Re-visão das "Regras Técnicas" Recomendadas por Freud



Não devemos confundir ter amor às verdades com um desejo de certeza. Em
nosso mundo relativo, toda certeza absoluta é uma mentira. Muito mais do que ser um
obsessivo caçador de verdades, o que importa é que sejamos pessoas verdadeiras.
Nestes pouco mais de 100 anos de existência da psicanálise como ciência,
entre avanços e recuos, ampliações e supressões, integrações e cisões, créditos
e descréditos, acima de tudo ela vem sofrendo ininterruptas e profundas
transformações, em que os sucessivos avanços na teoria repercutem
diretamente na técnica, e a recíproca é verdadeira




Ao longo dos seus trabalhos sobre técnica psicanalítica, mais consistentemente estudados e publicados no período de 1912 a 1915, Freud deixou um importante e fundamental legado para todos os psicanalistas das gerações vindouras: as regras mínimas que devem reger a técnica de qualquer processo psicanalítico. Muito embora Freud as tenha formulado como "recomendações", elas são habitualmente conhecidas como "regras", talvez pelo tom pedagógico e um tanto superegóico com que ele as empregou nos seus textos.

Convém lembrar que, classicamente, são quatro essas regras: a regra fundamental (também conhecida como a regra da livre associação de idéias), a da abstinência, a da neutralidade e a da atenção flutuante. Creio que é legítimo acrescentar uma quinta regra: a do amor à verdade, tal foi a ênfase que Freud emprestou à verdade e à honestidade como uma condição sine-qua-non para a prática da psicanálise.

Essas regras permanecem vigentes em sua essencialidade, porém vêm sofrendo muitas e significativas transformações, por meio de algumas rupturas epistemológicas e inevitáveis mudanças que sucessivamente vêm se processando no perfil do paciente, do analista e da própria ideologia do processo analítico, com óbvias repercussões na prática clínica.

Embora essa regra apareça clara e explicitamente formulada por Freud em dois artigos técnicos — A dinâmica da transferência e Sobre o início do tratamento, respectivamente de 1912 e 1913 (v. —, ela já transparece bem delineada em 1904, em seu trabalho Sobre a psicoterapia.

Essa regra consistia fundamentalmente no compromisso assumido pelo analisando em associar livremente as idéias que lhe surgissem de forma espontânea na mente e verbalizá-las ao analista, independentemente de suas inibi¬ções ou do fato se ele as julgasse importantes ou não. O termo "fundamental" era apropria¬do porquanto não seria possível conceber uma análise sem que o paciente trouxesse um contínuo aporte de verbalizações que permitissem ao psicanalista proceder a um levantamento, de natureza arqueológica, das repressões acu-muladas no inconsciente, de acordo com o paradigma vigente na época.

Como sabemos, nos primeiros tempos, na busca do "ouro puro da psicanálise", contido na lembrança dos traumas psíquicos, Freud instruía seus pacientes no sentido de que contassem "tudo que lhes viesse à cabeça", sem omitir nada (1909, p. 164), e, para tanto, forçava a "livre associação de idéias" por meio de una pressão manual de sua mão na fronte do analisando. Posteriormente, ele deixou de pressionar fisicamente, porém continuava impondo essa regra por meio de urna condição obrigatória na combinação inicial do contrato analítico, assim como por um constante incentivo às associações de idéias no curso das sessões. 

No trabalho Dois artigos para enciclopédia (1923), Freud definiu com precisão as suas três recomendações fundamentais que, no inicio de qualquer análise, devem necessariamente constituir essa "regra da livre associação de idéias": 1) o paciente deve se colocar em uma posição de "atenta e desapaixonada auto-observação"; 2) comprometer-se com a mais ab-soluta honestidade; 3) não reter qualquer ideia a ser comunicada, mesmo quando ele sente que "ela é desagradável, quando julga que ela é ridícula, não tão importante ou irrelevante para o que se procura". 

