a função de agents provocateurs que tornam manifesta uma neurose antes latente; e há um interesse prático ligado a eles, pois o exame dessas causas banais pode oferecer linhas de abordagem para uma terapia que não tenha como objetivo uma cura radical e se satisfaça em reprimir a doença a seu estado de latência anterior.
Todavia, é impossível estabelecer qualquer relação constante e estreita entre uma dessas causas banais e essa ou aquela forma de afecção nervosa. O distúrbio emocional, por exemplo, encontra-se igualmente na etiologia da histeria, das obsessões e da neurastenia, assim como na da epilepsia, da doença de Parkinson, do diabetes e de muitas outras.
As causas concorrentes banais podem também substituir a etiologia específica com respeito à quantidade, mas nunca tomar seu lugar inteiramente. Há numerosos casos em que todas as influências etiológicas são representadas pela precondição hereditária e pela causa específica, estando ausentes as causas banais. Em outros casos, os fatores etiológicos indispensáveis não são quantitativamente suficientes em si mesmos para acarretar a eclosão da neurose; um estado de aparente saúde pode ser mantido por muito tempo, embora seja, na realidade, um estado de predisposição à neurose. Basta então que uma causa banal entre também em ação para que a neurose se torne manifesta. Mas é preciso assinalar claramente que, nessas condições, a natureza da causa banal que sobrevém é absolutamente indiferente - seja ela uma emoção, um trauma, uma doença infecciosa ou qualquer outra coisa. O efeito patológico não será modificado de acordo com essa variação; a natureza da neurose será sempre dominada pela causa específica preexistente.
Quais são, então, as causas específicas das neuroses? Haverá uma só causa ou várias? E será que é possível estabelecer uma relação etiológica constante entre uma dada causa e um dado efeito neurótico, de tal modo que cada uma das grandes neuroses possa ser atribuída a uma etiologia especial?
Com base num árduo exame dos fatos, afirmo que esta última suposição concorda perfeitamente com a realidade, que cada uma das grandes neuroses que enumerei tem como causa imediata uma perturbação específica da economia do sistema nervoso, e que essas modificações patológicas funcionais têm como fonte comum a vida sexual do sujeito, quer residam num distúrbio de sua vida sexual contemporânea, quer em fatos importantes de sua vida passada.
Esta não é, para dizer a verdade, uma proposição nova e jamais ouvida. Os distúrbios sexuais sempre foram admitidos entre as causas da doença nervosa, mas têm sido subordinados à hereditariedade e coordenados com os demais agents provocateurs; sua influência etiológica tem-se restringido a um número limitado de casos observados. Os médicos haviam até mesmo caído no hábito de não investigá-los, a menos que o próprio paciente os mencionasse. O que confere um caráter distintivo a minha linha de abordagem é que elevo essas influências sexuais à categoria de causas específicas, reconheço sua atuação em todos os casos de neurose e, finalmente, traço um paralelismo regular, prova de uma relação etiológica especial, entre a natureza da influência sexual e a espécie patológica da neurose.
Estou certo de que essa teoria invocará uma tempestade de contestações por parte dos médicos contemporâneos. Mas não é este o lugar para apresentar a documentação e as experiências que me forçaram a minha convicção, nem para explicar o verdadeiro sentido da expressão bastante vaga “distúrbios da economia do sistema nervoso”. Isso será feito mais completamente, espero, num trabalho que estou preparando sobre o assunto. No presente artigo limito-me a relatar minhas descobertas.
A neurastenia propriamente dita, ao destacarmos dela a neurose de angústia, tem um aspecto clínico muito monótono: fadiga, pressão intracraniana, dispepsia flatulenta, constipação, parestesias raquidianas, fraqueza sexual etc. Sua única etiologia específica é fornecida pela masturbação (imoderada) ou pelas emissões espontâneas.
É a ação prolongada e intensa dessa perniciosa satisfação sexual que se revela suficiente, por si mesma, para provocar uma neurose neurastênica, ou que imprime no sujeito a marca neurastênica especial que depois se manifesta sob a influência de uma causa acessória incidental. Deparei também com pessoas, apresentando indicações de uma constituição neurastênica, nas quais não consegui trazer à luz a etiologia que mencionei, mas ao menos mostrei que a função sexual nunca se desenvolvera até seu nível normal nesses pacientes; a hereditariedade parecia tê-los dotado de uma constituição sexual análoga à que se produz no neurastênico em conseqüência da masturbação.
A neurose de angústia exibe um quadro clínico muito mais rico: irritabilidade, estados de expectativa angustiada, fobias, ataques de angústia completos ou rudimentares, ataques de medo e de vertigem, tremores, suores, congestão, dispnéia, taquicardia etc., diarréia crônica, vertigem locomotora crônica, hiperestesia, insônia etc. Ela se revela facilmente como sendo o efeito específico de várias perturbações da vida sexual, todas as quais possuem uma característica comum. A abstinência forçada, a excitação genital não consumada (excitação não aliviada pelo ato sexual), o coito imperfeito ou interrompido (que não termina em gratificação), os esforços sexuais que excedem a capacidade física do sujeito etc. - todos esses agentes, que ocorrem tão freqüentemente na vida moderna, parecem concordar quanto ao fato de que perturbam o equilíbrio das funções psíquicas e somáticas nos atos sexuais, e de que impedem a participação psíquica necessária para libertar a economia nervosa da tensão sexual.
Estes comentários, que talvez contenham o germe de uma explicação teórica do mecanismo funcional da neurose em questão, já levantam a suspeita de que uma exposição completa e verdadeiramente científica do assunto não é possível no momento, e de que seria necessário começar por uma abordagem do problema fisiológico da vida sexual a partir de um novo ângulo.
Direi, finalmente, que a patogênese da neurastenia e da neurose de angústia pode facilmente prescindir da cooperação de uma predisposição hereditária. Este é o resultado da observação cotidiana. Contudo, quando a hereditariedade está presente, o desenvolvimento da neurose é afetado por sua poderosa influência.
No que concerne à segunda classe das grandes neuroses, a histeria e a neurose obsessiva, a solução do problema etiológico é de surpreendente simplicidade e uniformidade. Devo meus resultados a um novo método de psicanálise, o procedimento exploratório de Josef Breuer; é um pouco intrincado, mas insubstituível, tal a fertilidade que tem demonstrado para lançar luz sobre os obscuros caminhos da ideação inconsciente. Por meio desse procedimento - este não é o lugar para descrevê-lo -, os sintomas histéricos são investigados até sua origem, sempre encontrada em algum evento da vida sexual do sujeito, apropriado para a produção de uma emoção aflitiva. Percorrendo retrospectivamente o passado do paciente, passo a passo, e sempre guiado pelo encadeamento orgânico dos sintomas e das lembranças e representações despertadas, atingi finalmente o ponto de partida do processo patológico; e fui obrigado a verificar que, no fundo, a mesma coisa estava presente em todos os casos submetidos à análise - a ação de um agente que deve ser aceito como causa específica da histeria.
Esse agente é, de fato, uma lembrança relacionada à vida sexual, mas que apresenta duas características de máxima importância. O evento do qual o sujeito reteve uma lembrança inconsciente é uma experiência precoce de relações sexuais com excitação real dos órgãos genitais, resultante de abuso sexual cometido por outra pessoa; e o período da vida em que ocorre esse evento fatal é a infância - até a idade de 8 ou 10 anos, antes que a criança tenha atingido a maturidade sexual.
Uma experiência sexual passiva antes da puberdade: eis, portanto, a etiologia específica da histeria.
Acrescentarei sem demora alguns detalhes fatuais e alguns comentários sobre o resultado que anunciei, a fim de combater o ceticismo com que espero deparar-me. Pude efetuar uma psicanálise completa em treze casos de histeria, três dos quais eram combinações efetivas de histeria e neurose obsessiva. (Não me refiro à histeria com obsessões.) Em nenhum desses casos faltou um evento do tipo definido acima. Este era representado quer por um ataque brutal praticado por um adulto, quer por uma sedução menos rápida e menos repulsiva, mas chegando à mesma conclusão. Em sete dos treze casos a relação se dera entre duas crianças - relações sexuais entre uma garotinha e um menino um pouco mais velho (na maioria das vezes, um irmão), que fora por sua vez vítima de sedução anterior. Essas relações por vezes perduraram durante anos, até os pequenos culpados atingirem a puberdade; o menino repetia reiteradamente com a garotinha as mesmas práticas, sem alteração - práticas às quais ele próprio fora submetido por alguma criada ou governanta e que, em virtude de sua origem, eram freqüentemente de natureza repugnante. Em alguns casos, havia a combinação de um ataque com relações entre crianças, ou a repetição de um abuso brutal.
A data dessa experiência precoce era variável. Em dois casos, a série foi iniciada no segundo ano de vida da criaturinha(?);a idade mais comum em minhas observações é o quarto ou quinto ano. Talvez ela seja um tanto acidental, mas formei a opinião, a partir disso, de que uma experiência sexual passiva que só ocorra após a idade de oito a dez anos não pode mais servir como fundação da neurose.
Como é possível ficar convencido da realidade dessas confissões analíticas, que alegam ser lembranças guardadas da mais tenra infância? E como precaver-se contra a tendência a mentir e a facilidade de invenção atribuídas aos sujeitos histéricos? Eu me acusaria de censurável credulidade se não dispusesse de provas mais conclusivas. Mas o fato é que esses pacientes nunca repetem tais histórias espontaneamente, nem jamais apresentam ao médico, repetidamente, no curso do tratamento, a recordação completa de uma cena desse gênero. Só se consegue despertar o vestígio psíquico de um evento sexual precoce sob a mais vigorosa pressão da técnica analítica e vencendo uma enorme resistência. Além disso, a lembrança tem que ser extraída dos pacientes pouco a pouco e, enquanto vai sendo despertada em sua consciência, eles se tornam presa de uma emoção difícil de ser forjada.
No fim, virá a convicção, mesmo que não se seja influenciado pelo comportamento do paciente, desde que se possa acompanhar com detalhes o relato da psicanálise de um caso de histeria.
O evento precoce deixa uma marca indelével na história clínica, sendo nela representado por uma profusão de sintomas e traços especiais que não poderiam ser explicados de nenhum outro modo; é peremptoriamente exigido pelas interconexões sutis, mas sólidas, da estrutura intrínseca da neurose; o efeito terapêutico da análise se retarda quando não se penetra tão fundo, e então não resta outra escolha senão rejeitar ou aceitar o conjunto.
Será compreensível que esse tipo de experiência sexual precoce, sofrida por um indivíduo cujo sexo mal se diferenciou, pode tornar-se fonte de uma anormalidade psíquica persistente como a histeria? E como se enquadraria essa suposição em nossas idéias atuais sobre o mecanismo psíquico daquela neurose? É possível dar uma resposta satisfatória à primeira dessas questões. É precisamente por estar o sujeito em sua primeira infância que a excitação sexual precoce surte pouco ou nenhum efeito na época; mas seu traço psíquico é preservado. Mais tarde, na puberdade, quando as reações dos órgãos sexuais se desenvolvem num nível desproporcional a seu estado infantil, esse traço psíquico inconsciente é de algum modo despertado. Graças à transformação devida à puberdade, a lembrança exibe um poder que esteve totalmente ausente do próprio evento. A lembrança atua como se ele fosse um evento contemporâneo. O que acontece é, por assim dizer, a ação póstuma de um trauma sexual.
Ao que eu sabia, esse despertar de uma lembrança sexual após a puberdade, quando o próprio evento ocorreu muito antes desse período, constitui a única situação psicológica em que o efeito imediato de uma lembrança suplanta o efeito de um evento atual. Mas trata-se de uma constelação anormal, que afeta o lado fraco do mecanismo psíquico e está fadada a produzir um efeito psíquico patológico.
Creio poder constatar que essa relação inversa entre o efeito psíquico da lembrança e o do evento contém a razão pela qual a lembrança permanece inconsciente.
Nesse aspecto chegamos a um problema psíquico muito complexo, mas que, uma vez adequadamente apreciado, promete lançar luz sobre as mais delicadas questões da vida psíquica.
As idéias aqui apresentadas, que têm como ponto de partida a descoberta, pela psicanálise, de que a lembrança de uma experiência sexual precoce é sempre encontrada como causa específica da histeria, não se harmonizam com a teoria psicológica das neuroses sustentada por M. Janet, nem com qualquer outra; concordam perfeitamente, porém, com minhas próprias especulações sobre as “Abwehrneurosen” |neuroses de defesa|, tais como as desenvolvi em outro texto.
Todos os eventos subseqüentes à puberdade a que se deva atribuir influência no desenvolvimento da neurose histérica e na formação de seus sintomas são, de fato, apenas causas concorrentes - “agents provocateurs”, como Charcot costumava dizer, embora, para ele, a hereditariedade nervosa ocupasse o lugar que reivindico para a experiência sexual precoce. Esses agentes acessórios não estão sujeitos às condições estritas impostas às causas específicas; a análise demonstra de modo irrefutável que eles só desfrutam de uma influência patogênica na histeria graças a sua faculdade de despertarem o traço psíquico inconsciente do evento infantil. É também graças à ligação deles com a impressão patogênica primária, e inspirada nela, que a lembrança desses agentes torna-se por sua vez inconsciente e passa a contribuir para o desenvolvimento de uma atividade psíquica retirada do poder das funções conscientes.
A neurose obsessiva (Zwangsneurose) emerge de uma causa específica muito semelhante à da histeria. Também aqui encontramos um evento sexual precoce, ocorrendo antes da puberdade, cuja lembrança torna-se ativa durante ou depois desse período; e os mesmos comentários e argumentos que apresentei em conexão com a histeria se aplicarão as minhas observações sobre a outra neurose (seis casos, três dos quais puros). Há apenas uma diferença que parece capital. Na base da etiologia da histeria encontramos um evento de sexualidade passiva, uma experiência à qual alguém se submeteu com indiferença ou com um pequeno grau de aborrecimento ou medo. Na neurose obsessiva, trata-se, por outro lado, de um evento que proporcionou prazer, de um ato de agressão inspirado no desejo (no caso do menino) ou de um ato de participação nas relações sexuais acompanhado de gozo (no caso da menina). As representações obsessivas, quando seu significado íntimo é reconhecido pela análise, quando se reduzem, por assim dizer, a sua expressão mais simples, nada passam de recriminações dirigidas pelo sujeito a si mesmo por causa desse gozo sexual antecipado, mas recriminações distorcidas por um trabalho psíquico inconsciente de transformação e substituição.
O próprio fato de agressões sexuais desse tipo ocorrerem em tão tenra idade parece revelar a influência de uma sedução prévia, da qual a precocidade do desejo sexual seria uma conseqüência. Nos casos por mim analisados, a análise confirma essa suspeita. Assim se explica um interessante fato que é sempre encontrado nesses casos de obsessão: a complicação regular do quadro de sintomas por certo número de sintomas simplesmente histéricos.
A importância do elemento ativo na vida sexual como causa das obsessões, e da passividade sexual na patogênese das histerias, parece até mesmo desvendar a razão da conexão mais íntima da histeria com o sexo feminino e da preferência dos homens pela neurose obsessiva. Às vezes deparamos com um par de pacientes neuróticos que formaram um casal de pequenos amantes em sua mais remota infância - o homem sofrendo de obsessões e a mulher, de histeria. Quando se trata de irmão e irmã, pode-se cometer o equívoco de tomar como resultado da hereditariedade nervosa o que é, de fato, conseqüência de experiências sexuais precoces.
Há, sem dúvida, casos puros e isolados de histeria ou de obsessões, independentes da neurastenia ou da neurose de angústia; mas essa não é a regra. A psiconeurose aparece mais freqüentemente como um acessório da neurose neurastênica, provocada por esta e acompanhando seu declínio. Isso ocorre porque as causas específicas da neurastenia, as perturbações contemporâneas da vida sexual, atuam ao mesmo tempo como causas auxiliares da psiconeurose, cuja causa específica, a lembrança da experiência sexual precoce, elas despertam e revivem.
No que concerne à hereditariedade nervosa, estou longe de poder estimar corretamente sua influência na etiologia das psiconeuroses. Admito que sua presença é indispensável para os casos graves; duvido que seja necessária para os leves, mas estou convencido de que a hereditariedade nervosa, por si só, é incapaz de produzir as psiconeuroses se faltar sua etiologia específica, isto é, a excitação sexual precoce. Creio mesmo que a decisão quanto ao desenvolvimento de uma das duas neuroses, histeria ou obsessões, em determinado caso, não provém da hereditariedade, mas de uma característica especial do evento sexual na tenra infância.


OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA (1896)


NOTA DO EDITOR INGLÊS

WEITERE BEMERKUNGEN ÜBER DIE
ABWERHNEUROPSYCHOSEN

(a)EDIÇÕES ALEMÃS:
1896 Neurol. Zbl., 15 (10), 434-48. (15 de maio.)
1906 S.K.S.N., 1, 112-34. (1911, 2ª ed.; 1920, 3ª ed.; 1922, 4ª. ed.)
1925 G.S., 1, 363-87.
1952 G.W., 1, 379-403.

