Pulsão e Sexualidade

Psicologia em Estudo
Print version ISSN 1413-7372
Psicol. estud. vol.17 no.3 Maringá July/Sept. 2012

http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722012000300018 
ARTIGOS


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Sexualidade e pulsão: conceitos indissociáveis em psicanálise?

Sexuality and drive: inseparable concepts in psychoanalysis?

Sexualidad y pulsión: conceptos inseparables en psicoanálisis?





Ney Klier Padilha NettoI; Marta Rezende CardosoII

I Psicólogo; Mestre em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Ex-bolsista (mestrado) da CAPES 
II Psicanalista; Doutora em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise - Universidade de Paris Diderot (França); Professora Associada do Instituto de Psicologia da UFRJ; Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental; Pesquisadora do CNPq

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RESUMO

A Psicanálise tem como um de seus operadores centrais uma compreensão inovadora da sexualidade humana. O conceito de pulsão e, em particular, o de pulsão sexual possui lugar de destaque. As determinações e implicações dos remanejamentos sofridos por esse conceito na obra freudiana colocam dificuldades teóricas na questão do sexual e de sua relação com a alteridade. No primeiro dualismo pulsional, a pulsão sexual é força disruptiva, oposta às de autoconservação, por seu caráter desestabilizador para o ego. Com a emergência do conceito de narcisismo, a constituição egoica assume caráter eminentemente sexual, e a oposição entre ego e sexualidade é problematizada. Na segunda teoria das pulsões, fundamentada na contraposição entre Eros e Pulsão de Morte, esta última constitui força destrutiva, cuja natureza, para Freud, não seria sexual. Baseando-nos em Jean Laplanche, discute-se como conciliar os aspectos violentos edisruptivos da sexualidade humana com a dimensão de ligação inerente a Eros.

Palavras-chave: Pulsão; sexualidade; alteridade.

ABSTRACT

Psychoanalysis has as one of its central operators an innovative understanding of human sexuality. The concept of drive, of the sexual drive in particular, has a prominent place. Determinations and implications of the relocation of this concept in Freud's work create theoretical difficulties in the sexual issue and its relation to otherness. In the first drive dualism, the sexual drive is a disruptive force, opposed to self-conservative ones because of its destabilizing character for the ego. With the emergence of the concept of narcissism, the ego's constitution takes on an eminently sexual character, and the opposition between ego and sexuality is problematized. In the second drive theory, grounded on the opposition between Eros and the death drive, the latter is a destructive force, whose nature, according to Freud, would not be sexual. Drawing on Jean Laplanche, we discuss how to reconcile the violent and disruptive features of human sexuality with the linking dimension inherent to Eros.

Key words: Drive; sexuality; otherness.

RESUMEN

El psicoanálisis tiene como uno de sus operadores centrales una comprensión innovadora de la sexualidad humana. El concepto de pulsión y, en particular, el de pulsión sexual, posee lugar prominente. Las determinaciones e implicaciones de las reubicaciones sufridas por este concepto en la obra de Freud crean dificultades teóricas en la cuestión de lo sexual y su relación con la alteridad. En el primer dualismo pulsional, la pulsión sexual es fuerza disruptiva, opuesta a la autoconservación, debido a su carácter desestabilizador para el Yo. Con la emergencia del concepto de narcisismo, la constitución del Yo toma carácter eminentemente sexual, y la oposición entre Yo y sexualidad es problematizada. En la segunda teoría de las pulsiones, basada en la oposición entre Eros y Pulsión de Muerte, ésta constituye una fuerza destructiva, cuya naturaleza, según Freud, no sería sexual. Basándonos en Jean Laplanche, discutimos cómo conciliar los aspectos violentos y perturbadores de la sexualidad humana con la dimensión de ligación  inherente a Eros.

Palabras-clave: Pulsión; sexualidad; alteridad.




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A ideia de sexualidade, presente na obra freudiana desde a década de 1890, consolidou-se com o estabelecimento da noção de pulsão nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", publicados em 1905 (Freud, 1905/1969). Por meio dos conceitos de disposição perverso-polimorfa, zona erógena, pulsão parcial e libido, a sexualidade configurou-se como porta de entrada para a compreensão da vida psíquica. No presente artigo, pretendemos elaborar a seguinte questão: qual a abrangência, a significação, e quais os problemas teóricos trazidos pelo conceito de pulsão sexual?

A pulsão sexual, diferentemente do instinto sexual, não se limita às atividades repertoriadas da sexualidade biológica, mas constitui o fator primordial que impulsiona toda a série de manifestações psíquicas, estando, portanto, no fundamento do aparelho psíquico e de seu funcionamento. Freud inaugura, assim, uma nova e revolucionária compreensão da sexualidade humana.

Logo no início do seu percurso, na primeira metade da década de 1890, Freud postulou a noção de defesa, pela qual o ego se defende de representações ligadas à vida sexual do sujeito. Esta noção, precursora da teoria do recalcamento, marca o seu ponto de ruptura com as concepções de Jean Martin Charcot e Joseph Breuer que o inspiraram no começo de sua trajetória. Mais significativamente, a noção de defesa expressa a singularidade e originalidade do pensamento freudiano, ao introduzir a lógica do inconsciente.