A regra fundamental, nesses primeiros tempos, não se restringia unicamente à impe­riosa obrigação de o analisando cumprir com a livre associação dos pensamentos e idéias; antes disso, ela se comportava corno sendo a caudatária de uma série de outras tantas "re­comendações" menores que os analistas impu­nham desde a formalização do contrato analí­tico, como a de que o paciente usasse imedia­tamente o divã, se comprometesse com seis ou, no mínimo, cinco sessões semanais, não assu­misse nenhum compromisso importante sem antes analisá-lo exaustivamente, o rígido em­prego de definidas fórmulas quanto ao modo de pagamento, e assim por diante.

Tudo isso, somado às demais regras que a seguir serão abordadas, eram formuladas lon­ga e detalhadamente para o pretendente à aná­lise, à espera de sua concordância e compro­metimento, constitua o "contrato" do trabalho psicanalítico, o qual, na época, costumava du­rar alguns meses, ou, no máximo, alguns pou­cos anos. A esse respeito é oportuno destacar que muitos autores atuais ainda mantêm um mesmo rigor na formulação inicial do contra­to analítico, sob o respeitável argumento de que facilita o trabalho do psicanalista o fato de Ler um referencial seguro para estabelecer con­frontos com os desvios que, certamente, o ana­lisando fará no curso da analise.

No entanto, outros psicanalistas — pare­ce-me que a grande maioria na atualidade — preferem se limitar a deixar bem claramente combinados os aspectos referentes ao quinhão de responsabilidade que o paciente deve assu-mir. quanto aos horários, honorários e férias, sendo que as demais questões (inclusive a do uso do divã: a eventualidade de algum actings; o uso simultâneo de medicamentos; etc.) se-rãoexaminados à medida que surgirem no cur-so do processo analítico. hoje de duração bem mais longa do que aquelas análises pioneiras. 

Aliás, como já referimos, muita coisa mudou hoje, a começar pelo perfil do paciente que procura analise. Assim, raramente nos con-frontamos com aqueles pacientes que apresen-tavam unicamente sintomas neuróticos "pu-ros", como costumavam ser os histéricos, os rábicos, os obsessivos... O atual contingente de pessoas dispostas a submeter-se a um longo processo psicanalítico ê constituído pelos pa-cientes que são potradores de transtornos da auto-estima. "falso ser , sofrimento narcisis-ta, além do fato de que os extraordinários avan-ços teórico-técnicos possibilitaram que a psi-canálise estenda-se para um nivel bem mais pretensioso de obtenção de uru crescimento mental caracterológico profundo, e não só sin-tomático e adaptarivo, como o era nas primei. ras décadas. Além disso, a psicanálise hodierno cobre um espectro bem mais amplo. especial-mente o de pacientes bastante regressivos. corno os psicóticos. borderlines. somatizadores. perversos, drogadictos. etc. 

Também houve significativas transforma-ções nos fatores socioeconõtnicos e culturais que, somados aos anteriores, também concor-rem para outras mudanças, como a da dura-ção do tempo das analises, tal corno foi ilus-trado por Jacobs (1996). de forma jocosa, ao dizer que antigamente os casamentos eram de longa duração e as análises breves, enquanto hoje as analises são longas e os casamentos breves... 

No entanto. a principal transformação diz respeito ao fato de que os notáveis e progressi-vos avanços teórico-práticos dos fenômenos pertinentes à área da comunicação vêm possi-bilitando que o psicanalista compreenda de forma muito mais acurada a metacomunica-ção que está comida nas diversas formas de linguagem não-verbal, como é o caso dos si-lêncios, das somatizações, da entonação vocal, da linguagem corporal e gestual, dos actings e, muito particularmente, a primitiva linguagem que o paciente emite pela provocação de efei¬tos contratransferenciais na pessoa do analista.

Também deve ser incluído o fato de que a comunicação verbal do paciente por meio da sua "livre associação de idéias" pode estar sen¬do muito mais "livre" do que "associativa", de modo a ficar a serviço de "-K", conforme Bion (1962) ensinou, isto é, ela inconscientemente pode visar a uma mera "evacuação" ou à men¬tira, ao engodo e às diversas formas de falsifi¬cação das verdades. Da mesma forma, a ver¬balização das idéias do paciente pode obede¬cer ao propósito prioritário de atacar as capa¬cidades de seu analista, como a de percepção e a de estabelecimento de correlações entre os vínculos associativos, assim como o discurso do analisando também pode ter como meta provocar efeitos no analista que o levem à prá¬tica de contra-atuações, e assim por diante.