(b)TRADUÇÕES INGLESAS:
“Further Observations on the Defense Neuropsychoses”
1909 S.P.H., 155-74. (Trad. de A. A. Brill.) (1912, 2ª ed.; 1920, 3ª ed.)

“Further Remarks on the Defence Neuro-Psychoses”
1924 C.P., 1, 155-82. (Trad. de J. Rickman.)
Incluído (Nº XXXV) na coleção de sinopses dos primeiros trabalhos de Freud elaborada por ele mesmo (1897b). A presente tradução, com o título modificado, baseia-se na de 1924.

Este artigo, como já se explicou na ver em [1], foi enviado por Freud no mesmo dia (5 de fevereiro de 1896) que o artigo em francês sobre “A Hereditariedade e a Etiologia das Neuroses”, mas foi publicado seis semanas depois dele. Quando este artigo chegou a ser incluído nos Gesammelte Schriften, em 1925, Freud acrescentou-lhe duas ou três notas de rodapé. Anteriormente, ele fizera um acréscimo substancial a uma nota de rodapé na tradução inglesa de 1924 (ver em [1], adiante), mas este não foi incluído em nenhuma edição alemã.
Este segundo artigo sobre as “neuropsicoses de defesa” retoma a discussão no ponto em que ela fora deixada no primeiro artigo (1894a), produzido dois anos antes. Muitas das conclusões aqui alcançadas tinham sido brevemente antecipadas pelo artigo contemporâneo em francês sobre a hereditariedade (1896a); a parte essencial do trabalho fora comunicada algumas semanas antes a Fliess, num longo documento intitulado por Freud “Um Conto de Fadas Natalino”, datado de 1º de janeiro de 1896 (Freud, 1950a, Rascunho K). Como seu predecessor de 1894, o presente trabalho é dividido em três seções, que tratam respectivamente da histeria, das obsessões e dos estados psicóticos, sendo-nos apresentados, em cada caso, os resultados de dois anos de investigações adicionais. No artigo anterior, a ênfase já era posta no conceito de “defesa” ou “recalcamento”; aqui há um exame muito mais detalhado daquilo contra o qual a defesa é posta em ação, e conclui-se, em todos os casos, que o fator responsável é uma experiência sexual de caráter traumático - no caso da histeria, uma experiência passiva; no das obsessões, ativa, muito embora, mesmo nesse caso, uma experiência passiva anterior remonte a um plano ainda mais remoto. Em outras palavras, a causa última seria sempre a sedução de uma criança por um adulto. (Cf. “A Etiologia da Histeria”, 1896c, ver em [1], adiante.) Além disso, o evento traumático efetivo sempre ocorreria antes da puberdade, embora a irrupção da neurose ocorresse após a puberdade.
Como se perceberá pela longa nota de rodapé acrescentada por Freud à ver em [1], toda essa posição foi depois abandonada por ele, e tal abandono assinalou uma reviravolta da maior importância em seus pontos de vista. Numa carta a Fliess em 21 de setembro de 1897 (Freud, 1950a Carta 69), Freud revelou que há alguns meses vinha despontando nele a idéia de que era muito difícil acreditar que os atos pervertidos contra as crianças fossem tão generalizados - em especial porque, na totalidade dos casos, o pai era responsabilizado por eles. Só após vários anos, porém, foi que ele deu expressão pública a suas opiniões modificadas. Entretanto, a importante conseqüência dessa percepção foi que Freud se conscientizou do papel desempenhado pela fantasia nos eventos mentais, o que abriu as portas para a descoberta da sexualidade infantil e do complexo de Édipo. Um relato mais minucioso das mudanças em suas concepções sobre o assunto é fornecido na Nota do Editor inglês aos Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1950d), Edição Standard Brasileira, Vol. VII, ver em [1] e segs., IMAGO Editora, 1972, enquanto um outro desenvolvimento está registrado no artigo posterior de Freud sobre “Sexualidade Feminina” (1913b) ibid., Vol. XXI, ver em [1], IMAGO Editora, 1974, onde as fantasias primitivas da menina sobre a sedução pelo pai são atribuídas às relações tidas ainda mais cedo com a mãe.
Aliás, o problema de como a lembrança de um trauma infantil podia ter um efeito tão maior do que a experiência real dele na época - problema repetidamente discutido por Freud nesse período e cuidadosamente tratado em sua longa nota de rodapé em [1] - perdeu sentido graças à descoberta da sexualidade infantil e ao reconhecimento da persistência dos movimentos inconscientes.
Talvez seja ainda mais interessante observar a emergência, neste artigo, de vários novos mecanismos psicológicos que viriam a desempenhar um enorme papel nas explicações posteriores de Freud sobre os processos mentais. Especialmente notável é a minuciosa análise dos mecanismos obsessivos, que antecipa muito do que iria aparecer quinze anos depois na seção teórica da análise do “Homem dos Ratos” (1909d). Assim, encontramos as primeiras alusões à concepção das obsessões como auto-acusações (ver em [1]), à noção de sintoma implicando uma falha da defesa e um “retorno do recalcado” (ibid.), e à abrangente teoria de que os sintomas são formações de compromisso entre as forças recalcadas e as recalcadoras (ver em [1] e [2]). Finalmente, na seção sobre a paranóia, o conceito de “projeção” entra em cena pela primeira vez (ver em [1]) e, no conceito de “alteração do ego”, quase ao fim do artigo (conceito já presente no Rascunho K da correspondência com Fliess), podemos ver uma prefiguração de idéias que reaparecem em alguns dos últimos escritos de Freud, como, por exemplo, em “Análise Terminável e Interminável” (1937com).


OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA

[INTRODUÇÃO]

Num breve artigo publicado em 1894, agrupei a histeria, as obsessões e certos casos de confusão alucinatória aguda sob o nome de “neuropsicoses de defesa” [Freud, 1894a], porque tais afecções revelaram um aspecto comum. Este consistia em que seus sintomas emergiam por meio do mecanismo psíquico de defesa (inconsciente) - isto é, emergiam como uma tentativa de recalcar uma representação incompatível que se opunha aflitivamente ao ego do paciente. Em algumas passagens de um livro posteriormente publicado pelo Dr. J. Breuer e por mim (Estudos sobre a Histeria [1895d), pude elucidar e ilustrar, partindo das observações clínicas, o sentido em que se deve entender esse processo psíquico de “defesa” ou “recalcamento”. Há também ali algumas informações sobre o trabalhoso mas totalmente confiável método da psicanálise, usado por mim no curso daquelas investigações - investigações que também constituem uma técnica terapêutica.
Minhas observações durante os dois últimos anos de trabalho fortaleceram-me a tendência a considerar a defesa como o ponto nuclear no mecanismo psíquico das neuroses em questão, e também me capacitaram a fornecer  uma fundamentação clínica a essa teoria psicológica. Para minha surpresa, cheguei a algumas soluções simples, embora estritamente circunscritas, para os problemas da neurose, e nas páginas seguintes fornecerei um relato breve e preliminar delas. Neste tipo de comunicação é impossível apresentar as provas necessárias para sustentar minhas asserções, mas espero poder mais tarde cumprir com essa obrigação por intermédio de uma apresentação detalhada.

I - A ETIOLOGIA ESPECÍFICA DA HISTERIA

Em publicações anteriores, Breuer e eu já expressávamos a opinião de que os sintomas da histeria só poderiam ser compreendidos se remetidos a experiências de efeito traumático referindo-se esses traumas psíquicos à vida sexual do paciente. O que tenho a acrescentar aqui, como resultado uniforme das análises efetuadas por mim em treze casos de histeria, diz respeito, por um lado, à natureza desses traumas sexuais e, por outro, ao período da vida em que eles ocorrem. Para causar a histeria, não basta ocorrer em algum período da vida do sujeito um evento relacionado com sua vida sexual e que se torne patogênico pela liberação e supressão de um afeto aflitivo. Pelo contrário, tais traumas sexuais devem ter ocorrido na tenra infância, antes da puberdade, e seu conteúdo deve consistir numa irritação real dos órgãos genitais (por processos semelhantes à copulação).
Descobri um determinante específico da histeria - a passividade sexual durante o período pré-sexual - em todos os casos de histeria (inclusive dois casos masculinos) que analisei. Não é necessário fazer mais do que uma menção ao enorme grau em que ficam diminuídas as alegações em prol de uma predisposição hereditária em face desse estabelecimento de fatores etiológicos acidentais como sendo determinantes. Além disso, fica aberto um caminho para se compreender por que a histeria é tão mais freqüente nos membros do sexo feminino, pois, já na infância, estes são mais suscetíveis de provocar ataques sexuais.
As objeções mais imediatas a essa conclusão serão, provavelmente, que as investidas sexuais contra crianças pequenas ocorrem com demasiada freqüência para terem qualquer importância etiológica, ou que esse tipo de experiências está destinado a não ter efeito, precisamente por acontecer com pessoas não desenvolvidas sexualmente; e ainda, que se deve ter cuidado para não impor aos pacientes supostas reminiscências dessa espécie ao interrogá-los, e para não acreditar nos romances que eles mesmos inventam. Em resposta às últimas objeções, podemos pedir que ninguém forme juízos seguros demais nesse campo obscuro enquanto não tiver utilizado o único método que pode lançar luz sobre ele - o método da psicanálise, com o propósito de tornar consciente o que era até então inconsciente. O essencial nas primeiras objeções pode ser refutado ao se assinalar que não são as experiências em si que agem de modo traumático, mas antes sua revivescência como lembrança depois que o sujeito ingressa na maturidade sexual.
Meus treze casos eram graves, sem exceção; em todos eles a doença vinda de muitos anos, e alguns chegaram a mim após longo e fracassado tratamento institucional. Todos os traumas de infância que a análise descobriu nesses casos agudos tiveram que ser classificados como graves ofensas sexuais; alguns eram positivamente revoltantes. Em primeiro lugar entre os culpados de abusos como esses, com suas significativas conseqüências, estão as babás, governantas e empregadas domésticas, a cujos cuidados as crianças são muito impensadamente confiadas; os professores, ademais, figuram com lamentável freqüência. Em sete dos treze casos, entretanto, revelou-se que os autores das investidas tinham sido inocentes crianças; em sua maioria, eram irmãos que, por anos a fio, tinham mantido relações sexuais com irmãs um pouco mais novas. Sem dúvida, o curso dos acontecimentos, na totalidade dos casos, era semelhante ao que foi possível reconstituir com certeza em alguns casos individuais: em outras palavras, o menino sofrera um abuso por parte de alguém do sexo feminino, de modo que sua libido fora prematuramente despertada, e então, passados alguns anos, cometera um ato de agressão sexual contra sua irmã, com quem repetiu precisamente os mesmos procedimentos a que ele próprio fora submetido.
A masturbação ativa deve ser excluída da minha lista das perturbações sexuais na tenra infância que são patogênicas para a histeria. Embora seja encontrada muito freqüentemente ao lado da histeria, isso se deve à circunstância de que a própria masturbação é uma conseqüência muito mais freqüente do abuso ou da sedução do que se supõe.
Não é nada raro ambas as crianças adoecerem, mais tarde, vítimas de uma neurose de defesa - o irmão com obsessões e a irmã com histeria. Isso naturalmente produz a aparência de uma predisposição neurótica familiar. Ocasionalmente, contudo, essa pseudo-hereditariedade é resolvida de modo surpreendente. Em um de meus casos, um irmão, uma irmã e um primo um pouco mais velho estavam todos doentes. A partir da análise que realizei com o irmão, fiquei sabendo que ele sofria de auto-acusações por ser a causa da doença da irmã. Ele próprio fora seduzido pelo primo, e este último, como era sabido na família, fora vítima de sua babá.
Não sei dizer ao certo qual a idade máxima abaixo da qual a ofensa sexual desempenha um papel na etiologia da histeria; duvido, porém, que a passividade sexual possa resultar em recalcamento depois de uma idade entre oito e dez anos, a não ser que isso seja possibilitado por experiências anteriores. O limite mínimo retrocede tanto quanto a própria memória - isto é, portanto, até a tenra idade de um ano e meio ou dois anos! (Tive dois casos desse tipo.) Em muitos de meus casos, o trauma sexual (ou série de traumas) ocorreu no terceiro ou quarto anos de vida. Eu mesmo não daria crédito a essas extraordinárias descobertas se sua completa confiabilidade não fosse comprovada pelo desenvolvimento da neurose subseqüente. Em todos os casos, diversos sintomas, hábitos e fobias patológicos só podem ser explicados retrocedendo-se a essas experiências na infância, e a estrutura lógica das manifestações neuróticas torna impossível rejeitar essas lembranças fielmente preservadas que emergem da vida infantil. É verdade que seria inútil tentar extrair de um histérico esses traumas de infância interrogando-o fora da psicanálise; os vestígios deles nunca estão presentes na memória consciente, mas apenas nos sintomas da doença.
Todas as experiências e excitações que, no período posterior à puberdade, preparam o caminho ou precipitam a eclosão da histeria, só surtem esse efeito, como se pode demonstrar, por despertarem o traço mnêmico desses traumas de infância, que não se tornam conscientes de imediato, mas levam a uma descarga de afeto e ao recalcamento. Esse papel dos traumas posteriores se adequa bem ao fato de que eles não estão sujeitos às condições estritas que regem os traumas da infância, mas podem variar em intensidade e natureza, desde a efetiva violação sexual até meras investidas sexuais, ou ao testemunho dos atos sexuais de outras pessoas, ou ao recebimento de informações sobre os processos sexuais.
Em meu primeiro artigo sobre as neuroses de defesa |1894a|, não havia nenhuma explicação sobre o modo como os esforços do sujeito até então saudável para esquecer uma experiência traumática como essa podiam ter como resultado a realização efetiva do recalque pretendido, e assim abrir as portas para a neurose de defesa. Isso não poderia estar na natureza das experiências, já que outras pessoas permaneciam saudáveis, apesar de terem sido expostas às mesmas causas precipitantes. Portanto, a histeria não poderia ser inteiramente explicada a partir do efeito do trauma: era preciso reconhecer que a suscetibilidade a uma reação histérica já preexistiria ao trauma.
O lugar dessa predisposição histérica indefinida pode agora ser tomado, inteiramente ou em parte, pela ação póstuma de um trauma sexual na infância. O “recalcamento” da lembrança de uma experiência sexual aflitiva, que ocorre em idade mais madura, só é possível para aqueles em quem essa experiência consegue ativar o traço mnêmico de um trauma da infância.
As obsessões pressupõem, do mesmo modo, uma experiência sexual na infância (embora de natureza diferente da encontrada na histeria). A etiologia das duas neuropsicoses de defesa relaciona-se da seguinte maneira com a etiologia das duas neuroses simples, a neurastenia e a neurose de angústia: os dois últimos distúrbios são efeitos diretos das próprias perturbações sexuais, como demonstrei em meu artigo sobre a neurose de angústia (1895b); ambas as neuroses de defesa são conseqüências indiretas das perturbações sexuais ocorridas antes do advento da maturidade sexual - ou seja, são conseqüência dos traços mnêmicos psíquicos dessas perturbações. As causas atuais que produzem a neurastenia e a neurose de angústia freqüentemente desempenham, ao mesmo tempo, o papel de causas excitantes das neuroses de defesa; por outro lado, as causas específicas de uma neurose de defesa - os traumas da infância - podem ao mesmo tempo constituir a base para um desenvolvimento posterior da neurastenia. Finalmente, também não é raro a neurastenia ou a neurose de angústia serem mantidas, não pelas perturbações sexuais contemporâneas, mas, ao contrário, apenas pelo efeito persistente de uma lembrança de traumas infantis.