Para fundamentar a sua teoria do recalcamento, Freud recorrera primeiramente à hipótese da sedução, acreditando que o recalque se aplicava às lembranças de atentados sexuais perversos sofridos de forma passiva pelo sujeito em sua infância. Concebido o inconsciente como resultado do recalque das cenas de sedução no psiquismo, a teoria da sedução não sobreviveu ao impacto de novas descobertas freudianas: o papel da sexualidade infantil e da fantasia na vida psíquica. Segundo essa nova perspectiva, a criança não seria desprovida de atividade sexual, no sentido de ser reconhecidamente capaz de construir, num plano inconsciente, inúmeras fantasias sexuais, apesar de sua imaturidade biológica.

Freud acabará por ressignificar profundamente a noção de perversão, situando a sexualidade infantil e perversa no fundamento da sexualidade humana. É justamente nesse contexto que a noção de pulsão sexual irá emergir. Definida, em termos clássicos, como o representante psíquico das excitações provenientes do corpo, a pulsão sexual constitui a ferramenta teórica que viabiliza a construção da teoria da sexualidade em Freud, teoria que se revelará fundamental para a compreensão de todas as outras formulações que compõem o conjunto de seu pensamento.

Uma das preocupações fundamentais de Freud foi encontrar a pulsão que se oporia às pulsões sexuais. Inicialmente, postulou a oposição entre pulsão sexual e pulsão de autoconservação, visando tematizar o conflito entre a sexualidade impetuosa e o ego, entendido inicialmente como instância psíquica dessexualizada. O caráter disruptivo da sexualidade é um fato evidente em suas primeiras formulações. A pulsão sexual, segundo esta lógica inicial, é entendida como força desestabilizadora para o ego, suscitando medidas de controle e moderação. A defesa psíquica, o recalcamento, incidiria justamente contra a agressão da pulsão sexual à esfera egoica.

Posteriormente, com a consideração de outras psicopatologias, como a esquizofrenia e a paranoia, Freud foi desafiado a reavaliar a sua teoria da sexualidade. Chegou à conclusão de que o ego também era objeto de investimento libidinal e que esse investimento, quando bem estruturado, servia como fator organizador das pulsões sexuais na esfera psíquica. O corpo infantil, inicialmente devassado por pulsões parciais autoeróticas – isto é, pulsões sexuais fragmentadas, não-investidas ainda em um objeto externo – necessitaria de um agente organizador para a sua dispersão pulsional. A descoberta de um investimento da libido no ego, objeto interno por excelência, acabou por delimitar qual seria esse agente organizador da fragmentação pulsional: o próprio ego.

Assim, com a conceituação do narcisismo na primeira metade da década de 1910 (Freud, 1914/1969), uma grande reviravolta começa a se instaurar nessa teoria. A constituição do ego passa a ser profundamente inserida em uma problemática sexual. Para que haja a constituição do ego, far-se-ia necessário o investimento libidinal nessa instância. Se antes a pulsão sexual ameaçava constantemente a estabilidade do ego, agora ela é a própria matéria-prima para a sua constituição.

Todavia, uma das preocupações fundamentais e permanentes de Freud foi tematizar o fator que estaria contraposto à sexualidade. "A argumentação é primeiramente clínica: o conflito psíquico exige que algo se oponha à sexualidade, que seja posto em perigo por ela" (Laplanche, 1993/1997, p. 83-84). Não sendo o ego o fator antissexual almejado, a teoria das pulsões corre o risco de perder a dualidade essencial entre duas forças opostas.

O texto sobre a introdução ao narcisismo promoveu, portanto, uma série de dificuldades para a teoria das pulsões. O foco desta passa a ser a oposição entre libido do ego e libido do objeto, dois modos de investimento de uma mesma pulsão: a pulsão sexual. Desse modo, a proposta original de estabelecer oposição entre duas pulsões distintas encontra-se comprometida. Soma-se a esse fato a observação dos fenômenos relativos à compulsão à repetição, elementos que levarão Freud a formular uma segunda teoria pulsional, recuperando a dualidade perdida com a descoberta do narcisismo.

O último dualismo pulsional proposto por ele, entre Eros e pulsão de morte (Freud, 1920/2006), trouxe inúmeras interrogações, tornando-se um dos pontos mais controversos de todo o seu percurso. A libido, energia da pulsão sexual, incorporada ao conjunto das pulsões de vida (Eros), teria a função de tornar a pulsão de morte inofensiva (Freud, 1924/2007). Diante dessa perspectiva, a sexualidade, no final da teoria freudiana, assume papel diferente da força impetuosa, eminentemente perturbadora (Laplanche & Pontalis, 1967/1982) que havia sido atribuída à pulsão sexual nos primeiros esboços da teoria das pulsões.

Ao ser confinada ao conjunto das pulsões de vida, a pulsão sexual perde o seu caráter também hostil à estabilidade do ego. Torna-se uma força que tende exclusivamente à ligação e à manutenção dos laços vitais. Então, o problema teórico que emerge a partir da construção da segunda teoria das pulsões se refere, em grande parte, à dificuldade de conciliar os aspectos não-ligados da sexualidade com essa restrição da pulsão sexual ao domínio de Eros – princípio de ligação.