Tudo isso permite afirmar que a "associa¬ção livre" — componente principal da "regra fun-damental" — não é encarada na atualidade como a única e tão fundamental forma de o analisando permitir um acesso ao seu mundo inconsciente. Ao mesmo tempo, ela evoluiu da idéia de uma imposição do psicanalista para a de uma permissão, com a finalidade de que o analisando fique realmente livre para recriar um novo espaço no qual ele possa voltar a vivenciar antigas experiências emocionais, pen¬sar, sentir, muitas vezes atuar e, acima de tudo, silenciar ou dizer tudo que lhe vier à mente, no seu ritmo e à sua moda.

Igualmente, na atualidade, a "associação livre" também é um requisito importante na pessoa do analista, ou seja, antes de formular a sua interpretação, ele deve proceder a um trabalho de elaboração interna, a partir de uma forma livre de processar as suas próprias asso¬ciações de idéias e sentimentos.

Em relação ao conteúdo e à forma de como o paciente traz suas comunicações ao analista, verbais ou não-verbais, creio que o terapeuta deve partir do princípio de que o "paciente sempre tem razão", isto é, ele pode falar ou silenciar, ser claro ou confuso, verda¬deiro ou mentiroso, colocar afeto no que diz ou fazer narrativas intelectualizadas, etc. Tal afirmativa sustenta-se no fato de que essa é a forma de o paciente ser na sua vida, tal como se expressa na análise, de sorte que cabe ao analista decodificar o que está sendo comuni¬cado e correlacionar com as causas e propósi¬tos dessa forma de o analisando usar a sua li¬vre associação de idéias e sentimentos.


REGRA DA ABSTINÊNCIA
Essa "recomendação de abstinência", pelo menos de forma clara, foi formulada pela pri-meira vez por Freud, em Observações sobre o amor transferêncial (1915, p. 214), em uma época na qual as análises eram curtas e na clí¬nica dos psicanalistas predominavam as pacien¬tes histéricas, que logo desenvolviam um esta¬do de "paixão" e de atração erótica com o ana¬lista. A isso, acresce o fato de que, à medida que a psicanálise se expandia e ganhava em reconhecimento e repercussão, paralelamente também aumentavam as criticas contra aquilo que os detratores consideravam um uso abusivo e licencioso da sexualidade.

Preocupado com a imagem moral e ética da ciência que ele criara, além da científica, e com o possível despreparo dos médicos psico¬terapeutas de então, quanto ao grande risco de envolvimento sexual com as suas pacientes mergulhadas em um estado mental de "amor de transferência", Freud viu-se na obrigação de definir claros limites de abstenção, tanto para a pessoa do analista como também para a do analisando. Na verdade, Freud começou a postular essa regra a partir dos seus trabalhos técnicos de 1912, quando se intensificaram as suas preocupações com a imagem e a respon¬sabilidade da expansão da psicanálise, por¬quanto, até então, ele mantinha uma atitude de muita permissividade, como pode ser com¬provado com a análise, em 1909, do "homem dos ratos", a quem Freud, em algumas ocasiões, no transciirso das sessões, servia chá, sanduí¬ches ou arenque.

Tal como o nome "abstinência" sugere, essa regra alude à necessidade de o psicanalis¬ta abster-se de qualquer tipo de atividade que não seja a de interpretar, portanto ela inclui a proibição de qualquer tipo de gratificação ex¬terna, sexual ou social, a um mesmo tempo que o terapeuta deveria preservar ao máximo o seu anonimato para o paciente. Dessa forma, em 1918, Ao trabalho Linhas de avanço nas tera¬pias psicanalíticas (p. 204), Freud reitera que, "na medida do possív• el, a cura analítica deve executar-se em estado de privação de abstinên-cia". Fica claro nesse texto que Freud também se referia ao risco de que o analista atendesse às gratificações externas que o paciente busca, como um substituto dos conflitos internos.