II - A NATUREZA E O MECANISMO DA NEUROSE OBSESSIVA

As experiências sexuais da primeira infância têm na etiologia da neurose obsessiva a mesma importância que na histeria. Aqui, entretanto, não se trata mais de passividade sexual, mas de atos de agressão praticados com prazer e de participação prazerosa em atos sexuais - ou seja, trata-se de atividade sexual. Essa diferença nas circunstâncias etiológicas está relacionada com o fato de a neurose obsessiva mostrar visível preferência pelo sexo masculino.
Além disso, em todos os meus casos de neurose obsessiva, descobri um substrato de sintomas histéricos que puderam ser atribuídos a uma cena de passividade sexual que precedeu a ação prazerosa. Suspeito de que essa coincidência não seja fortuita, e de que a agressividade sexual precoce implique sempre uma experiência prévia de ser seduzido. Entretanto, não posso ainda fornecer uma explicação definitiva sobre a etiologia da neurose obsessiva; tenho apenas a impressão de que o fator decisivo quanto à emergência de histeria ou neurose obsessiva a partir de traumas na infância depende de circunstâncias cronológicas no desenvolvimento da libido.
A natureza da neurose obsessiva pode ser expressa numa fórmula simples. As idéias obsessivas são, invariavelmente, auto-acusações transformadas que reemergiram do recalcamento e que sempre se relacionam com algum ato sexual praticado com prazer na infância. Para elucidar essa afirmação é necessário descrever o curso típico tomado por uma neurose obsessiva.
Num primeiro período - o período da imoralidade infantil - ocorrem os eventos que contêm o germe da neurose posterior. Antes de tudo, na mais tenra infância, temos as experiências de sedução sexual que mais tarde tornarão possível o recalcamento, e então sobrevêm os atos de agressão sexual contra o outro sexo, que aparecerão depois sob a forma de atos que envolvem auto-acusação.
Este período é encerrado pelo advento da “maturação” sexual, freqüentemente precoce demais. Uma auto-acusação fica então ligada à lembrança dessas ações prazerosas; e a conexão com a experiência inicial passiva torna possível |ver em [1]| - muitas vezes, só depois de esforços conscientes e lembrados - recalcá-las e substituí-las por um sintoma primário de defesa. A conscienciosidade, a vergonha e a autodesconfiança são sintomas dessa espécie, que dão início ao terceiro período - período de aparente saúde, mas, na realidade, de defesa bem-sucedida.
O período seguinte, o da doença, é caracterizado pelo retorno das lembranças recalcadas - isto é, pelo fracasso da defesa. Não se sabe ao certo se o despertar de tais lembranças ocorre com maior freqüência de modo espontâneo e acidental, ou em conseqüência de distúrbios sexuais contemporâneos, como uma espécie de subproduto deles. Entretanto, as lembranças reativadas e as auto-acusações delas decorrentes nunca reemergem inalteradas na consciência: o que se torna consciente como representações e afetos obsessivos, substituindo as lembranças patogênicas no que concerne à vida consciente, são estruturas da ordem de uma formação de compromisso entre as representações recalcadas e as recalcadoras.
Para descrever com clareza e provável precisão os processos de recalcamento, o retorno do recalcado e o surgimento de representações patológicas como formações de compromisso, seria necessário optar por pressupostos bem definidos a respeito do substrato dos eventos psíquicos e da consciência. Na medida em que se procure evitar isso, é preciso contentar-se com os comentários que se seguem e que devem ser entendidos de maneira mais ou menos figurada. Há duas formas de neurose obsessiva, conforme a passagem para a consciência seja forçada somente pelo conteúdo mnêmico do ato que envolve auto-acusação, ou também pelo afeto auto-acusador ligado àquele ato.
A primeira forma inclui as representações obsessivas típicas, nas quais o conteúdo retém a atenção do paciente e, à guisa de afeto, ele sente apenas um desprazer indefinido, ao passo que o único afeto adequado à representação obsessiva seria o de uma auto-acusação. O conteúdo da representação obsessiva é distorcido de dois modos em relação ao ato obsessivo da infância. Em primeiro lugar, alguma coisa contemporânea toma o lugar de algo do passado e, em segundo, alguma coisa sexual é substituída por algo não sexual que lhe é análogo. Essas duas alterações são efeito da tendência ainda vigente a recalcar, que atribuiremos ao “ego”. A influência da lembrança patogênica reativada é mostrada pelo fato de que o conteúdo da representação obsessiva é ainda parcialmente idêntico ao que fora recalcado, ou decorre dele por um encadeamento lógico do pensamento. Ao reconstruirmos, com a ajuda do método psicanalítico, a origem de uma representação obsessiva isolada, constatamos que, a partir de uma única impressão atual, dois cursos de pensamento diferentes foram ativados. Aquele que passou pela lembrança recalcada revela-se tão corretamente lógico em sua estrutura quanto o outro, embora seja incapaz de se tornar consciente e não seja passível de retificação. Quando os produtos dessas duas operações psíquicas não se coadunam, o que ocorre não é uma espécie de ajustamento lógico da contradição entre elas; em vez disso, paralelamente ao resultado intelectual normal, introduz-se na consciência, como uma solução de compromisso entre a resistência e o produto intelectual patológico, uma representação obsessiva que parece absurda. Quando os dois cursos de pensamento levam à mesma conclusão, eles se reforçam mutuamente, de modo que o produto intelectual a que se chegou normalmente comporta-se agora, em termos psicológicos, como uma representação obsessiva. Sempre que uma obsessão neurótica emerge na esfera psíquica, ela provém do recalcamento. As representações obsessivas têm, por assim dizer, uma circulação psíquica compulsiva |obsessiva|, não em virtude de seu valor intrínseco, mas em virtude da fonte de que derivam ou que acrescentou uma contribuição a seu valor.
Uma segunda forma da neurose obsessiva manifesta-se quando o que forçou sua representação na vida psíquica consciente não é o conteúdo mnêmico recalcado, mas a também recalcada auto-acusação. O afeto da auto-acusação pode, por meio de algum acréscimo mental, transformar-se em qualquer outro afeto desagradável. Quando isso acontece, não há mais nada que impeça o afeto posto no lugar do primeiro de se tornar consciente. Assim, a auto-acusação (por ter praticado o ato sexual na infância) pode facilmente transformar-se em vergonha (de que alguém o descubra), em angústia hipocondríaca (medo dos danos físicos resultantes do ato que envolve a auto-acusação), em angústia social (medo de ser socialmente punido pelo delito), em angústia religiosa, em delírios de ser observado (medo de delatar-se pelo ato diante de outras pessoas), ou em medo da tentação (justificada desconfiança em relação a seus próprios poderes de resistência), e assim por diante. Além disso, o conteúdo mnêmico do ato envolvido na auto-acusação pode ser representado também na consciência, ou permanecer completamente obscurecido - o que torna o diagnóstico muito mais difícil. Muitos casos que, superficialmente examinados, parecem ser de hipocondria (neurastênica) comum, pertencem a esse grupo de afetos obsessivos; o que se conhece como “neurastenia periódica” ou “melancolia periódica” parece, em particular, decompor-se com inesperada freqüência em afetos obsessivos e idéias obsessivas - uma descoberta que não é insignificante do ponto de vista terapêutico.
Além desses sintomas de compromisso, que significam o retorno do recalcado e, conseqüentemente, um colapso da defesa originalmente alcançada, a neurose obsessiva constrói um conjunto de outros sintomas cuja origem é muito diferente, pois o ego procura rechaçar os derivados da lembrança inicialmente recalcada e, nessa luta defensiva, cria sintomas que poderiam ser conjuntamente classificados como “defesa secundária”. Tudo isso constitui “medidas protetoras” que já prestaram bons serviços na luta contra as representações e afetos obsessivos. Quando esses auxiliares na luta defensiva conseguem genuinamente recalcar mais uma vez os sintomas do retorno |do recalcado| que se impuseram ao ego, a obsessão é transferida para as próprias medidas protetoras e cria uma terceira forma de “neurose obsessiva” - as ações obsessivas. Essas ações nunca são primárias; contêm exclusivamente uma defesa - nunca uma agressão. Sua análise psíquica mostra que, a despeito de sua peculiaridade, elas sempre podem ser inteiramente explicadas ao serem atribuídas às lembranças obsessivas contra as quais estão lutando.
A defesa secundária contra as representações obsessivas pode ser efetuada por um violento desvio para outros pensamentos de conteúdo tão contrário quanto possível. Eis por que a ruminação obsessiva, quando bem-sucedida, versa regularmente sobre coisas abstratas e supra-sensuais, pois as representações recalcadas sempre se referem à sensualidade. Ou então o paciente tenta controlar, ele próprio, cada uma de suas representações obsessivas, exclusivamente pelo trabalho lógico e pelo recurso a suas lembranças conscientes. Isso leva a um pensamento obsessivo, a uma compulsão a testar coisas e à mania de duvidar. A vantagem que a percepção leva sobre a lembrança em tais testes inicialmente impele e depois compele o paciente a colecionar e armazenar todos os objetos com que entra em contato. A defesa secundária contra os afetos obsessivos leva a um conjunto ainda mais vasto de medidas protetoras passíveis de se transformarem em atos obsessivos. Estes podem ser agrupados de acordo com seu objetivo; medidas penitenciais (cerimoniais opressivos, observação de números); medidas de precaução (toda sorte de fobias, superstição, minuciosidade, aumento do sintoma primário de conscienciosidade); medidas relacionadas com o medo de delatar-se (colecionar pedaços de papel, isolar-se), ou medidas para assegurar o entorpecimento |da mente| (dipsomania). Entre esses atos e impulsos obsessivos, as fobias, por restringirem a existência do paciente, desempenham o papel mais importante.
Há casos em que se pode observar como a obsessão é transferida da representação ou do afeto para a medida protetora; outros em que a obsessão oscila periodicamente entre o sintoma do retorno do recalcado e o sintoma da defesa secundária; e ainda outros casos em que nenhuma representação obsessiva é construída, mas, em vez disso, a lembrança recalcada é imediatamente representada pelo que é, aparentemente, uma medida primária de defesa. Aqui atingimos de um salto o estágio que, em outros casos, só encerra o curso percorrido pela neurose obsessiva após a ocorrência da luta defensiva. Os casos graves desse distúrbio terminam na fixação das ações cerimoniais, ou num estado generalizado de mania de duvidar, ou numa vida de excentricidades condicionada pelas fobias.
O fato de as representações obsessivas e o que delas deriva não receberem nenhum crédito |por parte do sujeito| explica-se, sem dúvida, pelo fato de, na época de seu primeiro recalcamento, ter-se formado o sintoma defensivo da conscienciosidade, e por tal sintoma adquirir também uma força obsessiva. A certeza do sujeito de ter vivido uma vida moralmente correta durante todo o período da defesa bem-sucedida torna-lhe impossível acreditar na auto-acusação que sua representação obsessiva implica. Apenas transitoriamente, ao aparecer uma nova representação obsessiva ou, ocasionalmente, em estados melancólicos de esgotamento do ego, é que os sintomas patológicos do retorno do recalcado compelem à crença. O caráter “obsessivo” das formações psíquicas que aqui descrevi geralmente nada tem a ver com a crença que se lhes atribua. Tampouco se deve confundi-lo com o fator que é descrito como “força” ou “intensidade” de uma representação. Sua essência é, antes, a indissolubilidade pela atividade psíquica passível de ser consciente; e esse atributo não sofre nenhuma mudança, quer a representação à qual se liga a obsessão seja mais forte ou mais fraca, mais ou menos intensamente “esclarecida”, ou “investida de energia”, e assim por diante.
A causa dessa invulnerabilidade da representação obsessiva e de seus derivados nada mais é, no entanto, do que sua ligação com a lembrança recalcada da tenra infância. E isso porque, ao conseguirmos tornar tal ligação consciente - e os métodos psicoterápicos já parecem poder fazer isso -, também a obsessão é resolvida.