Se Freud recorreu ao termo pulsão para descrever a sexualidade humana, podemos questionar até que ponto é possível dissociar os conceitos de pulsão e sexualidade. Os remanejamentos operados em sua teoria não deixaram de promover uma série de dificuldades no entendimento do conceito de pulsão sexual. Todo o registro pulsional estaria inserido no campo da sexualidade, ou haveria algo da ordem do pulsional que escaparia a esse campo? Sexualidade e pulsão seriam ou não conceitos indissociáveis em Psicanálise?

Nesse contexto, as contribuições de Jean Laplanche mostram-se especialmente valiosas. O autor prioriza a questão da pulsão sexual em suas abordagens, reafirmando a importância da magistral ampliação da sexualidade que Freud inaugura. Exploraremos as contribuições desse autor, com a finalidade de elaborar a seguinte questão: a sexualidade estaria ou não restrita ao campo da ligação no âmbito psíquico?


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A TEORIA DA SEDUÇÃO GENERALIZADA

A teoria da sedução generalizada, proposta por Jean Laplanche, resgata elementos de todas as etapas do percurso freudiano – desde a teoria da sedução em 1895 até o último dualismo pulsional entre Eros e pulsão de morte em 1920 –, re-estruturando profundamente esses elementos. O autor irá fundamentar a estrutura do aparelho psíquico a partir, justamente, da experiência inconsciente e originária da sedução.

Enquanto na teoria da sedução em Freud, a sedução perversa, exercida pelo adulto sobre a criança, correspondia a uma situação contingente, episódica, na teoria da sedução generalizada, a sedução vem a corresponder, antes de tudo, a uma situação antropológica fundamental – a relação entre o adulto e a criança em termos gerais. De um lado, o adulto, com seu inconsciente sexual, essencialmente perverso – habitado pela fantasia, pelos resíduos de sua sexualidade infantil – e, de outro, a criança, sem inconsciente sexual a priori, apenas com suas montagens biológicas, situadas predominantemente no nível da necessidade e não do desejo (Laplanche, 1987/1992; 2007).

Um dos pontos fundamentais da teoria de Laplanche é a distinção que estabelece entre a gênese da sexualidade infantil e o desenvolvimento da relação perceptivo-motora da criança. A emergência da sexualidade no ser humano não se confunde aqui com as primeiras adaptações psicofisiológicas do bebê."Inicialmente, falar da criança é (...) falar de um indivíduo biopsíquico, e seria aberrante a ideia de um bebê puro organismo, pura máquina, sobre o qual viria se enxertar não sei o quê, uma alma, um psiquismo." (Laplanche, 1987/1992, p. 99).

O autor explora a situação originária que se estabelece em duplo registro: no primeiro, há uma relação interativa, no segundo, não há interação possível pelo fato de haver extrema defasagem entre o psiquismo adulto – fundamentalmente marcado pelos conteúdos sexuais e inconscientes – e o corpo-psiquismo infantil – extremamente elementar. A balança é profundamente desigual.

Como afirma Jacques André (2008), "tal qual uma 'infecção', o sexual contamina um corpo psíquico desprovido da resposta imunizadora adaptada" (p. 549). Do lado da criança, a princípio, há apenas o organismo com suas montagens biológicas, pré-formadas, e do lado do adulto, há a implantação de mensagens nesse organismo infantil – "(...) mensagens antes de tudo somáticas, inseparáveis dos significantes gestuais, mímicos ou sonoros, que as transportam" (Laplanche, 1993/1997, p. 14-15).

O adulto propõe à criança significantes impregnados de significação sexual inconsciente, significantes verbais, não-verbais e até mesmo comportamentais. Trata-se de elementos inconscientes que impregnam os gestos, os dizeres, as ações dos adultos. Este mundo sexual adulto não se caracteriza por um mundo objetivo que a criança tenha que descobrir e aprender. Caracteriza-se por mensagens que ultrapassam até mesmo o registro linguístico, podendo ser pré ou paralinguísticas, que interrogam a criança antes que esta possa vir a metabolizar eficazmente o que lhe atinge e excita. Neste contexto de disparidade, de desigualdade entre dois polos, Laplanche (1987/1992; 2007a) identifica a origem da pulsão sexual no ser humano.

Ao criar um vínculo de ternura e apego com a criança, o adulto introduz nesta os elementos que fazem emergir a pulsão. "É na interação da ternura que desliza, que se insinua a ação inconsciente do outro, a face sexual inconsciente da mensagem do outro" (Laplanche, 1993/1997, p. 60). A abertura perceptiva e motora da criança à autoconservação permite a introdução desses elementos sexuais. Esse é o sentido que a noção de apoio vem a adquirir na teoria de Laplanche.