Por essa última razão, Freud estendeu à pessoa do analisando a imposição de que ele se abstivesse de tomar qualquer iniciativa im-portante de sua vida sem unia prévia análise minuciosa da mesma. Na sua formulação ori¬ginal (pode ser encontrada na página 200 do volume XII), Freud afirma textualmente que "[...] protege-se melhor o paciente dos prejuí¬zos ocasionados pela execução de um de seus impulsos, fazendo-o prometer (o grifo é meu) não tomar quaisquer decisões importantes que lhe afetem a vida durante o tempo de trata¬mento, por exemplo, não escolher qualquer profissão ou objeto amoroso definitivo, mas adiar todos os planos desse tipo para depois do seu restabelecimento".

É claro que essa recomendação continua sendo muito importante, especialmente quan¬to ao fato, acrescento eu, de que a melhor for¬ma de o analista atender ao seu paciente é a de entender as suas necessidades, desejos e deman¬das, única forma de evitar o risco de que essas sejam substituídas por actings, por vezes de natureza maligna

Tamanha era a preocupação de Freud com a possibilidade de o analista ceder à tentação de um envolvimento sexual com as pacientes que ele utilizou a metáfora de um radiologista que deve se proteger com uma capa de chum¬bo contra a incidência dos efeitos maléficos dos raios X. Sucessivas gerações de psicanalistas levaram essa recomendação ao pé da letra e, tal como a metáfora sugere, carregaram para o campo analítico essa pesada proteção plúm¬bea, de forma a manter-se o mais distante pos¬sível, de forma rígida, de qualquer aproxima¬ção mais informal, quer dentro quer fora do consultório.

Acredito que essa obediência à evitação de uma aproximação com o paciente, levada ao extremo, contribuía para a instalação de um campo fóbico entre o analista e o analisando, muitas vezes servindo como uma racionaliza¬ção científica a serviço de uma — real — fobia por parte do psicanalista, ou seja, o medo dele • chegar mais perto de aspectos, temidos por ele como sendo perigosos. De igual modo, não deve ser descartada, também, a possibilidade de que, além de um distanciamento fóbico, não pou¬cas vezes uma excessiva abstinência por parte do terapeuta pode estar a serviço de uma, in¬consciente, retaliação ou de um disfarçado sa¬dismo seu em relação ao paciente. Assim, esse analista, sem se dar conta, pode estar machu¬cando o paciente, enquanto pensa que está, ad¬miravelmente, aplicando a preconizada regra da abstinência, e que Freud orgulhar-se-ia dele.

No entanto, na atualidade, muita coisa mudou na prática psicanalítica: o perfil emo-cional e situacional do paciente que procura análise é bem diferente daqueles dos primei¬ros tempos, as condições sociológicas e econô-micas também são completamente diferentes, os conhecimentos teóricos e técnicos dos psi-canalistas ampliaram-se em extensão e profun-didade, os objetivos a serem alcançados tam-bém sofreram profundas modificações, as aná-lises são mais longas e, por conseguinte, te¬mos mais tempo, mais liberdade e menos medo para interagir intimamente com os analisandos.

Assim, sem nunca perder a necessária preservação do setting normatizador e delimi-tador, a maioria dos analistas atuais trabalha de uma forma algo mais descontraída, o clima da análise adquiriu um estilo mais coloquial, com uma menor evitação de aproximação (que, como já aludimos, adquiria uma natureza fóbica). Além disso, há um certo abrandamento do "superego analítico" (o qual é herdeiro das instituições que o formaram e modelaram como psicanalista), de modo a possibilitar que o ana¬lista possa sorrir, ou rir, durante a sessão, res¬ponder a algumas inócuas perguntas particu¬lares, dar algum tipo de orientação, evidenci¬ar algum tipo de emoção, não ter pavor de que apareça alguma fissura no seu anonimato, etc.

Em outras palavras, aplicar rigidamente a regra da abstinência e do anonimato, nos ter-mos em que foram originalmente recomenda-das por Freud, nas análises mais longas de hoje, seria impossível e conduziria para um clima de muita falsidade, além de um incremento da submissão e paranóia.

Pode-se dizer que, na psicanálise pratica-da hoje, o eixo em torno do qual deve girar a abstinência por parte do analista não é tanto o' que se refere ao "amor de transferência" — até porque as pacientes histéricas típicas da época de Freud não são as que prevalecem na clínica atual dos psicanalistas e, além disso, a psica-nálise avançou muito em compreensão e ma¬nejo desses casos, embora, é claro, esse risco de envolvimento continua existindo e preocu¬pando. O significado maior da necessidade atual do cumprimento da regra da abstinên¬cia, por parte do psicanalista, inclina-se mais para os riscos que estão ligados à configuração narcisista deles próprios.