III - ANÁLISE DE UM CASO DE PARANÓIA CRÔNICA

Por tempo considerável tenho alimentado a suspeita de que também a paranóia - ou algumas classes de casos que se incluem na categoria de paranóia - é uma psicose de defesa; isto é, que, tal como a histeria e as obsessões, ela provém do recalcamento de lembranças aflitivas, sendo seus sintomas formalmente determinados pelo conteúdo do que foi recalcado. Entretanto, a paranóia deve ter um método ou mecanismo especial de recalcamento que lhe é peculiar, assim como a histeria efetua o recalque pelo método da conversão em inervação somática, e neurose obsessiva, pelo método da substituição (ou seja, pelo deslocamento através de certas categorias de associações). Eu havia observado diversos casos que favoreciam essa interpretação, mas nenhum que a comprovasse; até que, alguns meses atrás, tive a oportunidade, graças à gentileza do Dr. Josef Breuer, de empreender a psicanálise, com propósitos terapêuticos, de uma mulher inteligente de 32 anos em cujo caso não se podia questionar o diagnóstico de paranóia crônica. Relato nestas páginas, sem mais delongas, parte das informações que pude obter a partir desse trabalho, pois não tenho perspectivas de estudar a paranóia exceto em ocasiões muito isoladas, e porque acho possível que meus comentários possam encorajar algum psiquiatra mais bem situado que eu nesse assunto a conferir ao fator da “defesa” seu lugar de direito na discussão sobre a natureza e o mecanismo psíquico. Naturalmente, com base na observação isolada que se segue, não tenho intenção de dizer mais do que: “Este é um caso de psicose de defesa e, muito provavelmente, há outros classificados como ‘paranóia’ que também o são.”
A Sra. P., de 32 anos de idade, é casada há três anos e mãe de uma criança de dois. Seus pais não eram neuróticos, mas seu irmão e sua irmã são, a meu ver, neuróticos como a Sra. P. É duvidoso se ela teria ou não, em alguma época entre seus vinte e trinta anos, ficado temporariamente deprimida e confusa em seus julgamentos. Nos últimos anos, era saudável e capaz, até que, seis meses após o nascimento de seu filho, mostrou os primeiros sinais de sua atual enfermidade. Tornou-se pouco comunicativa e desconfiada, manifestando aversão ao encontrar-se com os irmãos e irmãs do marido, e passou a se queixar de que seus vizinhos, na pequena cidade onde vivia, se estavam comportando para com ela de modo diferente do que faziam antes, sendo grosseiros e sem consideração. Gradualmente, essas queixas foram aumentando de intensidade, embora não em sua clareza. A Sra. P. achava que as pessoas tinham alguma coisa contra ela, embora não tivesse idéia do que fosse; mas não havia dúvida de que todos - parentes e amigos - tinham deixado de respeitá-la e estavam fazendo tudo o que podiam para menosprezá-la. Ela quebrava a cabeça, segundo dizia, para descobrir a razão disso, mas não fazia a menor idéia. Pouco tempo depois, queixou-se de que estava sendo observada, e de que as pessoas liam seus pensamentos e sabiam tudo o que ocorria em sua casa. Uma tarde, repentinamente, ocorreu-lhe que estava sendo observada enquanto se despia, à noite. Desde então, passou a tomar medidas da maior precaução ao despir-se; ia para o cama na escuro e só começava a tirar a roupa quando já estava embaixo das cobertas. Como evitasse todo o contato com outras pessoas, comesse frugalmente e estivesse muito deprimida, mandaram-na, no verão de 1895, a um estabelecimento hidropático. Lá, surgiram novos sintomas e os que ela já tinha aumentaram de intensidade. Já na primavera daquele ano, num dia em que estava sozinha com sua criada, tivera subitamente um sensação em seu baixo abdome e pensara consigo mesmo que a moça, naquele momento, tinha tido uma idéia imprópria. Essa sensação tornou-se mais freqüente durante o verão, até torna-se quase contínua. Ela sentia seus órgãos genitais “como se sente uma mão pesada”. Começou então a ver coisas que a horrorizavam - alucinações de mulheres nuas, especialmente da parte inferior do abdome feminino com os pêlos pubianos e, ocasionalmente, também da genitália masculina. A imagem do abdome com os pêlos e a sensação física em seu próprio abdome costumavam ocorrer juntas. As imagens tornaram-se muito torturantes, pois ocorriam regularmente quando ela estava em companhia feminina e a faziam pensar que estava vendo a mulher num estado indecente de nudez, mas que, simultaneamente, a mulher estava tendo dela o mesmo quadro (!). Ao mesmo tempo que tinha essa alucinações visuais - que se desvaneceram novamente por vários meses, depois de surgirem pela primeira vez no estabelecimento hidropático -, ela começou a ser importunada por vozes que não reconhecia nem conseguia explicar. Quando estava na rua, elas diziam: “Aquela é a Sra. P. - Lá vai ela! Aonde estará indo?” Cada um de seus movimentos e atos era comentado; e ouvia às vezes ameaças e censuras. Todos esse sintomas pioravam quando ela estava acompanhada ou na rua. Por essa razão, recusava-se a sair; dizia que comer a nauseava; e seu estado de saúde deteriorou-se rapidamente.
Obtive todas essas informações por ela mesma, quando veio a Viena tratar-se comigo, no inverno de 1895. Fiz dela uma exposição extensa porque quero transmitir a impressão de que o que temos aqui é, de fato, uma forma bem freqüente de paranóia crônica - conclusão a que veremos que se ajustam os detalhes de seus sintomas e comportamentos que ainda tenho a descrever. Nessa ocasião, ela escondeu de mim os delírios que serviriam para interpretar suas alucinações, ou talvez os delírios de fato ainda não tivessem ocorrido. Sua inteligência não diminuíra; a única coisa estranha de que tomei conhecimento foi que ela havia marcado encontros repetidos com seu irmão, que morava na imediações, para confiar-lhe alguma coisa importante, mas nunca lhe dissera nada. Ela nunca falou sobre suas alucinações e, ao se aproximar o fim, também não dizia mais muita coisa sobre as desfeitas e perseguições a que era submetida.
O que tenho a relatar sobre essa paciente refere-se à etiologia do caso e ao mecanismo das alucinações. Descobri a etiologia quando apliquei o método de Breuer, exatamente como num caso de histeria - em primeiro lugar, para a investigação e eliminação das alucinações. Ao fazê-lo, parti do pressuposto de que nesse caso de paranóia, exatamente como nas outras duas neuroses de defesa com que eu estava familiarizado, devia haver pensamentos inconscientes e lembranças recalcadas que poderiam ser trazidos à consciência do mesmo modo que naquelas neuroses, superando-se uma certa resistência. A paciente imediatamente confirmou minha expectativa, pois comportou-se na análise exatamente como, por exemplo, um paciente histérico; concentrando sua atenção sob a pressão de minha mão, ela produziu pensamentos que não se lembrava de ter tido, que a princípio não entendia e que eram contrários as suas expectativas. A presença de representações inconscientes importantes foi assim demonstrada também num caso de paranóia, e pude ter esperanças de investigar também a compulsão da paranóia até o recalcamento. A única peculiaridade consistia em que os pensamentos que emergiam do inconsciente eram, em sua maior parte, ouvidos interiormente pela paciente ou alucinados por ela, do mesmo modo que suas vozes.
Quanto à origem das alucinações visuais, ou ao menos das imagens nítidas, fiquei sabendo o seguinte: a imagem da parte inferior de um abdome de mulher quase sempre coincidia com a sensação física em seus próprio abdome; esta última, porém, era muito mais constante, e freqüentemente ocorria sem a imagem. As primeiras imagens de um abdome de mulher haviam surgido no estabelecimento hidropático, poucas horas depois de ela ter visto, de fato, diversas mulheres nuas nos banhos; assim, tais imagens revelaram ser simples reproduções de uma impressão real. Era de se presumir, portanto, que essas impressões se haviam repetido apenas por causa de um grande interesse ligado a elas. A Sra. P. me disse que se sentira envergonhada por essas mulheres; ela própria tinha vergonha de ser vista nua desde quando podia lembrar-se. Como estivesse obrigado a encarar a vergonha como alguma coisa obsessiva, concluí, de acordo com o mecanismo de defesa, que deveria ter sido recalcada uma experiência relacionada com algo de que ela não se envergonhara. Assim, pedi-lhe que deixasse emergirem as lembranças pertinentes ao tema de sentir-se envergonhada. Ela prontamente reproduziu uma série de cenas que retrocediam dos dezessete aos oito anos de idade, nas quais se envergonhava de estar nua no banho diante de sua mãe, sua irmã e do médico; mas a série terminou numa cena aos seis anos de idade, na qual ela se despia no quarto das crianças antes de ir para a cama, sem sentir qualquer vergonha diante do irmão que lá estava. Quando a interroguei, tornou-se clara que cenas como essa tinham ocorrido freqüentemente e que, durante anos, irmão e irmã tiveram o hábito de se exibirem nus um para o outro antes de irem para a cama. Compreendi então o sentido de sua idéia repetida de que estava sendo observada ao ir para a cama. Era um fragmento inalterado da antiga lembrança que envolvia uma autocensura, e ela agora estava suprimindo a vergonha que deixara de sentir quando criança.
Minha conjetura de que estaríamos diante de um caso amoroso entre crianças, como se encontra tão freqüentemente na etiologia da histeria, foi reforçada pelo progresso posterior da análise, que, ao mesmo tempo, forneceu soluções para detalhes individuais freqüentemente recorrentes no quadro clínico da paranóia. A depressão da paciente começou na época de uma discussão entre seu marido e seu irmão, em conseqüência da qual este passou a não mais freqüentar sua casa. Ela sempre apreciara muito esse irmão e, nessa ocasião, sentira imensamente sua falta. Além disso, ela falou num certo momento de sua doença em que, pela primeira vez, “tudo ficara claro para ela” - ou seja, em que ela se convencera da verdade de sua suspeita de que todos a desprezavam e a desfeiteavam deliberadamente. Essa certeza lhe viera durante uma visita de sua cunhada, que, no decorrer da conversa, deixara escapar estas palavras: “Quando me acontece alguma coisa desse tipo, eu a trato com descaso.” A princípio, a Sra. P. tomou esse comentário sem desconfianças; depois, porém, quando a visitante já se retirara, pareceu-lhe que essas palavras continham uma censura, como se ela tivesse o hábito de tratar as coisas sérias com descaso; e a partir desse momento, teve certeza de que era vítima da maledicência geral. Quando lhe perguntei sobre o que a fizera sentir-se justificada para aplicar tais palavras a si mesma, respondeu que fora o tom em que a cunhada tinha falado que a convencera disso (embora, é verdade, apenas posteriormente). Esse é um detalhe característico da paranóia. Obriguei-a então a lembrar-se do que a cunhada estivera dizendo antes do comentário de que ela se queixava, e emergiu a resposta de que a cunhada estivera contando como, na casa dos pais dela, tinha havido toda sorte de dificuldades com seus irmãos, e acrescentara o comentário sensato: “Em toda família acontecem coisas sobre as quais se gostaria de pôr uma pedra. Mas quando uma coisa desse tipo acontece comigo, eu a trato com descaso.” A Sra. P. teve então que admitir que sua depressão estava ligada às declarações feitas pela cunhada antes do último comentário. Uma vez que recalcara ambas as afirmações que poderiam ter despertado a lembrança de suas relações com seu irmão, e retivera apenas a última e insignificante afirmação, foi a esta que se viu obrigada a ligar seu sentimento de que a cunhada a estivera censurando; e, já que o conteúdo não oferecia nenhuma base para isso, ela se voltara do conteúdo para o tom em que as palavras tinham sido proferidas. Essa é, provavelmente, uma evidência típica de que as interpretações errôneas da paranóia se baseiam num recalcamento.
A conduta singular de minha paciente, marcando encontros com o irmão nos quais nada lhe dizia, foi também resolvida de maneira surpreendente. Sua explicação foi que ela pensara que, se pudesse apenas olhá-lo, ele estaria fadado a entender seus sofrimentos, uma vez que lhes conhecia a causa. Ora, como esse irmão era, de fato, a única pessoa que poderia saber da etiologia de sua doença, estava claro que ela agira de acordo com um motivo que, embora ela própria não compreendesse conscientemente, seria considerado perfeitamente justificado tão logo lhe fosse dado um sentido derivado do inconsciente.
Consegui então fazê-la reproduzir as várias cenas de seu relacionamento sexual com o irmão (que certamente durara pelo menos dos seis aos dez anos.) Durante esse trabalho de reprodução, a sensação física em seu abdome “participou da conversa”, por assim dizer, tal como se observa regularmente na análise de resíduos mnêmicos histéricos. A imagem da parte inferior do abdome de uma mulher nua (agora reduzido às suas proporções infantis, e sem pêlos) aparecia junto com a sensação, ou permanecia afastada, dependendo de a cena em questão ter ocorrido em plena luz ou no escuro. Sua repugnância em comer também encontrou explicação num detalhe repulsivo desses procedimentos. Depois de percorrermos essa série de cenas, as sensações e imagens alucinatórias desapareceram e (ao menos até o presente) não retornaram.
Assim, eu havia descoberto que essas alucinações nada mais eram que partes do conteúdo de suas experiências infantis recalcadas, ou seja, sintomas do retorno do recalcado.
Voltei-me então para a análise das vozes. Antes de mais nada, era preciso explicar por que um conteúdo tão neutro como “Ali vem a Sra. P.”, ou “Ela agora está procurando uma casa” etc., podia afligi-la tanto; em seguida, por que é que precisamente essas frases inocentes tinham chegado a ser marcadas por um reforço alucinatório. Logo de saída, ficou claro que “as vozes” não poderiam ser lembranças produzidas de modo alucinatório, como as imagens e as sensações, mas eram pensamentos “ditos em voz alta”.
A primeira vez que ela ouviu as vozes foi nas seguintes circunstâncias. Estava lendo com ávido interesse a bela história de Otto Ludwig, Die Heiterethei, e notou que, enquanto lia, iam emergindo pensamentos que reclamavam sua atenção. Logo em seguida, saiu para um passeio por uma estrada campestre e, quando passava por uma pequena casa camponesa, as vozes subitamente lhe disseram: “É assim que era a cabana de Heiterethei! Lá está a fonte e lá estão as moitas! Como ela era feliz, apesar de toda a sua pobreza!” As vozes então lhe repetiram parágrafos inteiros que ela acabara de ler. No entanto, permanecia ininteligível a razão de a cabana de Heiterethei, com as moitas e a fonte, e precisamente as passagens mais banais e irrelevantes da história, serem impostas a sua atenção com uma intensidade patológica. Entretanto, a solução do enigma não foi difícil. Sua análise mostrou que, enquanto estava lendo, ela tivera também outros pensamentos e fora excitada por passagens muito diferentes do livro. Contra esse material - analogias entre o casal da história e ela própria e seu marido, lembranças da intimidade na vida conjugal e de segredos de família -, contra tudo isso levantara-se uma resistência recalcadora, porque o material estava ligado, por associações de pensamentos facilmente demonstráveis, a sua aversão pela sexualidade e assim, em última instância, remontava a sua antiga experiência infantil. Em conseqüência dessa censura exercida pelo recalque, as passagens inócuas e idílicas, que estavam ligadas por contraste e por contigüidade às que tinham sido proscritas, adquiriram a força adicional, em sua relação com a consciência, que tornou possível dizê-las em voz alta. A primeira das representações recalcadas, por exemplo, relacionava-se com a maledicência a que a heroína, que morava sozinha, ficava exposta por parte de seus vizinhos. Minha paciente descobriu facilmente a analogia com ela própria. Também morava num lugarejo, não se encontrava com ninguém e se considerava desprezada pelos vizinhos. Essa desconfiança em relação aos vizinhos tinha um fundamento real. A princípio, ela fora obrigada a se contentar com um pequeno apartamento em que a parede do quarto na qual se encostava a cama de casal era adjacente a um quarto pertencente a seus vizinhos. Com o início do casamento - obviamente pelo despertar inconsciente de seu caso amoroso infantil, onde ela e o irmão brincavam de marido e mulher - ela desenvolveu uma grande aversão à sexualidade. Estava constantemente preocupada com a idéia de que os vizinhos ouvissem palavras e ruídos através da parede comum, e essa vergonha transformou-se em suspeita em relação aos vizinhos.
Assim, as vozes deviam sua origem ao recalcamento de representações que, em última análise, eram de fato auto-acusações por experiências que eram análogas a seu trauma infantil. Por conseguinte, as vozes eram sintomas do retorno do recalcado. Ao mesmo tempo, porém, eram conseqüência de uma formação de compromisso entre a resistência do ego e o poder do retorno do recalcado - uma solução que, nesse exemplo, acarretara uma distorção que eliminava a possibilidade de reconhecimento. Em outras situações em que tive oportunidade de analisar as vozes da Sra. P., a distorção foi menor. Não obstante, as palavras que ela ouvia tinham um braço de diplomática indefinição: a alusão insultuosa era, em geral, profundamente escondida; a conexão entre as frases soltas era disfarçada por uma estranha forma de expressão, por maneirismos incomuns da fala, e assim por diante - características que são comuns às alucinações auditivas dos paranóicos em geral e nas quais percebo os vestígios de distorção pela formação de compromisso. Por exemplo, o comentário “lá vai a Sra. P.; está procurando uma casa na rua” significava uma ameaça de que ela nunca se recuperaria, pois eu lhe prometera que, após o tratamento, ela poderia voltar à cidadezinha onde seu marido trabalhava. (Provisoriamente, alojava-se em Viena por alguns meses.)
Em ocasiões isoladas a Sra. P. recebia também ameaças mais claras - por exemplo, com respeito aos parentes de seu marido; mas havia ainda um contraste entre a maneira reservada como eram expressas e os tormentos que as vozes lhe causavam. Em vista do que se sabe da paranóia além disso, inclino-me a supor que há um gradual comprometimento das resistências que enfraquecem as auto-acusações, de modo que, por fim, a defesa fracassa por completo e a auto-acusação original, o termo real do insulto de que o sujeito vinha tentando poupar-se, retorna em sua forma inalterada. Não sei, entretanto, se esse curso dos acontecimentos é constante, nem se a censura das palavras que envolvem a auto-acusação pode estar ausente desde o início ou persistir até o fim.
Agora, resta-me apenas empregar o que aprendi a partir desse caso de paranóia para fazer uma comparação dela com a neurose obsessiva. Em ambas, mostrou-se que o recalcamento é o núcleo do mecanismo psíquico, e em ambas, o que foi recalcado é uma experiência sexual na infância. Nesse caso de paranóia, além disso, todas as obsessões provinham do recalque; os sintomas da paranóia permitem uma classificação similar à que se mostrou justificada na neurose obsessiva. Parte dos sintomas, ademais, provém da defesa primária - a saber, todas as representações delirantes caracterizadas pela desconfiança e pela suspeita e relacionadas à representação de perseguição por outrem. Na neurose obsessiva, a auto-acusação inicial é recalcada pela formação do sintoma primário da defesa: a autodesconfiança. Com isso, a auto-acusação é reconhecida como justificável; e, para contrabalançá-la, a conscienciosidade que o sujeito adquiriu durante seus intervalos sadios protege-o então de dar crédito às auto-acusações que retornam sob a forma de representações obsessivas. Na paranóia, a auto-acusação é recalcada por um processo que se pode descrever como projeção. É recalcada pela formação do sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas. Dessa maneira, o sujeito deixa de reconhecer a auto-acusação; e, como que para compensar isso, fica privado de proteção contra as auto-acusações que retornam em suas representações delirantes.
Outros sintomas de meu caso de paranóia devem ser descritos como sintomas de retorno do recalcado, e também eles, como os sintomas da neurose obsessiva, ostentam traços da única formação de compromisso que lhes permite a entrada na consciência. É o caso, por exemplo, da representação delirante de minha paciente de estar sendo observada ao despir-se, de suas alucinações visuais, de suas alucinações de sensação e de sua audição de vozes. Na representação delirante que acabo de mencionar há um conteúdo mnêmico quase inalterado, que só se tornou vago por omissão. O retorno do recalcado em imagens visuais aproxima-se mais na natureza da histeria do que do caráter da neurose obsessiva; a histeria, porém, tem por hábito repetir os símbolos mnêmicos sem alteração, enquanto as alucinações mnêmicas da paranóia sofrem uma distorção similar à da neurose obsessiva: uma imagem moderna análoga toma o lugar da que foi recalcada. (Por exemplo,o abdome de uma mulher adulta aparece no lugar de um abdome infantil, e um abdome onde os pêlos são especialmente distintos, por terem estado ausentes da impressão original.) Uma característica bastante peculiar à paranóia, e sobre a qual esta comparação não pode lançar mais luz, é que as auto-acusações recalcadas retornam sob a forma de pensamentos ditos em voz alta. No decorrer desse processo, eles são obrigados a submeter-se a uma dupla distorção: ficam sujeitos a uma censura, que os leva a serem substituídos por outras representações associadas, ou a serem ocultados por um modo de expressão indefinido, sendo relacionados com experiências recentes que nada mais são do que experiências análogas às antigas.
O terceiro grupo de sintomas encontrados na neurose obsessiva, os sintomas da defesa secundária, não pode estar presente como tal na paranóia, porque nenhuma defesa pode valer contra os sintomas de retorno aos quais, como sabemos, liga-se uma crença. Em lugar disso, encontramos na paranóia uma outra fonte para a formação de sintomas. As representações delirantes que chegam à consciência através de uma formação de compromisso (os sintomas do retorno |do recalcado|) fazem exigências à atividade de pensamento do ego, até que possam ser aceitas sem contradição. Visto que elas próprias não são influenciáveis, o ego precisa adaptar-se a elas; e assim, o que aqui corresponde aos sintomas da defesa secundária na neurose obsessiva é uma formação delirante combinatória- delírios interpretativos que terminam por uma alteração do ego. Nesse aspecto, o caso em discussão não foi completo; na época, minha paciente ainda não apresentava nenhum sinal das tentativas de interpretação que apareceram mais tarde. Mas não tenho dúvidas de que, se aplicarmos a psicanálise também a esse estágio da paranóia, poderemos chegar a outro resultado importante. Dever-se-á então constatar que a chamada fraqueza de memória dos paranóicos é também tendenciosa - isto é, baseia-se no recalque e serve aos fins do recalque. Ocorre um recalcamento e substituição subseqüentes de lembranças que não são nada patogênicas, mas que contradizem a alteração do ego tão insistentemente exigida pelos sintomas do retorno do recalcado.