Para exemplificar esse processo de implantação – ou intromissão, uma variante mais violenta da implantação – dos significantes enigmáticos no corpo-psiquismo infantil, Laplanche (1993/1997) recorre à situação de amamentação: a mãe que oferece o seu seio para alimentar a criança. Esse seio que alimenta e viabiliza a sobrevivência da criança, imprescindível para a sua autoconservação, é o mesmo seio que carrega significações sexuais, inconscientes para a mulher que o oferece. A mãe que se dirige à criança, de maneira terna e protetora, não tem como evitar os efeitos de seu inconsciente sexual sobre a sua comunicação com o bebê. Este recebe mensagens que impactam seu corpo, necessitando de uma defesa, de uma proteção contra essa invasão de estímulos, inevitável e imprescindível, decorrente dessa relação primordial.

As zonas erógenas são lugares privilegiados de troca com o exterior, lugares de cuidados, de polarização de algo externo. Pelos cuidados oferecidos pelo adulto à criança algo externo vem enxertar-se no funcionamento endógeno. A fonte da pulsão corresponderia, portanto, à implantação de um corpo estranho. Como consequência desse fenômeno, a excitação endógena não está isenta do impacto de um elemento exógeno, implantado no corpo.

 Portanto, a erogeneidade do corpo infantil, de acordo com o ponto de vista de Laplanche, não pode ser atribuída aos fatores hereditários, mas ao contato com o outro, que erogeneiza esse corpo, promovendo alteração orgânica no mesmo, implantando uma sexualidade que não estaria ali a priori: a sexualidade infantil. "Nada permite afirmar que a erogeneidade das zonas erógenas esteja ligada a uma tensão endógena inata" (Laplanche, 2000/2001, p. 24).

Em outras palavras, a sexualidade infantil não teria mecanismo endógeno inato. Os termos implantação e enxerto, dentro desse contexto, não podem ser mais precisos, posto que referidos a uma sexualidade que adviria por via exógena, antes da maturação da sexualidade biológica. Segundo André (2012), nesse fato reside a especificidade do ser humano, articulada justamente à desqualificação que o campo do instinto sofre. O organismo do pequeno ser é totalmente subvertido pela ação sedutora e inconsciente do outro, ponto de partida para a emergência do sexual e do pulsional. 

Como vimos, Laplanche (2000/2001; 2007a) recorre aos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" (Freud, 1905/1969), mais especificamente às noções de sexualidade perversa polimorfa e de prazeres preliminares, para definir com maior precisão a pulsão sexual no ser humano. 

O sexual infantil é a grande descoberta de Freud. É o "sexual" alargado além dos limites da diferença sexual, além do sexuado. É o sexual parcial, ligado às zonas erógenas, funcionando segundo o modelo do Vorlust, onde vocês tornam a encontrar a palavra Lust que quer dizer ao mesmo tempo prazer e desejo. (Laplanche, 2000/2001, p. 23). 

O termo alemão Vorlust designa prazer-desejo-preliminar. Para Laplanche (2000/2001; 2007a), a pulsão se diferenciaria do instinto justamente nesse quesito, expressando a busca por mais excitação, sendo um prazer de acréscimo de tensão, em vez de apaziguamento, de modo análogo às atividades sexuais preliminares.

A pulsão sexual infantil, tendo a sua origem no inconsciente, expressa uma busca sem fim, não conhecendo apaziguamento. O pulsional está sempre carente de ligação, sempre ambivalente. O clímax de toda atividade sexual não apaziguaria a pulsão sexual. O pulsional sexual continua pressionando o corpo, independentemente de qualquer orgasmo fisiológico, pois a sua origem não estaria situada no somático, mas no inconsciente.

Há no homem o instinto de autoconservação, a pulsão sexual e o instinto sexual. O primeiro, o instinto de autoconservação, é logo recoberto pelos fenômenos propriamente humanos e sexuais da sedução. A pulsão sexual, resultante das alterações sofridas pelo corpo-psiquismo infantil por meio do contato com o outro, ocupa lugar principal e decisivo no homem, do nascimento até a puberdade, escondendo-se no inconsciente, constituindo o objeto da psicanálise. O instinto sexual, por sua vez, emerge na puberdade, mas encontra o seu lugar ocupado pela pulsão sexual infantil, estando ele subordinado ao seu universo fantasístico.

Assim, o pulsional sexual e infantil, campo de força rigorosamente distinto do instinto, "não deve ser confundido de modo algum com o sexuado, o genital, o reprodutivo, e ainda menos com o gênero." (Dejours & Martens, 2012, p. 146; tradução nossa). A pulsão sexual, na teoria da sedução generalizada, é a busca irrefreável por mais tensão prazerosa, irredutível à satisfação de qualquer necessidade.

Enfim, a analogia que Laplanche (2007a) estabelece entre os prazeres preliminares (prazeres de acréscimo de tensão)e a pulsão sexual infantil é particularmente significativa para a compreensão do pulsional, pois expressa claramente o fato de que as excitações sexuais na infância – que perduram até o final da vida do homem – são fruto de uma erogeneidade que não estaria instalada a priori no corpo humano. Essas excitações, totalmente indissociáveis dos objetos fantasísticos, exprimem o caráter subjetivo da sexualidade. O instinto sexual, esse sim pré-determinado e constitutivo do homem, quando aflorado, estaria sempre confrontado pela pulsão sexual, irremediavelmente infantil, fantasística e inesgotável.