Assim, vale destacar alguns desses riscos, como é o caso de o analista gratificar os dese¬jos manifestos pelo paciente — nos casos em que tais desejos estão visando a compensar de-ficiências internas suas —, assim impelindo o terapeuta a substituir um necessário entender por um infantilizador e narcisístico atender. Da mesma forma, deve ser levada em conta a pos-sibilidade, nada rara, de o psicanalista impor a sua grandiosidade narcisística como uma for¬ma de usar o analisando como um prolonga¬mento dele, com o objetivo de conseguir uma realização pessoal, embora às custas de uma atrofia da autonomia e autenticidade do pa¬ciente. E assim por diante.

Deve ficar claro que, não obstante a "abs-tinência" aludir diretamente à suspensão do desejo do analista, isso não significa a morte do desejo, a desistência de desejar e, da mes¬ma maneira, não significa que ele vá anular os desejos do analisando. Um bom exemplo para essa última situação é a que se refere à curiosi-dade do analisando, a qual, curiosamente, foi considerada pelos nossos maiores autores, de forma genérica, a partir do ângulo da patoge¬nia, e não daquilo que a curiosidade também tem de saudável e estruturante.

Assim, Freud abordou a "curiosidade" sob a perspectiva da criança excluída da "cena pri-mária"; M. Klein privilegiou o enfoque centrado no desejo da criança pequena em invadir o in-terior do corpo da mãe para poder controlar e tomar posse dos tesouros que a sua curiosida¬de, tecida com as fantasias inconscientes, faz ela imaginar que a mãe os possui, como forma de pênis do pai, de fezes idealizadas e de be¬bês; Bion acentuou os aspectos da curiosidade ligada à arrogância, tal como foi a de Édipo ao desafiar aos deuses e querer chegar à verdade a qualquer custo, pelo que pagou o altíssimo preço que o mito nos relata.

O importante é que o psicanalista, mercê de uma abs.tinência firme e coerente, porém benevolente e não-intrusiva, consiga discrimi¬nar quando uma manifesta curiosidade do pa¬ciente em relação a ele está a serviço de uma patologia ou guarda um propósito sadio. No primeiro caso, é possível observar que o pacien¬te não está interessado nas interpretações do analista que o levassem a fazer reflexões, mas, sim, que a sua curiosidade, tal como uma son¬da meteorológica, procura penetrar na mente do terapeuta para descobrir o que este quer ou não quer, para assim manipulá-lo, ou com fins de sedução e submetimento, ou para triunfar sobre ele.

No caso de uma curiosidade sadia, nada é mais desastroso que o analista responder com um silêncio gélido ou com uma — forçada — pseudo-interpretação a uma pergunta inócua do paciente que, como hipótese, pode justa¬mente estar expressando um enorme esforço para vencer,uma inibição, um passo para en¬saiar uma aproximaçãomais livre e afetiva ou um exercício para reexperimentar uma curio¬sidade que, no passado, lhe foi proibida e significada conio daninha.

Uma faceta correlata ao aspecto exposto é o que diz respeito aos encontros sociais, nos quais o psicafialiita e o analisando partilharão de um mesmo espaço fora do setting psicanalítico. Até certo tempo atrás, os psicanalistas, de modo geral, evitavam ao máximo um encontro dessa natureza, e muitos, inclusive, incluíam no an-damento do contrato analítico uma cláusula para que o paciente se abstivesse de tais aproxima-ções. Isso era mais freqüente nas situações das análises "didáticas" e, funcionando como um modelo de identificação, os sucessivos analistas costumavam adotar a mesma atitude com to¬dos os seus outros pacientes comuns.

Os psicanalistas mais veteranos são tes-temunhas do quanto, em muitas sociedades psicanalíticas, a referida evitação, inclusive em eventos científicos, atingia um grau de fobia em ambos do par analítico. A organização de algum encontro social exigia uma verdadeira ginástica por parte do anfitrião para manter as devidas evitações de qualquer aproximação. Na atualidade, continua sendo recomendável que