A ETIOLOGIA DA HISTERIA (1896)

NOTA DO EDITOR INGLÊS

ZUR AETIOLOGIE DER HISTERIE

(a) EDIÇÕES ALEMÃS:
1896 Wien. klin. Rdsch., 10 (22), 379-81, (23), 395-7, (24), 413-15, (25), 423-3, e (26), 450-2. (31 de maio, 7, 14, 21 e 28 de junho.)
1906 S.K.S.N., 1, 149-180. (1911, 2ª ed., 1920, 3ª ed., 1922, 4ª ed.)
1925 G.S., 1, 404-38.
1952 G.W., 1, 425-59.

(b)TRADUÇÃO INGLESA:
“The Aetiology of Hysteria”
1924 C.P., 1, 183-219. (Trad. de C. M. Baines.)

Incluído (Nº XXXVI) na coleção de sinopses dos primeiros trabalhos de Freud elaborada por ele mesmo (1897b). A presente tradução é uma versão modificada da de 1924.

Segundo uma nota de rodapé na Wiener klinische Rundschau de 31 de maio de 1896, este artigo se baseia numa conferência proferida por Freud ante a “Verein für Psychiatrie und Neurologie” no dia 2 de maio. A exatidão dessa data, contudo, é questionável. Numa carta não publicada a Fliess, de quinta-feira, 16 de abril, Freud escreveu que, na terça-feira seguinte |21 de abril|, deveria fazer uma conferência diante da “Psychiatrischer Verein” Não especifica o tema, mas, numa outra carta inédita, datada de 26 e 28 de abril de 1896, relatou ter feito perante aquela sociedade uma conferência sobre a etiologia da histeria. Prosseguiu comentando que “os imbecis deram-lhe uma recepção gélida” e que Kraff-Ebing, que estava na presidência, dissera que aquilo soava como um conto de fadas científico. Ainda em outra carta, datada de 30 de maio, dessa vez incluída na correspondência com Fliess (Freud, 1950a, Carta 46), escreveu: “Desafiando meus colegas, redigi toda a minha conferência sobre a etiologia da histeria para Paschkis |o editor da Rundschau|” E sua publicação de fato começou naquele periódico, no dia seguinte. De tudo isso parece depreender-se que a conferência foi realmente proferida a 21 de abril de 1896.
O presente trabalho pode ser considerado uma repetição ampliada da primeira seção de seu predecessor, o segundo artigo sobre as neuropsicoses de defesa (1896b). As descobertas de Freud sobre as causas da histeria são dadas em maior detalhe, com um relato das dificuldades que ele teve de vencer para atingi-las. Muito mais espaço é devotado, especialmente na última parte do artigo, às experiências sexuais na infância, que Freud acreditava estarem por trás dos sintomas posteriores. Como nos artigos anteriores, essa experiências são encaradas como sendo invariavelmente uma iniciativa dos adultos: a percepção da existência da sexualidade infantil repousava ainda no futuro. Há, entretanto, um indício (ver em [1] e [2]) do que seria descrito nos Três Ensaios (1905d), Edição Standard Brasileira, Vol. VII, ver em [1], IMAGO Editora, 1989, como o caráter “perverso polimorfo” da sexualidade infantil. Entre outros pontos de interesse, podemos notar uma crescente tendência a proferir as explicações psicológicas às neurológicas (ver em [1]), bem como uma primeira tentativa de resolver o problema a “escolha da neurose” (ver em [1] e [2]), que viria a ser um tema de discussão constantemente retomado. As variadas concepções de Freud a esse respeito são examinadas na Nota do Editor inglês a “A Predisposição à Neurose Obsessiva” (1913i), Edição Standard Brasileira, Vol. XII, ver em [1] e segs., IMAGO Editora, 1976; de fato, o assunto já fora abordado nos dois artigos a este (ver em [1], [2] e [2]).

A ETIOLOGIA DA HISTERIA

I
SENHORES:

Quando nos dispomos a formar uma opinião sobre a causação de um estado patológico como a histeria, começamos por adotar o método de investigação anamnésica; interrogamos o paciente ou aqueles que o cercam, a fim de descobrir a que influências danosas eles próprios atribuem seu adoecimento e o desenvolvimento desses sintomas neuróticos. O que descobrimos dessa maneira, naturalmente, é falseado por todos os fatores que comumente ocultam de um paciente o conhecimento de seu próprio estado - por sua falta de compreensão científica das influências etiológicas, pela falácia do post hoc, propter hoc, e por sua relutância em pensar, ou mencionar certas perturbações e traumas. Assim, ao fazermos uma investigação anamnésica desse tipo, atemo-nos ao princípio de não adotar a crença dos pacientes sem um minucioso exame crítico, de não lhes permitir que postulem por nós nossa opinião científica sobre a etiologia da neurose. Embora, por um lado, realmente reconheçamos a veracidade de certas asserções constantemente repetidas, tais como a de que o estado histérico é um efeito tardio e duradouro de uma emoção vivida no passado, introduzimos na etiologia da histeria, por outro lado, um fator que o próprio paciente nunca menciona e cuja validade só admite com relutância - a saber, a predisposição hereditária derivada de seus antepassados. Como sabem os senhores, do ponto de vista da influente escola de Charcot, somente a hereditariedade merece ser reconhecida como a verdadeira causa da histeria, enquanto todas as outras perturbações, da mais variada natureza e intensidade, desempenham apenas o papel de causas incidentais, de “agents provocateurs”.
Os senhores hão de admitir prontamente que seria bom dispormos de um segundo método de chegar à etiologia da histeria, um método em que nos sentíssemos menos dependentes das asserções dos próprios pacientes. Um dermatologista, por exemplo, pode reconhecer uma chaga como sendo luética pelo caráter de suas bordas, de sua crosta e de sua forma, sem se deixar enganar pelos protestos do paciente, que nega qualquer fonte dessa infecção; e um médico-legista pode chegar à causa de um ferimento mesmo tendo que prescindir de qualquer informação da pessoa ferida. Também na histeria existe uma possibilidade similar de penetrarmos, a partir dos sintomas, no conhecimento de suas causas. Contudo, para explicar a relação entre o método que temos de empregar para esse fim e o antigo método da investigação anamnésica, eu gostaria de expor aos senhores uma analogia baseada num avanço real efetuado em outro campo de trabalho.
Imaginemos que um explorador chega a uma região pouco conhecida onde seu interesse é despertado por uma extensa área de ruínas, com restos de paredes, fragmentos de colunas e lápides com inscrições meio apagadas e ilegíveis. Pode contentar-se em inspecionar o que está visível, em interrogar os habitantes que moram nas imediações - talvez uma população semibárbara - sobre o que a tradição lhes diz a respeito da história e do significado desses resíduos arqueológicos, e em anotar o que eles lhe comunicarem - e então seguir viagem. Mas pode agir de modo diferente. Pode ter levado consigo picaretas, pás e enxadas, e colocar os habitantes para trabalhar com esses instrumentos. Junto com eles, pode partir para as ruínas, remover o lixo e, começando dos resíduos visíveis, descobrir o que está enterrado. Se seu trabalho for coroado de êxito, as descobertas se explicarão por si mesmas: as paredes tombadas são parte das muralhas de um palácio ou de um depósito de tesouro; os fragmentos de colunas podem reconstituir um templo; as numerosas inscrições, que, por um lance de sorte, talvez sejam bilíngües, revelam um alfabeto e uma linguagem que, uma vez decifrados e traduzidos, fornecem informações nem mesmo sonhadas sobre os eventos do mais remoto passado em cuja homenagem os monumentos foram erigidos. Saxa loquuntur!
Ao tentarmos, de maneira aproximadamente semelhante, induzir os sintomas da histeria a se fazerem ouvir como testemunhas da história da origem da doença, devemos partir da portentosa descoberta de Josef Breuer: os sintomas das histeria (à parte os estigmas) são determinados por certas experiências do paciente que atuaram de modo traumático e que são reproduzidas em sua vida psíquica sob a forma de símbolos mnêmicos. O que temos a fazer é aplicar o método de Breuer - ou algum que lhe seja essencialmente idêntico - de modo a fazer a atenção do paciente retroagir desde seu sintoma até a cena na qual e pela qual o sintoma surgiu; e, tendo assim localizado a cena, eliminamos o sintoma ao promover, durante a reprodução da cena traumática, uma correção subseqüente do curso psíquico dos acontecimentos que então ocorreram.
Não é minha intenção hoje discutir a difícil técnica desse procedimento terapêutico ou as descobertas psicológicas que têm sido obtidas por seu intermédio. Sou obrigado a partir desse ponto apenas porque as análises conduzidas nos termos de Breuer parecem, ao mesmo tempo, abrir caminho para as causas da histeria. Se submetermos a essa análise um número bastante grande de sintomas em inúmeros sujeitos, chegaremos naturalmente ao conhecimento de um número correspondentemente grande de cenas de ação traumatizante. São nessas experiências que as causas eficientes da histeria entram em ação. Assim, esperamos descobrir, partindo do estudo dessas cenas traumáticas, quais são as influências que produzem sintomas histéricos e de que modo o fazem.
Essa expectativa se mostra verdadeira; e nem poderia deixar de fazê-lo, uma vez que as teses de Breuer, quando submetidas à verificação num número considerável de casos, revelaram-se corretas. Mas o caminho que vai dos sintomas da histeria até sua etiologia é mais trabalhoso, e passa por conexões bem diferentes do que se poderia imaginar.
Portanto, vamos esclarecer esse ponto. A atribuição de um sintoma histérico à cena traumática só auxilia nossa compreensão quando a cena atende a duas condições: quando possui a pertinente adequação para funcionar como determinante e quando tem, reconhecidamente, a necessária força traumática. Em vez de uma explicação verbal, aqui vai um exemplo. Suponhamos que o sintoma em exame seja o vômito histérico; nesse caso, consideraremos que nos foi possível compreender sua causação (exceto por um certo resíduo) se a análise atribuir o sintoma a uma experiência que tenha justificavelmente produzido uma alta dose de repugnância - por exemplo, a visão de um cadáver em decomposição. Mas se, em vez disso, a análise nos mostrar que o vômito proveio de um grande susto, como, por exemplo, num acidente ferroviário, ficaremos insatisfeitos e teremos que nos perguntar por que o susto levou ao sintoma específico do vômito. A essa derivação falta a adequação como determinante. Teremos outro caso de explicação insuficiente se o vômito for supostamente proveniente, digamos, de se ter comido uma fruta parcialmente estragada. Aqui, é verdade, o vômito é determinado pela repugnância, mas não podemos compreender como, nesse caso, a náusea ter-se-ia tornado tão poderosa a ponto de se perpetuar num sintoma histérico; falta à experiência força traumática.
Consideremos agora até que ponto as cenas traumáticas da histeria descobertas pela análise preenchem, num grande número de sintomas e casos, os dois requisitos que nomeei. Aqui deparamos com nossa primeira grande decepção. Realmente é verdade que a cena traumática de que se origina o sintoma possui, ocasionalmente, as duas qualidades - adequação como determinante e força traumática - de que precisamos para a compreensão do sintoma. Com muito mais freqüência, porém, com freqüência incomparavelmente maior, encontramos realizada uma de três outras possibilidades muito desfavoráveis à compreensão: ou a cena a que somos conduzidos pela análise e na qual o sintoma apareceu pela primeira vez parece-nos inadequada para determiná-lo, no sentido de que seu conteúdo não tem nenhuma relação com a natureza do sintoma; ou a experiência supostamente traumática, embora tenha de fato uma relação com o sintoma, revela ser uma impressão normalmente inócua e, via de regra, incapaz de produzir qualquer efeito; ou, finalmente, a “cena traumática” nos deixa às escuras em ambos os aspectos, afigurando-se ao mesmo tempo inócua e sem relação com o caráter do sintoma histérico.
(Posso observar aqui, de passagem, que a concepção de Breuer sobre a origem dos sintomas histéricos não é abalada pela descoberta de cenas traumáticas que correspondem a experiências insignificantes em si mesmas. Isso porque Breuer presumiu - seguindo Charcot - que mesmo uma experiência inócua pode ser elevada à categoria de um trauma e desenvolver força determinante, se acontecer com o sujeito num momento em que ele se achar num estado psíquico especial - no que se descreve como estado hipnóide. Considero, porém, que muitas vezes não há nenhum fundamento para se pressupor a presença de tais estados hipnóides. O que permanece decisivo é que a teoria dos estados hipnóides em nada contribui para a solução das outras dificuldades, a saber, que falta freqüentemente às cenas traumáticas adequação como determinantes.)
Além disso, senhores, essa primeira decepção que enfrentamos ao seguir o método de Breuer é imediatamente seguida de outra, que é especialmente dolorosa para nós como médicos. Quando nosso procedimento leva, como nos casos descritos acima, a descobertas que são insuficientes enquanto explicação, tanto no aspecto de sua adequação como determinante quanto no de sua eficiência traumática, também não conseguimos assegurar nenhum proveito terapêutico; o paciente mantém seus sintomas inalterados, a despeito do resultado inicial produzido pela análise. Os senhores podem compreender como é grande a tentação, nesse ponto, de não mais prosseguir no que, de qualquer modo, é um trabalho cansativo.
Mas talvez tudo de que precisamos seja uma idéia nova para nos ajudar a sair de nosso dilema e nos levar a resultados valiosos. A idéia é a seguinte. Como sabemos através de Breuer, os sintomas histéricos podem ser resolvidos quando, partindo deles, conseguimos encontrar o caminho de volta à lembrança de uma experiência traumática. Se a lembrança que descobrimos não atende a nossa expectativa, talvez devamos prosseguir um pouco mais no mesmo caminho; é possível que, por trás da primeira cena traumática, oculte-se a lembrança de uma segunda cena que satisfaça melhor a nossos requisitos e cuja reprodução tenha maior efeito terapêutico; de modo que a cena descoberta em primeiro lugar tem apenas a importância de um elo de ligação na cadeia de associações. E talvez essa situação se repita; cenas inoperantes poderão ser interpoladas mais de uma vez, como transições necessárias no processo de reprodução, até que encontremos finalmente nosso caminho desde o sintoma histérico até a cena que é efetivamente traumatizante e satisfatória em ambos os aspectos, tanto terapêutica como analiticamente. Bem, senhores, essa suposição é correta. Quando a cena inicialmente descoberta é insatisfatória, dizemos a nosso paciente que essa experiência nada explica, mas que por trás dela deve ocultar-se uma experiência anterior significativa; e dirigimos sua atenção, pela mesma técnica, para o fio associativo que liga as duas lembranças - a que foi descoberta e a que ainda está por se revelar. O prosseguimento da análise leva então, na totalidade dos casos, à reprodução de novas cenas do tipo que esperamos. Por exemplo, consideremos mais uma vez o caso de vômitos histéricos que selecionei antes e no qual a análise remontou, primeiro, ao susto decorrente de um acidente ferroviário - uma cena à qual faltava adequação como determinante. A análise posterior mostrou que esse acidente despertara no paciente a lembrança de outro acidente anterior, que, na verdade, ele próprio não vivenciara, mas que lhe dera a oportunidade de ter uma visão medonha e repulsiva de um cadáver. É como se a ação combinada das duas cenas tornasse possível o cumprimento de nossos postulados, com uma experiência suprindo, pelo susto, a força traumática, e a outra, por seu conteúdo, o efeito determinante. O outro caso, em que o vômito foi atribuído ao ato de comer uma maçã parcialmente estragada, foi ampliado pela análise mais ou menos da seguinte maneira. A maçã estragada recordara ao paciente uma experiência anterior: enquanto apanhava frutas derrubadas pelo vento num pomar, ele deparara acidentalmente com um animal morto em estado repugnante.