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A FONTE DA PULSÃO SEXUAL

Em "Pulsões e destinos das pulsões", Freud (1915/2004) define a pulsão como "conceito limite entre o psíquico e o somático, como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a psique, como medida da exigência de trabalho imposta ao psíquico em consequência de sua relação com o corpo" (p. 148).

Na teoria da sedução generalizada, essa medida da exigência de trabalho não é exercida diretamente pelas fontes somáticas do corpo, mas por protótipos inconscientes. As mensagens enigmáticas emitidas pelo adulto, carregadas de sentido e desejo, impactam o corpo-psiquismo infantil.

A defasagem entre o universo sexual adulto e as possibilidades de integração desse universo pela criança está na origem da pulsão – uma origem traumática, decorrente de forte disparidade entre dois polos, o adulto e o infantil. Haveria no confronto entre o adulto e a criança uma relação de atividade-passividade – relação totalmente assimétrica, pelo fato de o psiquismo do adulto ser infinitamente mais rico que o da criança. Essa assimetria constitui o ponto de partida para o recalcamento originário – recurso defensivo que divide o psiquismo infantil, originando as instâncias psíquicas.

Por meio do mecanismo do recalcamento há "a constituição e a permanência de um inconsciente, assim como o efeito 'pulsão' indissociável dele" (Laplanche, 1987/1992, p. 138). O modelo do recalcamento, entendido como fracasso de tradução, presente na carta 52 (Freud, 1896/1969) de Freud a Wilhelm Fliess, é fundamental para a compreensão dos elementos-chaves da teoria de Laplanche. A fonte da pulsão, segundo ele (1987/1992), é o resquício inconsciente do recalcamento originário, isto é, a excitação não-inibida pelo processo de tradução.

A concepção de Laplanche (1993/1997) "não é a do advir do psíquico no vital, mas do advir do sexual biopsíquico no pequeno ser humano também biopsíquico" (p. 15). Em outras palavras, o pequeno ser não seria desprovido de um psiquismo, mas sim desprovido de um psiquismo sexual, pulsional – ou seja, não haveria a priori uma instância psíquica análoga ao id nesse pequeno ser. O pulsional no ser humano é fruto de uma situação traumática e constitutiva sobre o psiquismo elementar da criança.

Se há uma exigência de trabalho, ela deve ser concebida como aquela exercida pelo id – o conjunto de objetos-fontes de pulsão, resultantes do recalcamento originário, ou seja, da separação entre pré-consciente/consciente e inconsciente no espaço intrapsíquico. Em relação à definição do termo objeto-fonte, escreve Laplanche (1988): trata-se do "(...) impacto sobre o indivíduo e sobre o ego da estimulação constante exercida, do interior, pelas representações-coisa recalcada." (p. 80).

A impossibilidade de a criança metabolizar inteiramente os conteúdos que lhe chegam promove separação entre o que consegue simbolizar e o que não consegue. Neste último caso, a excitação provocada pela mensagem não é controlada ou inibida. A problemática do recalque originário insere-se nessa impossibilidade de metabolização interna de tudo que vem do exterior. Trata-se de um processo em dois tempos.

O primeiro tempo é aquele no qual o corpo-psiquismo infantil recebe as mensagens enigmáticas. A mensagem é simplesmente implantada ou inscrita. No segundo tempo, aquilo que foi implantado no corpo-psiquismo infantil passa a operar violentamente no mundo interno. A mensagem revivificada – atuando como um corpo estranho interno (objeto-fonte de pulsão) – exige medidas de controle e integração da excitação que desencadeia (Laplanche, 2007a; Cardoso, 2002).

Os códigos inatos ou adquiridos de que a criança dispõe são insuficientes para fazer frente à mensagem enigmática. "A criança deve apelar a um novo código, improvisado por ela, e recorrer aos esquemas fornecidos pelo ambiente cultural" (Laplanche, 2007a, p. 199; tradução nossa). Essa exigência de tradução corresponde à fundação do aparelho psíquico em nível pré-consciente, ou seja, à fundação do ego.

Todavia, a tradução esboçada pela criança é sempre imperfeita, deixando restos. Não há a possibilidade de se traduzir tudo, de inibir integralmente a excitação provocada pela mensagem. Os restos de tradução, então, constituem-se em oposição ao ego pré-consciente, formando o inconsciente – no sentido freudiano e literal do termo. Vale ressaltar que a constituição do inconsciente na criança não é de modo algum análoga a uma cópia do inconsciente sexual adulto. A teoria da sedução generalizada não postula uma transmissão exógena do inconsciente ou da sexualidade.

O trabalho de tradução remodela totalmente a mensagem. Reside aí a essência da ideia de metabolização. Os conteúdos excitatórios, implantados na criança, precisam ser metabolizados, sendo o inconsciente o resultado dos restos desse processo de metabolização. 