Não voltarei mais a esses exemplos, pois devo confessar que eles não derivam de nenhum caso da minha experiência, sendo por mim inventados. E além disso, muito provavelmente, mal inventados. Chego até a considerar impossíveis tais soluções dos sintomas histéricos. Mas fui obrigado a criar exemplos fictícios por várias razões, uma das quais posso declarar de imediato. Todos os exemplos reais são incomparavelmente mais complicados: o relato detalhado de um só deles ocuparia todo o tempo desta conferência. A cadeia de associações tem sempre mais do que dois elos; e as cenas traumáticas não formam uma corrente simples, como um fio de pérolas, mas antes se ramificam e se interligam como árvores genealógicas, de modo que, a cada nova experiência, duas ou mais experiências anteriores entram em operação como lembranças. Em suma, fazer um relato da resolução de um único sintoma equivaleria, de fato, à tarefa de relatar um caso clínico inteiro.
Mas não devemos deixar de conferir ênfase especial a uma conclusão a que inesperadamente levou o trabalho analítico ao longo dessas cadeias de lembranças. Aprendemos que nenhum sintoma histérico pode emergir de uma única experiência real, mas que, em todos os casos, a lembrança de experiências mais antigas despertadas em associação com ela atua na causação do sintoma. Se - como acredito - essa proposição se confirmar sem exceções, ela nos mostrará, além disso, a base sobre a qual se deve construir uma teoria psicológica da histeria.
Talvez os senhores suponham que os raros casos em que a análise consegue refazer o trajeto do sintoma, ligando-o diretamente a uma cena traumática inteiramente adequada como determinante e que possui força traumática, e nos quais, ao refazer esse trajeto, ela consegue ao mesmo tempo eliminar o sintoma (da maneira descrita no caso clínico de Anna O., de Breuer) - talvez os senhores suponham que, afinal, esses casos devem constituir objeções poderosas à validade geral da proposição que acabo de formular. Certamente é o que parece. Contudo, devo assegurar-lhes que tenho os melhores fundamentos para presumir que, mesmo nesses casos, há uma cadeia de lembranças atuantes que se estende muito além da primeira cena traumática, ainda que somente a reprodução desta última possa resultar na eliminação do sintoma.
Parece-me realmente assombroso que os sintomas histéricos só possam emergir com a cooperação das lembranças, sobretudo ao refletirmos que, de acordo com os relatos unânimes dos próprios pacientes, essas lembranças não tiveram acesso a suas consciências no momento da primeira aparição do sintoma. Há aqui muita matéria para reflexão, mas esses problemas não devem desviar-nos, neste ponto, de nossa discussão sobre a etiologia da histeria. Devemos, antes, perguntar-nos: a que ponto chegaremos se seguirmos as cadeias de lembranças associadas que a análise desvendou? Até onde elas se estendem? Será que em algum ponto encontram um fim natural? Levarão elas, talvez, experiências de algum modo parecidas, seja em seu conteúdo, seja no período de vida em que ocorrem, de sorte que possamos discernir nesses fatores universalmente similares a etiologia da histeria que estamos procurando?
Os conhecimentos que adquiri até aqui já me habilitam a responder a essas perguntas. Ao considerarmos um caso que apresenta vários sintomas, chegamos, através da análise, partindo de cada sintoma, a uma série de experiências cujas lembranças se ligam em associação. A princípio, as cadeias de lembranças percorrem cursos regressivos independentes, mas, como já disse, ramificam-se. A partir de uma mesma cena, duas ou mais lembranças são atingidas ao mesmo tempo e destas, por sua vez, procedem cadeias laterais cujos elos individuais podem mais uma vez estar associativamente ligados a elos pertencentes à cadeia principal. Na verdade, a comparação com a árvore genealógica de uma família cujos membros também se casassem entre si não é nada má. Outras complicações na vinculação das cadeias emergem da circunstância de que uma única cena pode ser evocada várias vezes na mesma cadeia, apresentando assim múltiplas relações com uma cena posterior e exibindo com ela tanto uma conexão direta quanto uma conexão estabelecida através de laços intermediários. Em suma, a concatenação está longe de ser simples; e o fato de as cenas serem descobertas numa ordem cronológica invertida (fato esse que justifica nossa comparação desse trabalho com a escavação de uma área) certamente em nada contribui para uma compreensão mais rápida do que ocorreu.
Quando a análise vai mais além, surgem novas complicações. As cadeias associativas pertencentes aos diferentes sintomas começam a se relacionar entre si; as árvores genealógicas se interpenetram. Assim, por exemplo, um sintoma específico na cadeia de lembranças relacionada com o sintoma do vômito invoca não apenas os elos anteriores de sua própria cadeia, mas também uma lembrança de outra cadeia, relacionada com outro sintoma, tal como dor de cabeça. Essa experiência, conseqüentemente, pertence a ambas as séries, e portanto constitui um ponto nodal. Vários desses pontos nodais podem ser encontrados em toda análise. Seu correlato no quadro clínico pode ser o fato de, a partir de certo momento, ambos os sintomas aparecerem juntos, simbioticamente, sem terem de fato qualquer dependência interna entre si. Retrocedendo ainda mais, deparamos com pontos nodais de outra espécie. Aqui, as cadeias associativas separadas convergem. Encontramos experiências de que dois ou mais sintomas se originaram; uma cadeia ligou-se a um detalhe da cena, e segunda, a outro.
Mas a descoberta mais importante a que chegamos, quando uma análise é sistematicamente conduzida, é a seguinte: qualquer que seja o caso e qualquer que seja o sintoma que tomemos como ponto de partida, no fim chegamos infalivelmente ao campo da experiência sexual. Aqui, portanto, pela primeira vez, parece que descobrimos uma precondição etiológica dos sintomas histéricos.
Ajulgar pela experiência prévia, antevejo que é precisamente contra essa asserção ou contra sua validade universal que sua objeção, senhores, será dirigida. Talvez fosse melhor dizer, sua inclinação a contestar, pois nenhum dos senhores, sem dúvida, dispõe até o momento de investigações que, baseadas no mesmo procedimento, possam ter produzido um resultado diferente. No que tange ao próprio tema controvertido, farei apenas a observação de que a escolha do fator sexual na etiologia da histeria não procede, pelo menos, de nenhuma opinião preconcebida de minha parte. Os dois investigadores como discípulo dos quais iniciei meus estudos da histeria, Charcot e Breuer, estavam longe de tal pressuposição; de fato, tinham uma prevenção pessoal contra ela, da qual eu originalmente partilhava. Apenas as mais laboriosas e detalhadas investigações converteram-me, e bastante lentamente, à concepção que hoje sustento. Se submeterem ao mais rigoroso exame minha afirmação de que a etiologia da histeria repousa na vida sexual, os senhores verificarão que ela é confirmada pelo fato de que, em dezoito casos de histeria, pude descobrir essa conexão em cada sintoma isolado e, onde o permitiram as circunstâncias, pude confirmá-lo pelo sucesso terapêutico. Sem dúvida, os senhores poderão levantar a objeção de que a décima nona ou a vigésima análise talvez mostre que os sintomas histéricos derivam também de outras fontes, assim reduzindo a validade universal da etiologia sexual a uns oitenta por cento. Mas claro, vamos esperar para ver! No entanto, já que esses dezoito casos são, ao mesmo tempo, todos os casos em que pude realizar o trabalho da análise, e já que não foram selecionados por ninguém visando a minha conveniência, os senhores hão de considerar compreensível que eu não partilhe essa expectativa, mas esteja disposto a deixar minha crença adiantar-se à força comprobatória das observações que fiz até agora. Além disso, sou também influenciado por outro motivo, que no momento é de valor meramente subjetivo. Na única tentativa que pude fazer de explicar o mecanismo filosófico e psíquico da histeria, para correlacionar minhas observações, passei a encarar a participação das forças motivadoras sexuais como uma premissa indispensável.
Eventualmente, portanto, após terem convergido as cadeias de lembranças, chegamos ao campo da sexualidade e a um pequeno número de experiências que ocorrem, em sua maior parte, no mesmo período da vida - ou seja, na puberdade. Ao que parece, é nessas experiências que devemos procurar a etiologia da histeria, e é através delas que aprenderemos a compreender a origem dos sintomas histéricos. Mas aqui encontramos uma nova e seriíssima decepção. É verdade que essas experiências, descobertas com tanta dificuldade e extraídas de todo o material mnêmico, e que pareceriam ser as experiências traumáticas máximas, têm em comum as duas características de serem sexuais e ocorrerem na puberdade; mas em todos os outros aspectos, elas diferem muito entre si, tanto em espécie como em importância. Em alguns casos, sem dúvida, nosso interesse é voltado para experiências que devem ser encaradas como traumas graves - uma tentativa de estupro, talvez, que de um só golpe revela a uma menina imatura toda a brutalidade do desejo sexual, ou o testemunho involuntário de atos sexuais entre os pais, que a um só tempo mostra uma insuspeitada fealdade e fere do mesmo modo a sensibilidade moral e infantil, e assim por diante. Em outros casos, porém, as experiências são surpreendentemente triviais. No caso de uma de minhas pacientes, sua neurose revelou basear-se na seguinte experiência: um menino de seu círculo de relações lhe acariciara ternamente a mão e, em outra oportunidade, pressionara o joelho contra o vestido dela quando ambos se sentavam à mesa lado a lado, com uma expressão no rosto que a fez perceber que ele estava fazendo alguma coisa proibida. No caso de outra moça, o simples fato de ouvir uma charada que sugeria uma resposta obscena foi suficiente para provocar o primeiro ataque de angústia, e, com ele, o início da doença. Tais descobertas obviamente não favorecem a compreensão da causação dos sintomas histéricos. Se tanto os acontecimentos graves quanto os banais, e não apenas as experiências que afetam o próprio corpo do sujeito, mas também as impressões visuais e as informações recebidas pela audição devem ser reconhecidas como traumas últimos da histeria, podemos ser tentados a arriscar a explicação de que os histéricos são criaturas peculiarmente constituídas - provavelmente em virtude de alguma predisposição hereditária ou atrofia degenerativa -, nas quais um retraimento da sexualidade, que normalmente ocorre na puberdade, é elevado a um grau patológico e é permanentemente mantido; são, portanto, por assim dizer, pessoas psiquicamente inaptas para atender às exigências da sexualidade. Essa concepção, é claro, deixa sem explicação a histeria masculina. No entanto, mesmo sem essas objeções flagrantes, dificilmente ficaríamos tentados a nos contentar com essa solução. Estamos cônscios demais de um sentimento intelectual de algo apenas parcialmente entendido, obscuro e insuficiente.
Para a felicidade de nossa explicação, algumas dessas experiências sexuais da puberdade mostram mais uma insuficiência que é a conta certa para nos estimular a prosseguir em nosso trabalho analítico. Pois ocorre que, algumas vezes, também a elas falta adequação como determinante - embora isso ocorra muito mais raramente do que com as cenas traumáticas pertencentes a uma etapa posterior da vida. Assim, por exemplo, tomemos as duas pacientes a quem acabo de me referir como casos em que as experiências da puberdade foram realmente inocentes. Em conseqüência dessas experiências, as pacientes ficaram sujeitas a peculiares sensações dolorosas nos órgãos genitais, que se haviam estabelecido como os principais sintomas da neurose. Não pude encontrar nenhum indício de que tivessem sido determinadas pelas cenas da puberdade ou por cenas posteriores; todavia, certamente não eram sensações orgânicas normais, nem sinais de excitação sexual. Parecia óbvio, portanto, dizer a nós mesmos que deveríamos procurar os determinantes desses sintomas em outras experiências - em experiências que retrocedessem ainda mais - e que deveríamos, pela segunda vez, seguir a salvadora noção que já nos levara das primeiras cenas traumáticas às cadeias de lembranças por trás delas. Ao fazer isso, é claro, chegamos ao período da primeira infância, a um período anterior ao desenvolvimento da vida sexual;e isso pareceria envolver o abandono de uma etiologia sexual. Mas será que não temos o direito de presumir que nem mesmo a infância é desprovida de leves excitações sexuais, e que o futuro desenvolvimento sexual talvez seja decisivamente influenciado pelas experiências infantis? As lesões sofridas por um órgão ainda imaturo, ou por uma função em processo de desenvolvimento, freqüentemente causam efeitos mais graves e duradouros do que causariam em época mais madura. Talvez a reação anormal às impressões sexuais, que nos surpreende nos sujeitos histéricos na fase da puberdade, baseie-se, muito genericamente, nesse tipo de experiências sexuais na infância, caso em que tais experiências deverão ser de natureza uniforme e importante. Se assim for, estará aberta a perspectiva de que o que até agora se atribuiu a uma predisposição hereditária ainda inexplicada possa ser compreendido como algo adquirido em tenra idade. E já que, afinal, as experiências infantis de conteúdo sexual só poderiam exercer efeito psíquico através de seus traços mnêmicos, não seria essa concepção uma ampliação bem-vinda da descoberta da psicanálise que nos diz que os sintomas histéricos só podem emergir com a cooperação de lembranças? |ver em [1] e [2].|