O inconsciente sexual, de acordo com o autor (Laplanche, 1997; 2007a), apresenta as características já descritas na teoria freudiana: ausência de temporalidade, de coordenação, de negação. Por resultar daquilo que escapou à tradução, o inconsciente não é o domínio do sentido, mas dos significantes privados de seu sentido original, não estando coordenados entre si. Em outras palavras, o inconsciente é o domínio dos significantes des-significados os quais, por sua vez, apontam para o que não foi passível de ser metabolizado pelo psiquismo infantil. Estes significantes inconscientes são os grandes impulsionadores da atividade psíquica, subvertendo o corpo somático, constituindo objetos-fontes da pulsão: pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte, como veremos adiante.


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PULSÃO SEXUAL DE VIDA E PULSÃO SEXUAL DE MORTE

Ao situar a sedução originária no fundamento da pulsão sexual, Laplanche nos remete à seguinte questão: como situar a pulsão de morte – a pulsão não-sexual na teoria freudiana – nessa nova formulação teórica?

De modo mais geral, a conceituação da pulsão de morte na obra freudiana constitui o ápice de um movimento que, segundo Jean Laplanche (1993/1997; 2007a), tende a privilegiar a referência aos fatores hereditários e constitutivos do ser humano, negligenciando fatores amplamente explorados no início do percurso teórico de Freud: a constituição do inconsciente relacionada diretamente à sedução exercida pelo adulto sobre a criança; a teoria do trauma em dois tempos; o ponto de vista tópico, no qual o ego sofre o ataque de um elemento provindo do espaço intrapsíquico; e o ponto de vista tradutivo no qual o recalque é concebido como uma falha de tradução.

Na história do pensamento freudiano, distinguem-se duas teorias das pulsões. A primeira, marcada pela dualidade entre pulsão sexual e pulsão de autoconservação, e a segunda, marcada pela dualidade entre pulsão de vida e pulsão de morte. A pulsão sexual é o elemento comum entre essas duas formulações. Se, na primeira teoria das pulsões, a fonte da pulsão sexual corresponde às excitações sexuais que brotam de diferentes zonas erógenas, na segunda teoria, a pulsão sexual – parte integrante do conjunto das pulsões de vida (Eros) – é uma força inerente ao organismo, que encontra uma primeira expressão psíquica no id, a sede das pulsões.

Em relação à primeira teoria das pulsões, Laplanche identifica no dualismo entre pulsão de autoconservação e pulsão sexual uma contraposição entre as funções de autoconservação e a pulsão sexual, conceituada como força não-subordinável aos propósitos da adaptação. "A especificidade do sexual só se afirma quando é reafirmada, de certa maneira, pelo menos potencialmente, a existência de um domínio do não-sexual" (Laplanche, 1993/1997, p. 26).

As funções de autoconservação constituiriam o domínio não-sexual almejado pelo autor, estando contrapostas às pulsões sexuais. Assim, são claramente diferenciadas as noções de função e pulsão, contrariando a tendência freudiana. O domínio do pulsional, no pensamento de Laplanche, não se confunde com o das funções biológicas, sejam elas sexuais ou de autoconservação.

Haveria então uma diferença fundamental entre função de autoconservação, pulsão sexual, e função sexual. Em relação à função, esta pode ser entendida como análoga ao instinto na teoria da sedução generalizada, já que com os termos função de autoconservação e função sexual, Laplanche quer designar instinto de autoconservação e instinto sexual, respectivamente. Ao desconstruir a ideia de pulsão de autoconservação, o autor busca apontar a única e verdadeira pulsão em seu entender: a pulsão sexual. Mostra que, no início da teoria das pulsões, a pulsão sexual foi tematizada como força desagregadora, hostil para o ego e o equilíbrio psíquico. Não é por acaso que, na teoria freudiana, o recalcamento se aplica fundamentalmente à sexualidade infantil cujas manifestações perversas são constantemente tematizadas como ameaçadoras para a estabilidade do ego.

Todavia, Laplanche (1987/1992) identifica na descoberta do narcisismo o marco de profunda reviravolta nos postulados iniciais da teoria da sexualidade. Na metade da década de 1910, as contribuições de Freud (1914/1969) enfatizavam os aspectos ligados, de ligação e totalizantes da sexualidade. Como consequência do forte impacto do narcisismo na teoria das pulsões, houve certo desequilíbrio no conjunto conceitual freudiano. A sexualidade desestabilizadora e ameaçadora para o ego – apesar de jamais negada por Freud –, perdeu muito de sua força pela atenção dada à oposição entre libido do ego e libido dos objetos.

Nesse enfraquecimento teórico do sexual disruptivo, Laplanche (1993/1997) identifica na conceituação da pulsão de morte um retorno aos aspectos anteriormente reconhecidos na pulsão sexual. Entre esses aspectos estariam aqueles menos narcísicos e mais desestruturantes, fragmentados e fragmentadores da pulsão que, se efetivamente problematizados, pouco se conciliariam com a restrição da pulsão sexual ao domínio de Eros, princípio de ligação.

Eros seria apenas uma parte da sexualidade, não abrangendo todos os aspectos da pulsão sexual. Se na primeira teoria das pulsões a pulsão sexual "visava qualquer coisa exceto a unidade, e não estava ligada por nenhum plano pré-estabelecido" (Laplanche, 1993/1997, p. 22), na segunda teoria, essa mesma pulsão tende a estabelecer unidades cada vez maiores – seu objetivo passa a ser unir, atar, ligar.