II

Os senhores, sem dúvida, hão de ter imaginado que eu não teria levado tão longe esta última linha de raciocínio se não quisesse prepará-los para a idéia de que é só essa linha que, após tantas delongas, nós levará a nosso objetivo. Pois agora estamos realmente no fim de nosso cansativo e penoso trabalho analítico, e aqui vemos a realização de todas as pretensões e expectativas em que vínhamos insistindo. Se tivermos a perseverança de avançar na análise até atingir a primeira, retrocedendo até onde a memória humana é capaz de alcançar, invariavelmente levaremos o paciente a reproduzir experiências que, graças a seus traços peculiares e suas relações com os sintomas da doença posterior, devem ser consideradas como a procurada etiologia de sua neurose. Essas experiências infantis são, mais uma vez, de conteúdo sexual, mas de um tipo muito mais uniforme do que as cenas da puberdade anteriormente descobertas. Não se trata mais de temas sexuais que tenham sido despertados por uma ou outra impressão sensorial, mas de experiências sexuais que afetaram o próprio corpo do sujeito - de contato sexual (no sentido mais amplo). Os senhores hão de admitir que a importância dessas cenas dispensa provas adicionais; a isso podemos agora acrescentar que, na totalidade dos casos, os senhores poderão descobrir, nos detalhes das cenas, os fatores determinantes que talvez faltassem às outras cenas - às cenas que ocorreram mais tarde e foram primeiro reproduzidas. |Cf. em [1].|
Exponho, portanto, a tese de que, na base de todos os casos de histeria, há uma ou mais ocorrências de experiência sexual prematura, ocorrências estas que pertencem aos primeiros anos da infância, mas que podem ser reproduzidas através do trabalho da psicanálise a despeito das décadas decorridas no intervalo. Creio que essa é uma descoberta importante, a descoberta de uma caput Nili na neuropatologia; mas é-me difícil saber que ponto de partida devo tomar para o prosseguimento de minha discussão deste assunto. Deverei apresentar-lhes o material real que obtive em minhas análises? Ou deverei primeiro tentar fazer face à multidão de objeções e dúvidas que, como é seguramente acertado supor, deve agora ter-se apossado de sua atenção? Escolherei esse último caminho; talvez possamos então examinar os fatos com mais calma.
(a) Ninguém que se oponha completamente a uma visão psicológica da histeria, que não se disponha a desistir da esperança de que algum dia seja possível reportar seus sintomas a “alterações anatômicas mais sutis” e que tenha rejeitado a concepção de que as bases materiais das mudanças histéricas estão fadadas a ser do mesmo tipo que as de nossos processos mentais normais - ninguém que adote essa atitude, é claro, terá qualquer confiança nos resultados de nossas análises; entretanto, a diferença de princípio entre suas premissas e as nossas dispensa-nos da obrigação de convencê-lo de quaisquer aspectos individuais.
Mas também outras pessoas, ainda que menos avessas às teorias psicológicas da histeria, ficarão tentadas, ao considerarem nossas descobertas analíticas, a indagar sobre o grau de certeza que a aplicação da psicanálise oferece. E não será também possível que o médico imponha tais cenas a seus dóceis pacientes, alegando que elas são lembranças, ou ainda, que os pacientes digam ao médico coisas que imaginaram ou inventaram deliberadamente, e que ele as aceite como verdadeiras? Bem, minha resposta a isso é que a dúvida geral quanto à fidedignidade do método psicanalítico só poderá ser apreciada e eliminada quando se dispuser de uma apresentação completa de sua técnica e seus resultados. As dúvidas quanto à autenticidade das cenas sexuais infantis, entretanto, podem ser rebatidas aqui e agora por mais de um argumento. Em primeiro lugar, o comportamento dos pacientes enquanto reproduzem essas experiências infantis é, sob todos os aspectos, incompatível com a pressuposição de que as cenas não sejam uma realidade sentida com sofrimento e reproduzida com a mais extrema relutância. Antes de entrarem em análise, os pacientes nada sabem sobre essas cenas. Em geral, ficam indignados quando os advertimos de que tais cenas irão emergir. Apenas a intensa compulsão do tratamento consegue induzi-los a embarcar na reprodução delas. Enquanto trazem essas experiências infantis à consciência, eles sofrem as mais violentas sensações, das quais se envergonham e que tentam ocultar; e, mesmo depois de as terem revivido mais uma vez de maneira tão convincente, ainda tentam negar-lhes crédito, enfatizando o fato de que, contrariamente ao que acontece no caso de outros dados esquecidos, eles não têm nenhuma sensação de se lembrarem das cenas.
Esse último detalhe do comportamento parece fornecer provas conclusivas. Por que os pacientes me garantiriam tão enfaticamente sua descrença, se o que querem desacreditar é alguma coisa que - por qualquer motivo - eles próprios inventaram?
É menos fácil refutar a idéia de que o médico impõe esse tipo de reminiscências ao paciente, influenciando-o por sugestão a imaginá-las e reproduzi-las. Contudo, isso me parece igualmente insustentável. Até hoje, jamais consegui impor a um paciente uma cena que eu esperasse descobrir, de tal modo que ele parecesse vivê-la com todos os sentimentos apropriados. Talvez outros tenham mais êxito nisso que eu.
Há, todavia, inúmeras outras coisas que atestam a realidade das cenas sexuais infantis. Em primeiro lugar, há a uniformidade que elas exibem em certos detalhes, o que constitui uma conseqüência necessária, caso as precondições dessas experiências sejam sempre do mesmo tipo, e que, se assim não fosse, levar-nos-ia a crer na existência de um entendimento secreto entre os vários pacientes. Em segundo lugar, os pacientes às vezes descrevem como sendo inofensivos certos eventos cuja importância obviamente não percebem, já que, de outro modo, ficariam horrorizados com eles. Ou então mencionam, sem conferir-lhes qualquer ênfase, detalhes que somente alguém com experiência na vida é capaz de compreender e apreciar como indícios sutis de realidade.
Esse tipo de acontecimento fortalece nossa impressão de que os pacientes devem realmente ter vivenciado aquilo que, sob a compulsão da análise, reproduzem como cenas de sua infância. Mas outra prova ainda mais forte disso é fornecida pela relação das cenas infantis com o conteúdo de todo o restante do caso clínico. É exatamente como montar as peças de um quebra-cabeça infantil: depois de muitas tentativas, ficamos absolutamente certos, no final, de qual das peças se encaixa numa dada lacuna, pois apenas aquela peça completa o quadro e, ao mesmo tempo, permite que suas bordas irregulares se ajustem às bordas das outras peças de modo a não deixar nenhum espaço vazio nem acarretar nenhuma superposição. Do mesmo modo, os conteúdos das cenas infantis revelam-se como complementos indispensáveis à estrutura associativa e lógica da neurose, e sua inserção evidencia pela primeira vez o curso de desenvolvimento da neurose, ou mesmo, como muitas vezes poderíamos dizer, torna-o auto-evidente.
Sem pretender enfatizar especialmente esse ponto, acrescentarei que, em diversos casos, também é possível fornecer provas terapêuticas da autenticidade das cenas infantis. Há casos em que se pode obter uma cura parcial ou completa sem que tenhamos de nos aprofundar nas experiências infantis. E há outros em que não se obtém absolutamente nenhum sucesso até que a análise chegue a seu fim natural, com a descoberta dos traumas mais primitivos. A meu ver, nos primeiros casos, não temos garantia contra as recaídas; e é minha expectativa que uma psicanálise completa implique uma cura radical da histeria. Não devemos, entretanto, ser levados a antecipar as lições da observação.
Haveria outra prova realmente inatacável da autenticidade das experiências sexuais infantis - a saber, se as declarações de alguém que estivesse sendo analisado fossem confirmadas por outra pessoa, em tratamento ou não. Essas duas pessoas deveriam ter tomado parte numa mesma experiência em sua infância - talvez mantido algum relacionamento sexual entre si. Tais relações entre crianças, como os senhores verão num momento |ver em [1]|, não são nada raras. Além disso, é muito freqüente ambas as pessoas envolvidas sofrerem posteriormente de neurose; mas considero um acidente fortuito que, em dezoito casos, eu tenha podido obter em dois uma confirmação objetiva desse tipo. Num dos casos, foi o irmão (que permanecera sadio) que confirmou, voluntariamente não, é verdade, suas experiências sexuais precoces com a irmã (que era a paciente), mas, pelo menos, a existência de cenas desse tipo em época posterior de sua infância, e o fato de ter havido relações sexuais ainda mais cedo. No outro caso, deu-se que duas mulheres que eu estava tratando haviam mantido, na infância, relações sexuais com o mesmo homem, havendo certas cenas ocorrido à trois. Um sintoma específico, derivado desses eventos infantis, havia surgido em ambas as mulheres, como prova de sua experiência em comum.
(b) As experiências sexuais infantis que consistem na estimulação dos órgãos genitais, em atos semelhantes ao coito, e assim por diante, devem portanto ser consideradas, em última análise, como os traumas que levam a uma reação histérica nos eventos da puberdade e ao desenvolvimento de sintomas histéricos. Essa afirmação certamente encontrará duas objeções mutuamente contraditórias, procedentes de diferentes direções. Algumas pessoas dirão que esse tipo de abusos sexuais, sejam eles praticados contra as crianças ou entre elas, são raros demais para que se possa considerá-los como o determinante de uma neurose tão comum quanto a histeria. Outros talvez argumentem que, pelo contrário, tais experiências são muito freqüentes - freqüentes demais para que possamos atribuir a sua ocorrência uma significação etiológica. Sustentarão ainda que é fácil, em se fazendo algumas inquirições, encontrar pessoas que se recordam de cenas de sedução sexual e de abuso sexual nos anos da infância e que, mesmo assim, nunca foram histéricas. Finalmente nos dirão, como um argumento de peso, que, nas camadas mais baixas da população, a histeria certamente não é mais comum do que nas mais altas, ao passo que tudo indica que a injunção da salvaguarda sexual da infância é muito mais freqüentemente transgredida no caso das crianças do proletariado.
Comecemos nossa defesa pela parte mais fácil. Parece-me certo que nossos filhos são muito mais freqüentemente expostos a ataques sexuais do que nos levariam a esperar as escassas precauções tomadas pelos pais a esse respeito. Quando fiz minhas primeiras indagações sobre o que se conhecia do assunto, fiquei sabendo, através de colegas, que existem várias publicações pediátricas estigmatizando a freqüência de práticas sexuais por amas de leite e por babás, realizadas até mesmo com crianças de colo; e há poucas semanas deparei com uma discussão do “Coito na Infância”, do Dr. Stekel (1895), de Viena. Não tive tempo de coligir outras provas publicadas, mas ainda que elas sejam escassas, é de se esperar que uma atenção maior para o assunto venha a confirmar muito em breve a grande freqüência das experiências sexuais e da atividade sexual na infância.
Por último, as descobertas de minha análise estão em condições de falar por si. Em todos os dezoito casos (de histeria pura e histeria combinada com obsessões, abrangendo seis homens e doze mulheres), vim a saber, como já disse, de experiências sexuais desse tipo na infância. Posso dividir meus casos em três grupos, de acordo com a origem da estimulação sexual. No primeiro grupo, trata-se de ataques - de situações únicas ou, pelo menos, isoladas, de abuso praticado, em sua maior parte, em crianças do sexo feminino, por adultos que eram estranhos e que, aliás, sabiam como evitar infligir grandes danos mnêmicos. Nesses ataques, está fora de dúvida que não houve consentimento da criança, e o primeiro efeito da experiência foi preponderantemente de susto. O segundo grupo consiste nos casos muito mais numerosos em que algum adulto que cuidava da criança - uma babá, uma governanta, um tutor ou, infelizmente, com freqüência grande demais, um parente próximo - iniciou a criança no contato sexual e manteve com ela uma relação amorosa regular - uma relação amorosa que teve, além disso, seu lado mental desenvolvido - que, muitas vezes, durou anos. O terceiro grupo, finalmente, contém relações infantis propriamente ditas - relações sexuais entre duas crianças de sexo diferente, em geral um irmão e uma irmã, que se prolongam com freqüência além da puberdade e têm as mais extensas conseqüências para o par. Na maioria de meus casos, verifiquei que havia duas ou mais dessas etiologias em ação ao mesmo tempo; em alguns casos, o acúmulo de experiências sexuais oriundas de fontes diferentes era verdadeiramente impressionante. Contudo, os senhores facilmente entenderão esse traço peculiar de minhas observações ao considerarem que todos os pacientes que eu estava tratando eram casos de neurose grave, que ameaçava tornar a vida impossível.
Nos casos em que tinha havido uma relação entre duas crianças, pude algumas vezes provar que o menino - desempenhando, aqui também, o papel do agressor - fora previamente seduzido por um adulto do sexo feminino, e que depois, sob a pressão de sua libido prematuramente despertada e compelido por sua lembranças, tentara repetir com a garotinha exatamente as mesmas práticas que aprendera com a mulher adulta, sem fazer qualquer modificação por sua conta no caráter da atividade sexual.
Em vista disso, inclino-me a supor que as crianças não sabem chegar aos atos de agressão sexual, a menos que tenham sido previamente seduzidas.Por conseguinte, as bases da neurose seriam sempre lançadas na infância por adultos, e as próprias crianças transferiram umas às outras a predisposição para serem acometidas de histeria posteriormente. Peço-lhes que considerem por mais um momento a especial freqüência com que as relações sexuais na infância ocorrem precisamente entre irmãos, irmãs e primos, em decorrência das oportunidades tão freqüentes de estarem juntos; supondo-se então que, dez ou quinze anos depois, vários membros da geração mais nova da família se revelem doentes, não poderia essa aparência de neurose familiar levar naturalmente à falsa suposição da existência de uma predisposição hereditária quando há apenas uma pseudo-hereditariedade e quando, de fato, o que houve foi uma contaminação, uma infecção na infância?
Voltemo-nos agora para a outra objeção |ver em [1]|, baseada precisamente num reconhecimento da freqüência das experiências sexuais infantis e no fato observado de que muitas pessoas que se recordam de tais cenas não se tornaram histéricas. Nossa primeira resposta é que a freqüência excessiva de um fator etiológico não tem possibilidade de ser usada como objeção a sua importância etiológica. Então não é ubíquo o bacilo da tuberculose, e não é ele inalado por muito mais pessoas do que as que efetivamente adoecem de tuberculose? E será sua importância etiológica diminuída pelo fato de que, obviamente, deve haver também outros fatores em ação para que a tuberculose, que é seu efeito específico, seja evocada? Para se estabelecer o bacilo com etiologia específica, basta mostrar que a tuberculose não tem como ocorrer sem sua atuação. O mesmo se aplica, sem dúvida, a nosso problema. Não importa que muitas pessoas vivenciem cenas sexuais infantis sem se tornarem histéricas, desde que todas as que se tornam histéricas tenham vivenciado cenas dessa ordem. Pode-se admitir livremente que a área de ocorrência de um fator etiológico seja mais ampla que a de seu efeito, mas ela não deve ser mais estreita. Nem todas as pessoas que se aproximam ou que tocam num paciente com varíola contraem a doença; não obstante, a infecção é quase a única etiologia conhecida da varíola.
É verdade que, se a atividade sexual infantil fosse uma ocorrência quase universal, a demonstração de sua presença em todos os casos não teria nenhum peso. Mas, para começar, asseverar tal coisa seria certamente um grande exagero; e, em segundo lugar, as pretensões etiológicas das cenas infantis repousam não apenas na regularidade de seu aparecimento nas anamneses dos histéricos, mas também, acima de tudo, na evidência de haver laços lógicos e associativos entre essas cenas e os sintomas histéricos - evidência que, se lhes fosse apresentado todo o relato de um caso clínico, seria para os senhores tão clara como a luz do dia.
Quais podem ser os outros fatores de que a “etiologia específica” da histeria ainda necessita para produzir realmente a neurose? Esse, senhores, é um tema por si só, que não proponho examinar agora. Hoje preciso apenas indicar o ponto de contato em que as duas partes do tema - a etiologia específica e a auxiliar - se encaixam. Sem dúvida, inúmeros fatores terão que ser levados em conta. Haverá a constituição hereditária e pessoal do sujeito, a importância intrínseca das experiências sexuais infantis e, acima de tudo, seu número - um relacionamento breve com um garoto estranho, que depois se torna indiferente, deixará um efeito menos poderoso numa menina do que relações sexuais íntimas mantidas por vários anos com seu próprio irmão. Na etiologia das neuroses, as precondições quantitativas são tão importantes quanto as qualitativas: há valores liminares que têm que ser transpostos para que a doença possa tornar-se manifesta. Além disso, eu mesmo não considero completa essa série etiológica, nem ela resolve o enigma de por que a histeria não é mais comum entre as classes inferiores. (A propósito, os senhores devem estar lembrados da incidência surpreendentemente grande de histeria relatada por Charcot entre homens da classe trabalhadora.) Posso também recordar-lhes que, há alguns anos, eu próprio apontei um fator, até então pouco considerado, ao qual atribuo o papel principal na provocação da histeria depois da puberdade. Propus então a idéia de que a eclosão da histeria pode ser quase invariavelmente atribuída a um conflito psíquico que emerge quando uma representação incompatível detona uma defesa por parte do ego e solicita um recalcamento. Na época, eu não soube dizer quais seriam as circunstâncias em que um esforço defensivo desse tipo teria o efeito patológico de realmente jogar no inconsciente uma lembrança que fosse aflitiva para o ego e de criar um sintoma histérico em seu lugar. Hoje, porém, posso reparar essa omissão. A defesa cumpre seu propósito de arremessar a representação incompatível para fora da consciência quando há cenas sexuais infantis presentes no sujeito (até então normal) sob a forma de lembranças inconscientes, e quando a representação a ser recalcada pode vincular-se em termos lógicos e associativos com uma experiência infantil desse tipo.
Visto que os esforços defensivos do ego dependem do desenvolvimento moral e intelectual completo do sujeito, o fato de a histeria ser muito mais rara nas classes inferiores do que o justificaria sua etiologia específica deixa de ser inteiramente incompreensível.
Voltemos uma vez mais, senhores, ao último grupo de objeções, cuja resposta já nos levou por um caminho tão longo. Já ouvimos e reconhecemos que há numerosas pessoas com uma recordação muito nítida de experiências sexuais infantis e que, não obstante, não sofrem de histeria. Essa objeção não tem valor; propicia, porém, uma oportunidade para se tecer um valioso comentário. De acordo com nossa compreensão da neurose, as pessoas desse tipo não devem em absoluto ser histéricas, ou pelo menos, não devem ser histéricas em conseqüência das cenas de que se lembram conscientemente. Em nossos pacientes, essas lembranças nunca são conscientes; ao contrário, nós os curamos da histeria, transformando suas lembranças inconscientes das cenas infantis em lembranças conscientes. Nada há que possamos ou precisemos fazer quanto ao fato de eles terem tido tais experiências. Disso os senhores poderão perceber que o problema não é apenas a existência de experiências sexuais, mas que uma precondição psicológica também entra em jogo. As cenas devem estar presentes como lembranças inconscientes; apenas desde que e na medida em que sejam inconscientes é que elas podem criar e manter os sintomas histéricos. Mas o que decide se essas experiências produzirão lembranças conscientes ou inconscientes - se isso é condicionado pelo conteúdo das experiências, pela época em que ocorrem ou por influências posteriores - constitui um novo problema, que prudentemente evitaremos. Deixem-me apenas lembrar-lhes, como primeira conclusão, que a análise chegou à proposição de que os sintomas histéricos são derivados de lembranças que agem inconscientemente.
(c) Sustentamos, portanto, que as experiências sexuais infantis constituem a precondição fundamental da histeria, que são, por assim dizer, a predisposição para esta, e que são elas que criam os sintomas histéricos - mas não o fazem de imediato, permanecendo inicialmente sem efeito e só exercendo uma ação patogênica depois, ao serem despertadas, após a puberdade, sob a forma de lembranças inconscientes. Se mantivermos essa posição, teremos que enfrentar as numerosas observações que mostram que uma doença histérica já pode manifestar-se na infância e antes da puberdade. Essa dificuldade, entretanto, é esclarecida tão logo examinamos mais detidamente os dados procedentes de análises referentes à cronologia das experiências infantis. Verificamos então que, em nossos casos graves, a formação dos sintomas começa - não em casos excepcionais, mas antes, regularmente - na idade de oito anos, e que as experiências sexuais que não apresentam nenhum efeito imediato remontam, invariavelmente, a uma época mais precoce, ao terceiro ou quarto, ou mesmo ao segundo ano de vida. Uma vez que em nenhum dos casos a cadeia de experiências afetivas se interrompe aos oito anos, devo presumir que esse período da vida, a fase do crescimento em que ocorre a segunda dentição, constitui uma linha limítrofe para a histeria, depois da qual a doença não pode ser causada. A partir daí, uma pessoa que não tenha tido experiências sexuais anteriormente não mais pode tornar-se predisposta à histeria; e uma pessoa que tenha tido experiências anteriores já é capaz de desenvolver sintomas histéricos. Os casos isolados de ocorrência da histeria do outro lado da linha limítrofe (isto é, antes da idade de oito anos) podem ser interpretados como um fenômeno de maturidade precoce. A existência dessa linha limítrofe está muito provavelmente ligada aos processos de desenvolvimento do sistema sexual. A precocidade do desenvolvimento sexual somático pode ser freqüentemente observada e é até possível que seja promovida por uma estimulação sexual prematura.
Desse modo obtemos uma indicação de que é necessário um certo estado infantil das funções psíquicas, assim como do sistema sexual, para que uma experiência sexual ocorrida durante esse período produza, mais tarde, sob a forma de lembrança, um efeito patogênico. Não me aventuro ainda, entretanto, a fazer qualquer afirmação mais precisa sobre a natureza desse infantilismo psíquico ou sobre seus limites cronológicos.
(d) Outra objeção poderia ser suscitada pela crítica à suposição de que a lembrança das experiências sexuais infantis produza um efeito patogênico tão imenso, enquanto a própria experiência real não tem qualquer efeito. E é verdade que não estamos acostumados à noção de poderes emanados de uma imagem mnêmica e que tenham estado ausentes da impressão real. Ademais, os senhores poderão notar a consistência com que se mantém na histeria a proposição de que os sintomas só podem proceder de lembranças. Nenhuma das cenas posteriores, nas quais emergem os sintomas, é efetiva; e as experiências que são efetivas não têm, de início, nenhuma conseqüência. Todavia, defrontamo-nos aqui com um problema que podemos, muito justificadamente, manter separado de nosso tema. É verdade que nos sentimos impelidos a fazer uma síntese ao examinarmos o número de condições excepcionais que passamos a conhecer: o fato de que, para a formação de uma sintoma histérico, deve haver um esforço defensivo contra uma representação aflitiva; de que essa representação deve apresentar uma conexão lógica ou associativa com uma lembrança inconsciente através de alguns ou muitos elos intermediários, que também permanecem inconscientes no momento; de que essa lembrança inconsciente deve ter um conteúdo sexual; e de que esse conteúdo deve ser uma experiência ocorrida durante certo período infantil da vida. É verdade que não podemos deixar de nos perguntar como é que essa lembrança de uma experiência que foi inócua na ocasião em que ocorreu poderia produzir, postumamente, o efeito anormal de levar um processo psíquico como a defesa a um resultado patológico, enquanto ela própria permanece inconsciente.
Contudo, teremos que nos dizer que esse é um problema puramente psicológico, cuja solução talvez exija certas hipóteses sobre os processos psíquicos normais e sobre o papel neles desempenhado pela consciência, mas que é um problema que pode permanecer sem solução por ora, sem diminuir o valor do discernimento que obtivemos até aqui acerca da etiologia dos fenômenos histéricos.

III

Senhores, o problema cuja abordagem acabei de formular refere-se ao mecanismo da formação dos sintomas histéricos. Vemo-nos obrigados, porém, a descrever a causação desses sintomas sem levar em conta esse mecanismo, o que envolve uma perda inevitável de integralidade e clareza em nossa discussão. Voltemos ao papel desempenhado pelas cenas sexuais infantis. Temo que possa tê-los levado a superestimarem erroneamente seu poder formador de sintomas. Permitam-me, pois, frisar mais uma vez o fato de que todos os casos de histeria apresentam sintomas determinados não por experiências infantis, mas por experiências posteriores, muitas vezes recentes. Outros sintomas, é verdade, remontam às primeiríssimas experiências e pertencem, por assim dizer, à mais antiga nobreza. Entre essas últimas se encontram, principalmente, as numerosas e diversas sensações e parestesias dos órgãos genitais e de outras partes do corpo, sendo tais sensações e parestesias fenômenos que simplesmente correspondem ao conteúdo sensorial das cenas infantis, reproduzidas de maneira alucinatória e, muitas vezes,das mesmas experiências infantis e era explicado, sem dificuldade, por certas peculiaridades invariáveis de tais experiências. E isso porque a idéia dessas cenas sexuais infantis é muito repelente para os sentimentos de um indivíduo sexualmente normal; elas incluem todos os abusos conhecidos pelas pessoas depravadas e impotentes, entre as quais a cavidade bucal e o reto são indevidamente usados para fins sexuais. Nos médicos, o espanto diante disso logo cede lugar a um entendimento completo. Das pessoas que não hesitam em satisfazer seus desejos sexuais com crianças não se pode esperar que relutem ante nuanças mais sutis dos métodos para obter essa satisfação; e a impotência sexual inerente às crianças força-as inevitavelmente às mesmas ações substitutivas a que se rebaixam os adultos quando se tornam impotentes. Todas as singulares condições em que esse par inadequado conduz suas relações amorosas - de um lado, o adulto que não consegue escapar de sua parcela na dependência mútua necessariamente implicada por uma relação sexual, mas que, apesar disso, está munido de completa autoridade e do direito de punir, e que pode inverter esses papéis para a satisfação irrestrita de seus caprichos; e de outro lado, a criança, que em seu desamparo fica à mercê dessa vontade arbitrária, que é prematuramente despertada para todo tipo de sensibilidade e exposta a toda sorte de desapontamentos, e cujo desempenho das atividades sexuais que lhe são atribuídas é freqüentemente interrompido pelo controle imperfeito de suas necessidades naturais -, todas essa incongruências grotescas, mas trágicas, mostram-se impressas no desenvolvimento posterior do indivíduo e de sua neurose, em incontáveis efeitos permanentes que merecem ser delineados nos mínimos detalhes. Quando a relação se dá entre duas crianças, o caráter das cenas sexuais não é de espécie menos repulsiva, já que todo relacionamento dessa natureza entre crianças pressupõe a sedução prévia de uma delas por um adulto. As conseqüências psíquicas dessas relações entre crianças são extraordinariamente abrangentes; os dois indivíduos permanecem ligados por um elo invisível durante toda a vida.
Algumas vezes, são as circunstâncias acidentais dessas cenas sexuais infantis que, em anos posteriores, adquirem um poder determinante sobre os sintomas da neurose. Assim, num de meus casos, a circunstância de a criança ter sido solicitada a estimular os órgãos genitais de uma mulher adulta com seu pé foi o bastante para fixar por anos sua atenção neurótica em suas pernas e na função delas, produzindo finalmente uma paraplegia histérica. Em outro caso, uma paciente que sofria de ataques de angústia que tendiam a ocorrer em certas horas do dia só se acalmava quando uma determinada irmã, dentre as muitas que tinha, ficava a seu lado todo o tempo. A razão disso teria permanecido um enigma, se a análise não tivesse mostrado que o homem que atentara sexualmente contra ela costumava indagar, a cada visita, se a tal irmã, que ele temia viesse a interrompê-lo, estava em casa.
Por vezes ocorre que o poder determinante das cenas infantis está tão oculto que, ante uma análise superficial, está fadado a passar despercebido. Nesses casos, imaginamos ter descoberto a explicação de algum sintoma particular no conteúdo de uma das cenas posteriores - até que, no curso de nosso trabalho, deparamos com o mesmo conteúdo numa das cenas infantis, de modo que acabamos sendo obrigados a reconhecer que, afinal, a cena posterior só deve seu poder de determinar sintomas a sua concordância com a cena anterior. Não quero por isso retratar a cena posterior como algo sem importância; se fosse minha tarefa apresentar-lhes as normas que regem a formação de sintomas histéricos, eu teria que incluir como uma delas a de que a representação escolhida para a produção de um sintoma é uma representação evocada pela combinação de vários fatores, e despertada por várias fontes simultaneamente. Num outro trabalho, tentei expressar isso com a seguinte fórmula: os sintomas histéricos são sobredeterminados.
Mais uma coisa, senhores. É verdade que, anteriormente |ver em [1] e seg.|, isolei a relação entre a etiologia recente e a etiologia infantil como um tema separado. Entretanto, não posso abandonar o assunto sem infringir essa resolução ao menos com um comentário. Os senhores concordarão comigo em que há um fato, acima de todos, que nos induz a cometer erros na compreensão psicológica dos fenômenos histéricos, e que nos parece advertir para não aplicarmos a mesma medida aos atos psíquicos dos histéricos e das pessoas normais. Esse fato é a discrepância entre os estímulos psiquicamente excitantes e as reações psíquicas com que deparamos nos sujeitos histéricos. Tentamos dar conta dela admitindo, nos histéricos, a presença de uma sensibilidade anormal generalizada aos estímulos, e muitas vezes nos esforçamos por explicá-la em termos fisiológicos, como se, nesses pacientes, certos órgãos do cérebro que servem para transmitir estímulos se encontrassem num estado químico peculiar (como os centros espinhais de uma rã, por exemplo, ao lhe ser injetada estricnina), ou como se esses órgãos cerebrais tivessem escapado da influência dos centros inibidores superiores (como nos animais submetidos a experiências ou durante a vivissecção). Ocasionalmente, um ou outro desses conceitos pode ser perfeitamente válido como explicação dos fenômenos histéricos; não questiono isso. Mas a parte principal dos fenômenos - da reação histérica anormal e exagerada aos estímulos psíquicos - admite uma outra explicação, confirmada por inúmeros exemplos extraídos das análises dos pacientes. Essa explicação é a seguinte: A reação dos histéricos só é aparentemente exagerada; está fadada a nos parecer exagerada porque só conhecemos uma pequena parte dos motivos dos quais decorre.
Na realidade, essa reação é proporcional ao estímulo excitante e, portanto, é normal e psicologicamente compreensível. Nós o percebemos imediatamente quando a análise acrescenta aos motivos manifestos, dos quais o paciente tem consciência, os outros motivos que estavam em ação sem o seu conhecimento, de modo que ele nada nos podia dizer sobre eles.
Eu poderia gastar horas demonstrando a validade dessa importante asserção para toda a gama de atividade psíquica na histeria, mas devo restringir-me aqui a alguns exemplos. Os senhores decerto se lembrarão da “suscetibilidade” mental que é tão freqüente entre os pacientes histéricos, e que os leva a reagirem ao menor sinal de depreciação como se estivessem recebendo um insulto mortal. O que pensariam então se observassem esse alto grau de inclinação a magoar-se ante a menor ofensa, se o encontrassem entre duas pessoas normais, digamos, entre marido e mulher? Os senhores certamente infeririam que a cena conjugal testemunhada não era exclusivamente resultante dessa ocasião banal recente, mas que o material inflamável vinha-se acumulando há muito tempo e que a pilha inteira fora incendiada pela última provocação.
Eu lhes pediria que transpusessem essa linha de raciocínio para os pacientes histéricos. Não é a última desfeita - em si mesma, mínima - que produz o acesso de choro, a explosão de desespero ou a tentativa de suicídio, desrespeitando o axioma de que um efeito deve ser proporcional a sua causa: a pequena ofensa do momento atual despertou e pôs em ação as lembranças de muitas e mais intensas ofensas anteriores, por trás das quais jaz, além disso, a lembrança de uma grave ofensa na infância que nunca foi superada. Ou ainda, tomemos o exemplo de uma moça que se recrimina terrivelmente por ter permitido que um rapaz acariciasse sua mão em segredo, sendo desde então dominada por uma neurose. Naturalmente, os senhores poderão responder ao quebra-cabeça considerando-a uma pessoa anormal, de inclinações excêntricas e hipersensível; contudo, terão uma idéia diferente quando a análise lhes mostrar que aquele toque na mão a fez lembrar-se de outro toque semelhante, que ocorrera precocemente em sua infância e que integrava um conjunto menos inocente, de modo que suas auto-acusações eram, na verdade, censuras a essa antiga ocasião. Finalmente, o problema dos pontos histerogênicos é da mesma espécie. Ao se tocar determinado ponto, faz-se uma coisa que não se pretendia: desperta-se uma lembrança que pode desencadear um ataque consulsivo e, como não se sabe coisa alguma sobre esse vínculo psíquico intermediário, o ataque é diretamente ligado à ação do contato. Os pacientes acham-se no mesmo estado de ignorância e incidem, portanto, em erros similares. Estabelecem constantemente “falsas ligações” entre a causa mais recente, da qual estão conscientes, e o efeito, que depende de inúmeros elos intermediários. Ao conseguir, entretanto, reunir os motivos conscientes e inconscientes a fim de explicar uma reação histérica, o médico é quase sempre obrigado a reconhecer que a reação aparentemente exagerada é adequada, sendo anormal apenas em sua forma.
Os senhores, entretanto, poderão acertadamente objetar a essa justificação da reação histérica aos estímulos psíquicos e dizer que, ainda assim, a reação não é normal, pois por que razão as pessoas normais se comportam de modo diferente? Por que é que todas as excitações do passado remoto delas não entram em ação tão logo sucede uma nova excitação atual? Na verdade, tem-se a impressão de que, nos pacientes histéricos, todas as suas experiências antigas - às quais eles já reagiram com tanta freqüência e, além disso, com tanta violência - retiveram seu poder efetivo; é como se essas pessoas fossem incapazes de se desfazerem de seus estímulos psíquicos. Com efeito, senhores, deve-se realmente presumir algo dessa natureza. Os senhores não devem esquecer que, nas pessoas histéricas, quando há uma causa precipitante atual, entram em ação as antigas experiências sob a forma de lembranças inconscientes. É como se a dificuldade de se desfazerem de uma impressão atual, a impossibilidade de transformá-la numa lembrança inofensiva, estivesse ligada precisamente ao caráter do inconsciente psíquico. Como os senhores podem ver, o restante do problema repousa uma vez mais no campo da psicologia - e, o que é mais importante, de uma psicologia de um tipo para o qual os filósofos pouco fizeram para nos preparar.
A essa psicologia, que ainda está por ser criada para atender a nossas necessidades - a essa futura psicologia nas neuroses devo também encaminhar os senhores, ao dizer-lhes, em conclusão, algo que a princípio os levará a temer nossa compreensão nascente da etiologia da histeria. E isso porque afirmar que o papel etiológico da experiência sexual infantil não se restringe à histeria, mas se aplica igualmente à notável neurose das obsessões e, a rigor, talvez também às várias formas de paranóia crônica e outras psicoses funcionais. Expresso-me a esse respeito de maneira menos explícita porque, até o momento, analisei menos casos de neurose obsessiva do que de histeria; e, no que tange à paranóia, tenho a meu dispor apenas uma única análise completa e umas poucas fragmentadas. Mas o que descobri nesses casos pareceu fidedigno e me encheu de expectativas confiantes quanto a outros casos. Talvez os senhores se recordem que, já em data anterior, recomendei que a histeria e as obsessões fossem agrupadas em conjunto sob a denominação de “neuroses de defesa, mesmo antes de vir a conhecer a etiologia infantil comum. Devo agora acrescentar que - embora não seja necessário esperar que isso aconteça em geral - todos os meus casos de obsessões revelaram um substrato de sintomas histéricos, principalmente sensações e dores,que remontavam precisamente às primeiras experiências infantis. Portanto, o que é que determina se as cenas sexuais infantis que permanecem inconscientes, irão, mais tarde, quando os outros fatores patogênicos lhes forem acrescentados, suscitar a neurose histérica, a neurose obsessiva, ou mesmo a paranóia? Esse aumento de nosso conhecimento como vêem os senhores, parece prejudicar o valor etiológico das cenas, porquanto elimina a especificidade da relação etiológica.
Ainda não estou em condições de dar aos senhores uma resposta segura a essa pergunta. O número de casos que analisei não é suficientemente grande, nem os fatores determinantes neles têm sido suficientemente variados. Até aqui, observei que se pode mostrar pela análise que as obsessões são, sistematicamente, auto-acusações disfarçadas e transformadas, relativas a atos de agressão sexual na infância, sendo portanto mais freqüentemente encontradas nos homens do que nas mulheres, e desenvolvendo-se neles com mais freqüência do que a histeria. A partir disso eu poderia concluir que o caráter das cenas infantis - se foram experimentadas com prazer ou apenas passivamente - tem uma influência determinante na escolha da neurose posterior; mas não quero subestimar a importância da idade em que essas ações infantis ocorrem, nem a de outros fatores. Apenas uma discussão de outras análises poderá lançar a luz sobre esses pontos. No entanto, quando se tornar claro quais são os fatores decisivos na escolha entre as possíveis formas de neuropsicoses de defesa, a questão de qual é o mecanismo em virtude do qual uma determinada forma se constitui será, mais uma vez, um problema puramente psicológico.
Chego agora ao fim do que tinha a lhes dizer hoje. Embora esteja preparado para fazer face a objeções e descrença, gostaria de dizer mais uma coisa em defesa de minha posição. O que quer que os senhores pensem sobre as conclusões a que cheguei, devo pedir-lhes que não as encarem como o fruto de especulações inúteis. Elas se baseiam num minucioso exame individual dos pacientes, que, na maioria dos casos, consumiu cem ou mais horas de trabalho.O que me é ainda mais importante do que o valor que os senhores possam atribuir a meus resultados é a atenção que dedicarem ao procedimento que empreguei. Esse procedimento é novo e de difícil manejo, mas, apesar disso, é insubstituível para fins científicos e terapêuticos. Os senhores hão de reconhecer, estou certo, que não se poderão propriamente negar as descobertas decorrentes dessa modificação do procedimento de Breuer enquanto ela for posta de lado e se usar apenas o método costumeiro de interrogar os pacientes. Agir desse modo seria o mesmo que tentar refutar as descobertas da técnica histológica com base no exame macroscópico. O novo método de pesquisa dá amplo acesso a um novo elemento no campo psíquico dos eventos, a saber, os processos de pensamento que permanecem inconscientes - os quais, para usar a expressão de Breuer, são “inadmissíveis à consciência”. Assim, tal método nos inspira a esperança de uma nova e melhor compreensão de todos os distúrbios psíquicos funcionais. Não posso acreditar que a psiquiatria se negue por muito tempo a utilizar esse novo caminho de acesso ao conhecimento.




Continua na Parte 3
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