Então, o que fazer com a sexualidade não-ligada, aquela que age de forma impetuosa, buscando a descarga abrupta e absoluta, desconsiderando os seus efeitos sobre o ego e o princípio de realidade, destruindo assim as possibilidades de manutenção dos vínculos objetais?

A pulsão de morte, de acordo com essa perspectiva, vem justamente reafirmar e precisar aspectos essenciais da pulsão sexual não-ligada: aqueles parciais, sujeitados ao processo primário e à compulsão à repetição. Com base nesses dados, Laplanche lança mão de uma proposição original: "pulsão de morte e pulsão de vida são dois aspectos da pulsão sexual" (Laplanche, 1987/1992, p. 155).

A pulsão sexual, não sendo uma força inerente ao organismo, também não sendo simplesmente o resultado de uma transposição psíquica da excitação sexual somática, seria a força subsequente ao trauma vivenciado pela criança por meio do fenômeno da sedução.

Toda a problemática da pulsão no pensamento de Laplanche está inserida fundamentalmente numa questão objetal. Não é por acaso que ele utiliza o termo objeto-fonte para definir a fonte da pulsão. A força pulsional, em termos gerais, é gerada pela implantação (anteriormente à incorporação ou introjeção) de um objeto no espaço intrapsíquico, que excita e mobiliza o corpo-psiquismo infantil, subvertendo o soma, imperando sobre o instinto. Em outras palavras, a expressão objeto-fonte se refere aos efeitos do contato com o objeto externo no espaço intrapsíquico. Mas esse objeto interno, gerador da pulsão – esse objeto-fonte –, se reveste de diferentes aspectos: parciais e totais.

Ao tratarmos dos objetos-fonte de pulsão, mostra-se fundamental distinguir o objeto total do objeto parcial, levando em conta o fato de que "o objeto parcial mal é um objeto, mais próximo do índice do que do objeto 'objetal'" (Laplanche, 1987/1992, p. 156). A pulsão sexual de morte corresponderia ao efeito do objeto parcial – instável, informe, fragmentado, mais voltado para a metonímia do que para a metáfora – no espaço intrapsíquico.

A pulsão sexual de vida, por sua vez, corresponderia ao objeto total, estando ligada ao objeto em via ou em ato de totalização, de modo predominantemente estável e não-fragmentado, mais voltada para o deslocamento metafórico do que para o metonímico. O autor (Laplanche, 1987/1992) acrescenta que essa diferença entre objeto parcial e total o levou a classificar, em determinados momentos, os dois tipos de pulsão como pulsão de índice (pulsão sexual de morte) e pulsão de objeto (pulsão sexual de vida).

Entre o regime do processo primário (energia livre) e o regime do processo secundário (energia ligada), existem formas intermediárias de circulação da energia. Não haveria necessariamente uma oposição entre os dois processos, mas uma série complementar, partindo da fragmentação absoluta do id até os processos narcísicos. A libido, expressão psíquica da sexualidade, é o substrato energético de ambas as pulsões, não havendo uma energia contraposta à libido. Neste ponto, Laplanche não está distante das formulações de Freud. Embora tenha formulado dois tipos de pulsão, Freud jamais admitiu a existência de dois tipos de energia pulsional. "Freud (...) nunca admitiu uma energia especial para a pulsão de morte" (Laplanche, 1987/1992, p. 154-155).

Enfim, a diferenciação entre pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte se efetua, essencialmente, de acordo com os seguintes fatores da pulsão: sua relação com o ego, sua finalidade, seu modo de funcionamento energético e seu objeto-fonte.

A pulsão sexual de vida, consoante ao ego, visa à síntese, à constituição e manutenção de laços, funcionando segundo o princípio de energia ligada. Seu objeto-fonte corresponde ao objeto-total, regulador e apaziguador. Em contrapartida, a pulsão sexual de morte, hostil ao ego, visa à descarga pulsional total, ao preço do aniquilamento do objeto, funcionando segundo o princípio de energia livre. Seu objeto-fonte corresponde aos aspectos clivados, unilaterais – aos indícios de objeto –, no espaço intrapsíquico (Laplanche, 1988).

Assim, o campo do sexual abrange também os aspectos violentos e desestruturantes da vida psíquica, não estando confinado às possibilidades de ligação e integração da força pulsional. "O que chamo 'pulsão de morte' é a sexualidade infantil funcionando de modo puramente anárquico" (Laplanche, 2007b, p. 12).

Ao lançar luz sobre a face fragmentada e violenta do sexual, o autor adiciona: "o ser humano tem obrigação de encontrar os meios de enquadrar (...) a sexualidade infantil perversa. Se não o faz, vai à morte, tanto à sua morte coletiva quanto à sua morte individual" (Laplanche, 2007b, p. 13-14).

Com a oposição entre pulsão sexual de vida e pulsão sexual de morte, Laplanche (1987/1992) sustenta que as instâncias psíquicas são fundadas e funcionam por meio de um jogo complexo entre as forças de ligação e desligamento da sexualidade. A sexualidade implantada pela intromissão ou implantação dos significantes enigmáticos constitui a porta de entrada ao território pulsional.

As pulsões de vida e de morte são tematizadas por Freud (1920/2006) como duas forças inerentes ao organismo, uma tendendo à manutenção e renovação da vida (Eros), a outra visando levar o organismo a um estado supostamente anterior ao surgimento da vida, o estado inorgânico. As repercussões psíquicas dessas duas forças orgânicas, Eros e pulsão de morte, equivaleriam ao registro pulsional. Entretanto, essas duas forças atuariam na matéria viva desde o mais remoto início da vida orgânica, como algo inerente à constituição do sujeito.

De acordo com a leitura de Laplanche, a postulação da pulsão de morte corresponde ao ápice de um movimento na teoria freudiana que privilegia os fatores biológicos – e, para sermos mais exatos, endógenos – no movimento de constituição da pulsão. A problematização da gênese do pulsional perde muito de sua força à medida que a pulsão passa a ser concebida como uma força inerente ao organismo. Após a segunda teoria pulsional, fica indicado que "as pulsões estão presentes desde toda a eternidade, de modo que a gênese do sexual no indivíduo não é de modo algum um problema" (Laplanche, 1993/1997, p. 95). Para este autor, com a gênese da pulsão deixando de ser devidamente problematizada, não é de surpreender que justamente a conceituação da pulsão sexual, tendo em vista a sua evolução, tenha apresentado pontos incompatíveis, difíceis de atingir uma conciliação.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho tivemos por objetivo problematizar o conceito de pulsão sexual na obra freudiana, conceito que serve como uma espécie de chave mestra para a teorização não apenas da sexualidade, mas da vida psíquica como um todo.

Ao associar a noção de pulsão sexual a Eros – princípio de ligação –, Freud nos faz levantar a seguinte questão: qual seria o lugar, nessa segunda teoria pulsional, da pulsão sexual não-ligada – aquela não-integrada pelo ego, que funciona conforme o processo primário, buscando a descarga impetuosa e a satisfação de seu desejo pelas vias mais curtas e imediatas? Esta pulsão, sexual e não-ligada, estaria no campo das pulsões de morte?

A resposta para Freud é negativa. A pulsão de morte designa uma pulsão não-sexual. Entretanto, em seu pensamento, todos os fenômenos vitais, inclusive os sexuais, resultam de uma ação conjunta e mutuamente oposta entre as pulsões de vida e de morte. Assim, as atividades ligadas à sexualidade humana não excluíram a ação das pulsões de morte. Contudo, curiosamente, o sexual da pulsão passa a estar referido estritamente a seus aspectos de ligação – seja ao ego, seja ao objeto ou, até mesmo, à tendência das células somáticas a aderir umas às outras.

Ao situar a sexualidade no fundamento da pulsão, Laplanche é obrigado a reavaliar a problemática da gênese do pulsional no homem. E, mais do que isso, é obrigado a reavaliar o que seria a pulsão no homem. Para ele, a sexualidade infantil, longe de ser fator constitucional do sujeito, resulta dos fenômenos sexuais e inconscientes da sedução exercida pelo adulto sobre a criança. Trata-se aqui da sedução generalizada e inconsciente, que vigora por meio da relação fundamental e imprescindível entre adulto e criança no início da vida infantil – relação esta marcada pelos cuidados maternos e de autoconservação.

Dessa forma, Laplanche desconstrói as ideias que tendem a reduzir o campo das pulsões àquele das transposições das excitações somáticas em excitações psíquicas ou das expressões psíquicas das forças inatas do organismo. A pulsão seria mais do que uma transformação da excitação somática no âmbito psíquico, mas a excitação resultante do impacto do universo sexual e fantasístico adulto sobre o organismo elementar da criança.

Enfim, na teoria da sedução generalizada de Laplanche, o pulsional advém do contato humano, da comunicação intersubjetiva, das mensagens que são veiculadas nessa comunicação. Dessa forma, pulsão e sexualidade são noções indissociáveis, pois se a pulsão é o que advém do contato humano – e os conteúdos humanos estão permeados de sexualidade – como pensar a pulsão sem pensar a sexualidade?



REFERÊNCIAS

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 Endereço para correspondência 
Ney Klier Padilha Netto. Rua Humberto de Campos, 366/1303 – Cep: 22430-190, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. 
E-mail: neynetto@yahoo.com

Recebido em 24-07-2012 
Aceito em 28-11-2012





1 Apoio e financiamento: Capes. 
2 Este artigo é derivado da dissertação de mestrado "A violência do sexual e a pulsão de morte" (mestrado em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro), do primeiro autor, bolsista Capes, sob orientação da segunda autora. 
3 Agradecemos a Pedro Henrique Bernardes Rondon a cuidadosa revisão final do texto.

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722012000300018

PADILHA NETTO, Ney Klier; CARDOSO, Marta Rezende. Sexualidade e pulsão: conceitos indissociáveis em psicanálise?. Psicol. estud.,  Maringá ,  v. 17, n. 3, p. 529-537,  Sept.  2012 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722012000300018&lng=en&nrm=iso>. access on  31  Dec.  2016.  http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722012000300018.